Redação Pragmatismo
Desigualdade Social 17/Mar/2017 às 16:22 COMENTÁRIOS
Desigualdade Social

Habib's suja as mãos em nova nota sobre morte do menino João Victor

Publicado em 17 Mar, 2017 às 16h22

Ao mostrar os BOs de João Victor em longa nota, o Habib’s lincha o menino de 14 anos e suja mais as mãos

habibs suja mãos nota morte joão victor drogas
Habib’s suja as mãos em nova nota sobre morte do menino João Victor (Imagem: Pragmatismo Político)

Mauro Donato, DCM

Buscando desvincular a marca de um episódio trágico, a morte do menino João Victor, o Habib’s emitiu uma longa nota de quatro páginas:

Como todo menino de apenas 13 anos, poderia ir à escola, fazer amigos, crescer, trabalhar, apaixonar-se por alguém, formar uma família e bem lá na frente, concluir seus dias rodeado pelos filhos, netos e outros que o amassem. No entanto, caiu vítima do mais trágico conjunto de circunstâncias a que milhares de crianças brasileiras estão vulneráveis nos nossos tempos: falta de assistência social, falta de educação, falta de alimentação, falta de estrutura familiar e a devastadora exposição às drogas”, diz o texto.

E é por este caminho que vai todo o documento. Lamenta a morte do garoto e insiste, via existência de laudo, que a morte ocorreu em decorrência de um mal súbito como consequência do uso de drogas e nenhuma relação com as agressões existentes (algumas delas registradas por câmeras, outras relatadas por testemunhas).

Para piorar um pouco, reforça que as imagens dos seguranças arrastando e atirando o menino no chão como um trapo teriam ganhando mais atenção do que o real problema do caso: a marginalização e desamparo social de João Victor.

Quase como um depoimento frente ao delegado, o texto apresenta um detalhado relato do passo-a-passo no momento da confusão, a ligação para a polícia, a ligação para o SAMU, a ‘solicitação de ajuda e recebendo orientações de como proceder o atendimento até a chegada da ambulância’.

Mas não era um depoimento a um delegado e, pelo visto, o Habib’s não dispunha de um advogado na hora de redigir a nota ou então está muito mal assessorado.

Após todo o lenga-lenga que busca a empatia com o leitor, que lamenta a injustiça social e a condição precária da vida de João Victor, a nota ‘mostra provas’ de que o menino já era um caso perdido e cita a existência de dois boletins de ocorrência que envolviam-no. Não apenas cita, dá os números de registro, datas e históricos. João Victor era menor, não poderia ser exposto dessa forma. B.O.s que envolvem menores são mantidos em sigilo.

O Habib’s infringiu o Estatuto da Criança e do Adolescente, não se pode fazer isso, divulgar o conteúdo do que tratam os atos infracionais, isso é ilegal”, disse ao DCM o advogado Ariel de Castro Alves, coordenador da Comissão da Criança e do Adolescente do Conselho Estadual de Direitos Humanos de São Paulo. Ele acompanha o caso desde os primeiros momentos.

A rede de lanchonetes persistiu na estratégia de incriminar o menino e terminou derrubando a esfiha com o recheio virado pra baixo, de novo. O Ministério Público informou que vai investigar a empresa pela divulgação dos BOs.

O Habib’s, infelizmente, chora muito mais por ver ‘com tristeza a marca e todos os colaboradores injustamente associados à morte de João Victor’ e lamenta o ‘tribunal das redes sociais’, contradizendo-se na pressa: “Mesmo que nos primeiros momentos o silêncio nos prejudicasse, atendemos a esse clamor da forma mais responsável possível. Diante de um fato grave como esse, envolvendo a morte de um menor, era necessária a apuração dos fatos. Aguardamos a manifestação das autoridades envolvidas e do poder público.

Ao se aferrar ao único laudo até agora, que ‘contraria jugamentos precipitados’, o Habib’s exclui veementemente a responsabilidade das agressões na morte do garoto. Pode não ser tão simples. A queixa por estar sendo vítima do pós-verdade não autoriza um comunicado assim, digamos, pré-verdade.

