Redação Pragmatismo
Cultura 17/Fev/2017 às 14:54 COMENTÁRIOS
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Premiado, Raduan Nassar faz discurso histórico e irrita ministro da Cultura

Publicado em 17 Fev, 2017 às 14h54

Raduan Nassar raramente dá entrevistas. O autor de Lavoura Arcaica é considerado um dos gênios da literatura ainda vivos. Seu pronunciamento na entrega do Prêmio Camões provocou gritos de "Fora, Temer!" e vaias a Roberto Freire, ministro da Cultura, que reagiu

Raduan Nassar ministro da cultura
O escritor Raduan Nassar

Raduan Nassar, um dos gênios da literatura que ainda vivem, recebeu nesta semana o Prêmio Camões de 2016 – entregue a cada ano pelos governos de Brasil e de Portugal a escritores expressivos da língua portuguesa.

Autor de Lavoura Arcaica e Um copo de cólera, Nassar, que está aposentado há 30 anos, aproveitou a oportunidade para se manifestar contra o Governo de Michel Temer, referindo-se a ele como “repressor”.

Após o discurso do escritor, o ministro da Cultura de Temer, Roberto Freire, tomou o microfone e criticou Nassar, chamando-o de “histriônico”. Durante sua fala, o ministro foi vaiado e ouviu gritos de “Fora, Temer!”.

Leia a íntegra do discurso de Raduan Nassar:

Excelentíssimo Senhor Embaixador de Portugal, Dr. Jorge Cabral.

Senhor Dr. Roberto Freire, Ministro da Cultura do governo em exercício.

Senhora Helena Severo, Presidente da Fundação Biblioteca Nacional.

Professor Jorge Schwartz, Diretor do Museu Lasar Segall.

Saudações a todos os convidados.

Tive dificuldade para entender o Prêmio Camões, ainda que concedido pelo voto unânime do júri. De todo modo, uma honraria a um brasileiro ter sido contemplado no berço de nossa língua.

Estive em Portugal em 1976, fascinado pelo país, resplandecente desde a Revolução dos Cravos no ano anterior. Além de amigos portugueses, fui sempre carinhosamente acolhido pela imprensa, escritores e meios acadêmicos lusitanos.

Portanto, Sr. Embaixador, muito obrigado a Portugal.

Infelizmente, nada é tão azul no nosso Brasil.

Vivemos tempos sombrios, muito sombrios: invasão na sede do Partido dos Trabalhadores em São Paulo; invasão na Escola Nacional Florestan Fernandes; invasão nas escolas de ensino médio em muitos estados; a prisão de Guilherme Boulos, membro da Coordenação do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto; violência contra a oposição democrática ao manifestar-se na rua. Episódios todos perpetrados por Alexandre de Moraes.

Com curriculum mais amplo de truculência, Moraes propiciou também, por omissão, as tragédias nos presídios de Manaus e Roraima. Prima inclusive por uma incontinência verbal assustadora, de um partidarismo exacerbado, há vídeo, atestando a virulência da sua fala. E é esta figura exótica a indicada agora para o Supremo Tribunal Federal.

Os fatos mencionados configuram por extensão todo um governo repressor: contra o trabalhador, contra aposentadorias criteriosas, contra universidades federais de ensino gratuito, contra a diplomacia ativa e altiva de Celso Amorim. Governo atrelado por sinal ao neoliberalismo com sua escandalosa concentração da riqueza, o que vem desgraçando os pobres do mundo inteiro.

Mesmo de exceção, o governo que está aí foi posto, e continua amparado pelo Ministério Público e, de resto, pelo Supremo Tribunal Federal.

Prova da sustentação do governo em exercício aconteceu há três dias, quando o ministro Celso de Mello, com suas intervenções enfadonhas, acolheu o pleito de Moreira Franco. Citado 34 vezes numa única delação, o ministro Celso de Mello garantiu, com foro privilegiado, a blindagem ao alcunhado “Angorá”. E acrescentou um elogio superlativo a um de seus pares, o ministro Gilmar Mendes, por ter barrado Lula para a Casa Civil, no governo Dilma. Dois pesos e duas medidas.

É esse o Supremo que temos, ressalvadas poucas exceções. Coerente com seu passado à época do regime militar, o mesmo Supremo propiciou a reversão da nossa democracia: não impediu que Eduardo Cunha, então presidente da Câmara dos Deputados e réu na Corte, instaurasse o processo de impeachment de Dilma Rousseff. Íntegra, eleita pelo voto popular, Dilma foi afastada definitivamente no Senado.

O golpe estava consumado!

Não há como ficar calado.

Obrigado.

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