Saullo Diniz
Colunista
Direita 06/Jun/2017 às 13:00 COMENTÁRIOS
Direita

O avanço do conservadorismo no mundo

Saullo Diniz Saullo Diniz
Publicado em 06 Jun, 2017 às 13h00

O avanço do conservadorismo – que vai muito além da política – é explicado pela liquidez do mundo onde as pessoas veem o futuro como ameaça e o passado como refúgio. Mas, como diria Paulo Freire em sua Pedagogia da Esperança, as pessoas não são coisas para serem conservadas; elas estão, queiram ou não, em constante transformação

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Donald Trump e Jair Bolsonaro (Imagem: Pragmatismo Político)

Saullo Diniz*, Pragmatismo Político

Seja pelo recrudescimento do conservadorismo no Brasil como é possível observar, não só pelo crescimento da popularidade de figuras como Jair Bolsonaro e afins, as próprias redes sociais nos revelam o quão forte isso tem se tornado para muito além da política. Além disso, a eleição de Donald Trump (que não era só um candidato conservador, mas se elegeu sob uma plataforma conservadora de “make America great again”) e a ascensão de partidos até de extrema-direita na Europa, nos mostram, em várias esferas que, de fato, há um crescimento desse tipo de pensamento.

Em fins de 2015, Vladimir Safatle – que é um dos poucos quadros do jornalismo de massa que se destaca positivamente – escreveu um artigo para a Folha de São Paulo intitulado “A falsa onda conservadora” onde questiona esse avanço do pensamento conversador no Brasil. Infelizmente o texto peca na superficialidade de alguns pontos. O autor, além de questionar se esse avanço não seria uma espécie de “decomposição radical do que poderíamos chamar de “campo das esquerdas””, analisa o movimento conservador apenas sob a ótica política o que é, de fato, um reducionismo do tema. A impressão que fica é que ele atribui o suposto crescimento de uma “onda conservadora” à falência das esquerdas como se a esquerda fosse sinônimo de progresso e sua derrocada resultaria na ascensão de pensamentos conservadores. Longe de querer insinuar que esse embate entre “direita x esquerda” esteja extinto (não está!), mas é que ele acaba por tirar-nos o foco de algumas questões essenciais gerando confusão em algumas análises como, por exemplo, o desvio dos debates políticos acerca das questões de classe e a análise (ultra-infantil) de que a esquerda é certa e a direita é errada e vice-versa.

O que quis demonstrar é que mesmo o texto tendo destacado pontos muito bons, foi falho em seu objetivo, afinal, como dizer que não há um avanço do conservadorismo num país onde a eleição do próximo ano será disputada por Lula, Marina Silva, Jair Bolsonaro e algum candidato do PSDB? Por mais apego que se tenha a figura do Lula e do PT, ainda não foi feita nenhuma proposta, os votos que ele terá (e já tem) se devem ao que ele foi, não ao que propõe ser. Quer algo mais conservador do que o voto no passado? Cuidado com o narcisismo ideológico de achar que o que lhe agrada é progressista, não é! A(s) esquerda(s), inclusive, está muito mais presa no passado do que livre para construir futuro. O mesmo ocorre no campo inverso, Bolsonaro também não fez suas propostas (e não parece muito capacitado a fazê-las), mas também já tem seus votos (a questão é que ele é assumidamente conservador).

A nova brincadeira da internet que engrandece as práticas antigas (denominadas de raízes) em detrimento das supostas práticas atuais (denominadas de nutellas), assim como a negação ao suposto futebol moderno e afins deixam bem claro que o apego à ideias conservadoras não é exclusivo da política, mas apenas se reflete mais claramente nela.

Muito além disso, o que quero aqui não é apontar o conservadorismo na esquerda (nem na direita), mas em ambos, em nós. Afinal, por que o pensamento conservador tem se tornado cada vez mais atraente?