A família fez o pedido de exumação pois há contradições. Há dois testemunhos sobre as agressões e mais o trecho de gravação no qual o menino é jogado no chão. O laudo é uma prova, mas deve ser analisado em conjunto com outras provas. Portanto espero que na próxima semana a delegada acate o pedido de exumação”, afirmou Ariel de Castro Alves, por telefone.

Leia a nota na íntegra:

Há mais coisas por trás da tragédia do João Victor do que mostram as notícias e as redes sociais.

João Victor era um menino que possuía o que a vida oferece de mais precioso: o futuro todo pela frente para ser construído.

Como todo menino de apenas 13 anos, poderia ir à escola, fazer amigos, crescer, trabalhar, apaixonar-se por alguém, formar uma família e bem lá na frente, concluir seus dias rodeado pelos filhos, netos e outros que o amassem.
No entanto, caiu vítima do mais trágico conjunto de circunstâncias a que milhares de crianças brasileiras estão vulneráveis nos nossos tempos: falta de assistência social, falta de educação, falta de alimentação, falta de estrutura familiar e a devastadora exposição às drogas.

Algo poderia ter sido feito. Fatos anteriores já sinalizavam seu destino. No dia 07 de agosto de 2014 o B.O. nº 8.362, registrado no 13º DP da Casa Verde, descreveu o primeiro envolvimento de João Victor com a polícia, aos 11 anos de idade, num episódio de roubo e ameaça à vítima. No dia 26 de setembro de 2015 o B.O. nº 10.497, registrado no 20º DP da Água Fria, relata que João Victor foi encontrado sozinho no Terminal Cachoeirinha, encaminhado ao Hospital do Mandaqui e após alta hospitalar foi conduzido pela polícia para a delegacia na qual o Conselho Tutelar lhe providenciou abrigo já que a família não foi localizada.

João Victor fazia parte dos 24 mil meninos e meninas em situação de rua nas 75 principais cidades do país, por motivo de discussão com os pais, violência doméstica e uso de álcool e drogas (dados da Secretaria de Direitos Humanos do Governo Federal). Ele foi mais uma vítima da dependência química e do abandono de instâncias que teriam a obrigação social e moral de lhe estender a mão.

Um garoto de apenas 13 anos, sozinho, não tem como vencer tais obstáculos e a realidade, a triste realidade, acaba se impondo da forma como se impôs.

No dia 26 de fevereiro o Habib’s, como toda a sociedade, assistiu, chocado, à interrupção da curta vida de João Victor
Por tudo o que ocorreu, com tristeza, vimos nossa marca e todos os nossos colaboradores injustamente associados à morte do João Victor.

Sofremos boicotes, funcionários foram ameaçados, clientes foram intimidados e recebemos manifestações nas nossas portas, além de acusações, críticas e imputações injustificadas vindas das mais diversas fontes, até que o laudo oficial do Instituto Médico-Legal revelou a real causa da morte: “… a morte ocorreu de forma súbita e teve origem cardíaca, relacionada ao uso de substâncias entorpecentes/ilícitas.”

Além disso o laudo também confirma que nenhuma agressão foi observada, contrariando os julgamentos precipitados.

