Delmar Bertuol
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Justiça 09/Fev/2018 às 15:30 COMENTÁRIOS
Justiça

Cadê o Dalmo?

Delmar Bertuol Delmar Bertuol
Publicado em 09 Fev, 2018 às 15h30
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Delmar Bertuol*, Pragmatismo Político

Foi via Facebook que a Edna fez o pedido de socorro/desabafo. Postou que se alguém soubesse do paradeiro do Dalmo, lhe avisasse que a mãe de suas três filhas estava desempregada, com o aluguel atrasado e, claro, tinha que dar o de-comer às gurias.

Dalmo fez com Edna o mesmo que já aprontara pra sua ex. Simplesmente tomou rumo desconhecido. Da primeira vez, entretanto, a primeira mulher lhe descobriu o destino e cobrava a pensão de por-direito do filho. Decerto que invertendo a história a seu favor, Edna sempre defendia o marido daquela peste que era a ex-mulher. Para Edna, ela teria colocado direitinho um par de chifres em Dalmo, que, por orgulho, não dizia claramente o que acontecera, só maldizia a mulher. E Edna tomava as dores.

Agora, Edna compreendeu o que de fato era provável ter ocorrido. E, no seu íntimo, arrependia-se de ter maldito da mulher. E calculou que querendo fugir de suas responsabilidades paternas, Dalmo propôs que viessem lá do norte aqui pro sul, rasgando o Brasil com um gol de duas portas e sem ar-condicionado. Na traseira levava a sua pequena e a de Edna, que ele doravante assumia como sua. Que até de pai a menina já lhe chamava.

Menos de dois anos de frio sulino foram suficientes pro Dalmo deixar grávida a Edna, tão emaranhados eram os dois. Bastava terem um tempo longe das filhas que já começava um sorriso maroto aqui, uma beliscadela na bunda acolá, um tapa gentil em reprimenda… Quando se apercebiam, estavam agarrados em cima da mesa, do sofá ou onde quer que fosse, com ganas de desejo. Esquentando-se do frio se inverno; ou transbordando em suor quente, se fevereiro.

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Pois também foi pouco mais de dois anos depois que nasceu a rebentinha fruto desses te-quero de de repente, que Dalmo sumiu depois duma briguinha à-toa e nunca mais voltou. Há tempos já estava desgostoso e dava mostras voluntárias e involuntárias disso. Precisou de uma discussão por quase nada só pra ter motivo de bater o portão. A Edna ainda gritou lá de dentro que, se voltasse com perfume de quenga, ia dormir no canil. Ele fez que não ouviu e seguiu caminhando.

E não voltou.

E ninguém nunca mais viu.

Não consta que tenha ido ao puteiro na noite do sumidouro.

Só deixou pras filhas e pra mulher as contas quites e um carro com documentação atrasada e motor fundido. Era ainda o mesmo gol-bolinha que lhes trouxeram do norte. Agora, Edna anunciava no mesmo Facebook que estava vendendo o auto por peças.

Ela já entrou com um pedido de Bolsa-Família. Está aguardando os trâmites burocráticos. Fosse ela da magistratura e com morada própria, bastaria solicitar um auxílio-moradia de quatro pau por mês livre de imposto, que receberia no próximo contracheque. Pobre e iletrada, tem que juntar trocentos documentos pra ganhar duzentos pilas por mês.

Começou a racionar a comida, a água, a luz e abandonou por obrigação o cigarro. Só fuma de vez em quando, em ocasiões que por benevolência lhe oferecem um avulso.

Às vezes, lembra-se do Dalmo e lhe chama de corno viado, ainda que ela nunca o tenha chifrado e que ela bem o saiba, e como!, que não era viado; outras vezes culpa a si mesma por ter escolhido mal o pai de suas filhas e com quem mudou de vida. Deveria, macaca-velha que julgava ser, adivinhar a personalidade do cabra, índio sem-destino, de não fincar raízes, criado guaxo.

Pois quem conhecer o paradeiro do Dalmo – o que acho bem difícil – dê a ele o recado de desespero. Se souberem dalguma vaga de trabalho, é gentileza lhe dar urgente ciência da vaga. Íntima dos serviços de porta-a-dentro, Edna é cozinheira digna de romance de Jorge Amado. Graduada na culinária paraense, mas teve tempo de habilitar-se nas especiarias gaúchas. E pode também fazer faxina, sim, senhor. Mas, na falta doutra maneira de ajudar, também é válido se achegar na casa dela pruma conversa sobre desimportâncias e lhe acender um cigarro. Ela tá precisada tanto da prosa como do pito.

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*Delmar Bertuol é professor de história da rede municipal e estadual, escritor, autor de Transbordo, Reminiscências da tua gestação, filha e colaborou para Pragmatismo Político

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