Zygmunt Bauman foi um sociólogo polonês que concentrou muitas de suas obras nas relações interpessoais em meio à modernidade líquida (que foi a sua principal obra e talvez o principal conceito). Mas afinal, o que é a tal liquidez proposta por Bauman? Vou tentar destrinchar o conceito de forma bastante introdutória para facilitar o entendimento sem perder a essência do pensamento (e também sem cair no atraente simplismo). Meu último texto publicado aqui intitulado “A crise crônica da geração Y” também faz uma breve contextualização do conceito de liquidez do Bauman, caso sirva de consulta.

Para ele, atualmente vivemos numa modernidade líquida ao contrário de décadas atrás quando vivíamos uma modernidade sólida. Em épocas da modernidade sólida – os meados do século XX -, o ideal da vida era o que era sólido, ou, em outras palavras, o que era duradouro. Um emprego para a vida toda (por isso o sucesso dos concursos públicos), um casamento pra vida toda, a casa própria (que seria pra vida toda) e etc., ou seja, a durabilidade das coisas dizia muito sobre sua qualidade, tudo que era – ou aparentava ser – duradouro tinha credibilidade, era visto com bons olhos.

Diferentemente das últimas décadas onde fomos imersos pela liquidez, ou, em outras palavras, pela efemeridade, pela fugacidade. As mudanças hoje são muitas e cada vez mais rápidas, o século XXI com menos de duas décadas completas já nos apresentou tantas novidades, tantas reviravoltas, a vida muda com muita rapidez, por isso é líquida, pois ela é cada vez mais fluida, não há como prendê-la. Essa é a tal liquidez, afinal, não podemos contê-la, ela escorre por nossas mãos.

O problema é que todas essas mudanças constantes nos causam uma grande insegurança, afinal, a segurança vem exatamente pela rotina (por isso que a casa tem o sentimento de abrigo), pela repetição, pelo conhecimento do que está por vir. O desconhecido sempre gera medo, afinal, não sabemos o que tem lá, não é mesmo? O Geógrafo sino-americano Yi Fu Tuan em sua Paisagens do Medo afirma que o medo universal é o medo de escuro, mas por que? Nós não sabemos o que tem no escuro!

A vida líquida nos reserva exatamente essa sensação de andar no escuro, pois como as mudanças são constantes, nunca se sabe como será o dia de amanhã. Isso gera insegurança e o mundo líquido é conhecido pelo medo. O próprio Bauman fala em seu Medo Líquido que vivemos nas sociedades mais seguras da história, mas ao mesmo tempo onde as pessoas se sentem mais inseguras.

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Então, toda essa liquidez, essa efemeridade das coisas nos fazem procurar por segurança e frequentemente são encontradas em algumas coisas sólidas, ou seja, duradouras, estáveis. Mas o que pode ser sólido num mundo onde as coisas são líquidas? O passado! Ele não muda, ele é estático (salvo questões interpretativas e as visões que devem existir, mas os fatos já ocorreram, o que pode mudar são as visões sobre ele). Num mundo onde o futuro é cada vez mais um quarto escuro, nada melhor do que o apego ao passado como forma de segurança, afinal, o futuro não sabemos como será, mas o passado nós sabemos, ele não gera medo, mas segurança.

Assim, pois, o avanço do conservadorismo – que vai muito além da política – é, dentre outros fatores, explicado pela liquidez do mundo onde as pessoas vêem o futuro como ameaça e o passado como refúgio. Mas, como diria o saudoso Paulo Freire em sua Pedagogia da Esperança, as pessoas não são coisas para serem conservadas, elas estão, queiram ou não, em constante transformação. O que acontece é que somos eternos adolescentes sem conseguir lidar com essas mudanças e nos apegando a tudo que já não deu muito certo uma vez como suposta alternativa para os dias de hoje. A farsa e a tragédia.

Caminhar pra frente requer coragem, o time que só toca de lado ou recua pro goleiro, não faz gol.

*Saullo Diniz é professor de Geografia em Niterói e colunista em Pragmatismo Político

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