Mesmo que nos primeiros momentos o silêncio nos prejudicasse, atendemos a esse clamor da forma mais responsável possível. Diante de um fato grave como esse, envolvendo a morte de um menor, era necessária a apuração dos fatos. Aguardamos a manifestação das autoridades envolvidas e do poder público, colocamo-nos à disposição da família para ajudá-la e afastamos imediatamente os funcionários envolvidos. Enquanto buscávamos entender o que de fato aconteceu, o tribunal das redes sociais e da opinião pública já havia emitido seu veredito. Não é a toa que a palavra do ano, segundo o Dicionário Oxford, é “pós-verdade”.
Diante de tanta polêmica, consideramos importante levar a público as informações derivadas das investigações, dos relatos, dos documentos oficiais, dos laudos e dos fatos que se desenrolaram nos últimos dias:
1. Há registro de telefonema feito pelos funcionários da loja para a Polícia Militar, antes do acontecimento, solicitando ajuda policial e relatando o comportamento de João Victor perante os clientes dentro da loja.
2. As imagens entregues à Polícia Civil mostram João Victor com dois pedaços de pau na mão ameaçando pessoas, funcionários e danificando o carro de um cliente.
3. Após ocorrer o mal súbito há imagens – que reprovamos – envolvendo dois funcionários que foram afastados e prestaram depoimento à Polícia do porquê agiram dessa forma.
4. Há registro de telefonema feito pelos funcionários da loja ao Samu imediatamente após perceberem o mal súbito, solicitando ajuda e recebendo orientações de como proceder o atendimento até a chegada da ambulância.
Nem tudo ainda está 100% claro para nós, assim como não está para a sociedade. O que sabemos é que as cenas chocantes dos funcionários retirando João Victor do meio da rua movimentada — somadas à sua falta de experiência em situações de resgate — tornou-se assunto maior que o problema social existente no país e ainda maior que as causas que originaram sua morte, descritas pelos socorristas, pelos médicos do hospital e pelo médico legista do Instituto Médico-Legal.
Ainda que tudo não esteja claro, há que se apontar alguns fatos relativos ao tema agressão.
5. Em nenhum dos momentos distintos ocorridos os policiais militares, socorristas, médicos e autoridades envolvidos apontam qualquer sinal de agressão a João Victor e isso está claramente indicado nos documentos oficiais.
6. O laudo do Instituto Médico-Legal descreve a ausência de qualquer agressão:
– Couro cabeludo sem lesões … calota craniana sem fratura.
– Internamente ausência de lesões traumáticas.
– Ausência de lesões ou sinais hemorrágicos em região cervical.
– Ausência de lesões traumáticas em parede toráxica.
– Sem outras alterações e/ou lesões de interesse médico-legal.
7. Em sua discussão e conclusão, o laudo ainda relata:
– Alterações cardíacas agudas e crônicas.
– O exame complementar toxicológico nº 3527/2017 evidenciou a presença de cocaína … Isto indica uso crônico de análogos da cocaína.
– Estas substâncias (cocaína e solventes) são miocardiotóxicas e estão associadas a morte súbita de origem cardíaca … cuja causa mortis, baseando-se nos achados, ocorreu em decorrência de cardiopatia precipitada e agravada por uso de substâncias entorpecentes/ilícitas.
Estamos chocados com a morte de João Victor porque não há algo que simbolize tanto a vida como um garoto de 13 anos de idade.
Todas as 18.000 pessoas que fazem o Habib’s estão abaladas, tristes e enlutadas. Como organização e como conjunto de pessoas que também são filhos de alguém e pais de alguém, o Habib’s conhece os riscos a que nossas crianças estão expostas.
Não é de hoje que, não por palavras mas por ações, o Habib’s tem trabalhado para impedir tragédias dessa natureza. O Projeto Ciranda Urbana, fundado há 10 anos e mantido integralmente pela empresa é uma das faces desse trabalho. No coração da comunidade de Vila Andrade, na cidade de São Paulo, 250 crianças são assistidas por esse projeto. Nele recebem educação, alimentação, assistência psicológica e outros recursos. Essa assistência se estende aos seus pais com oficinas para geração de renda e até mesmo apoio financeiro. Tudo isso condicionado à frequência escolar comprovada. É assim que o Habib’s mantém crianças longe das ruas e das suas ameaças, estimula o estudo e promove a união familiar.

Mas há mais. Patrocinamos eventos como o “Só Fica Fera Quem Não Mexe Com Drogas”, que reúne a Polícia Militar do Estado de São Paulo, o Rotary Club e centenas de crianças, justamente para afastá- las das drogas. Para nós esse é um trabalho sem data para acabar. É um compromisso permanente.

O Habib’s e seus 18.000 funcionários lamentam profundamente os fatos ocorridos e se comprometem a manter e ampliar seus projetos sociais direcionados às crianças, acreditando num futuro melhor para nosso país.

Leia também:
Por que o fundador do Habib’s ainda está em silêncio?
Médico que assinou laudo de João Victor é desmascarado e sai do Facebook
Laudo médico isenta Habib’s e diz que menino morreu por uso de drogas
Vídeo revela menino sendo arrastado sem roupas por seguranças do Habib’s
Morte de menino de 13 anos no Habib’s tem novas versões
Casal queimado com óleo por gerente do Habib’s vai processar estabelecimento
Justiça condena Habib’s a indenizar cliente expulso por usar chinelo

Acompanhe Pragmatismo Político no Twitter e no Facebook

Recomendações

COMENTÁRIOS