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Desigualdade Social 25/Jan/2017 às 14:56 COMENTÁRIOS
Desigualdade Social

Como os bilionários aprofundam a desigualdade no mundo

Publicado em 25 Jan, 2017 às 14h56

Acumular fortunas não é o único fator que aumenta a desigualdade no mundo. Uma vez que ocupam posições privilegiadas e de influência entre líderes empresariais e políticos, os super-ricos têm interesse em moldar políticas que apoiem o acúmulo de sua riqueza

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República do Malawi, país da África Oriental (reprodução)

Apenas oito homens possuem a mesma riqueza que 3,6 bilhões de pessoas que compõem a metade mais pobre do mundo. Além disso, o 1% da população detém o mesmo volume de riqueza que os demais 99%.

Esses são alguns dos destaques do documento Uma economia humana para os 99%, realizado pela ONG internacional Oxfam e apresentado no domingo (15) durante reunião anual de líderes políticos e empresariais em Davos, na Suíça.

O relatório traz números preocupantes sobre o aumento da desigualdade em todo o mundo em poucos anos. Para se ter ideia, desde 2015, mais da metade da riqueza mundial total de US$ 255 trilhões tem ficado nas mãos do 1% mais rico da população mundial. Já os 50% mais pobres da população mundial detêm menos de 0,25% da riqueza global líquida.

O documento foi baseado em dados de relatórios do FMI (Fundo Monetário Internacional), no estudo anual Credit Suisse Wealth Report 2016 e na lista de milionários da Forbes, além de outros dados.

O relatório detalha como os grandes negócios e os indivíduos que mais detêm a riqueza mundial estão se alimentando da crise econômica, pagando menos impostos, reduzindo salários e usando seu poder para influenciar a política em seus países”, diz Katia Maia, diretora executiva da Oxfam no Brasil.

De acordo com o relatório, a riqueza dos super-ricos tem aumentado nas últimas décadas. Os 1.810 bilionários incluídos na lista da Forbes de 2016, dos quais 86% são homens, possuem uma fortuna total de US$ 6,5 trilhões — soma que ultrapassa a riqueza dos 70% mais pobres do mundo. “Os bilionários são a face humana do rápido aumento observado na concentração da riqueza e dos retornos sobre capital“, diz o estudo.

E, uma vez que a fortuna é acumulada, ela pode crescer rapidamente entre a população mais rica do mundo. Os bilionários conseguem obter retornos vantajosos de seus investimentos, algo que não está disponível ao poupador comum, o que ajuda aumentar o ‘gap’ entre os mais ricos e os demais.

Investindo em fundos de cobertura ou mantendo depósitos cheios de obras de arte e carros antigos, o setor altamente secreto da gestão de riquezas tem sido extremamente bem-sucedido em aumentar a prosperidade dos super-ricos. Quanto maior o investimento inicial, mais altos podem ser os retornos, já que os custos iniciais de uma assessoria financeira sofisticada e investimentos de alto risco podem ser justificados por retornos extremamente lucrativos em potencial.”

Em 2009, havia 793 bilionários no mundo que somavam uma riqueza líquida de US$ 2,4 trilhões. Sete anos depois, os 793 indivíduos mais ricos do mundo tinham impressionantes US$ 5 trilhões, uma alta de 11% por ano na riqueza do seleto grupo. Bill Gates, referência por ações de filantropia, por exemplo, tinha uma riqueza líquida de US$ 50 bilhões quando deixou a Microsoft, em 2006. Dez anos depois, ele acumula uma fortuna de US$ 75 bilhões.

Aqui na América Latina não é diferente. Segundo o estudo, o 1% das “superfazendas” da região controlam atualmente mais terras produtivas do que as demais 99%.

Como a desigualdade aumenta?

Acumular fortunas não é o único fator que aumenta a desigualdade no mundo. Uma vez que ocupam posições privilegiadas e de influência entre líderes empresariais e políticos, os super-ricos têm interesse em moldar políticas que apoiem o acúmulo de sua riqueza e tendem a rejeitar políticas de maior distribuição de renda. “Pesquisas revelam que eles são beneficiados por uma distribuição mais desigual da riqueza e se empenham em usar sua influência para continuar a gozar desse benefício“, destaca o estudo.

Katia Maia explica:

Por exemplo, eles [os super-ricos] usam sua riqueza para apoiar candidatos políticos, financiar atividades de lobby e – mais indiretamente – financiar centros de estudos e universidades para tornar narrativas políticas e econômicas compatíveis com as falsas premissas que favorecem os ricos. Os bilionários do Brasil fazem lobby para reduzir impostos e, em São Paulo, preferem usar helicópteros para ir ao trabalho, evitando os engarrafamentos e problemas de infraestrutura enfrentados nas ruas e avenidas da cidade.

Tributação para todos?

Na teoria, o pagamento de tributos seria o melhor caminho para os bilionários contribuírem para o bem-estar da sociedade. Mas o que vem acontecendo nas últimas décadas é o contrário. O FMI constatou que os sistemas tributários adotados em todos os países vêm se tornando cada vez menos progressivo desde a década de 1980. Como consequência, ocorre a redução da alíquota máxima aplicada ao imposto de renda, cortes nos impostos sobre ganhos de capital e de reduções nas taxas sobre herança e sobre a riqueza. Ou seja, na prática, quanto mais rico você é, menos tributo você paga.

Isso acontece porque, nos últimos anos, muitos países vêm concedendo isenções fiscais para super-ricos. Em Malta, na África, por exemplo, eles podem comprar a cidadania por apenas US$ 650.000 e evitar impostos que pagariam por serem estrangeiros.

Além disso, os mais ricos utilizam uma rede global de paraísos fiscais e sigilo fiscal para evitar pagar impostos. “Segundo uma estimativa conservadora, a riqueza individual mantida offshore [sem tributação] soma US$ 7,6 trilhões. Só na África, a soma mantida offshore por africanos ricos foi estimada em US$ 500 bilhões, que acarreta, no total, US$ 15 bilhões em receitas fiscais perdidas por ano para as nações africanas“, acrescentou o estudo.

Arrocho salarial e de pessoal

Enquanto a renda dos altos executivos tem aumentado vertiginosamente, os salários dos trabalhadores comuns e as receitas de fornecedores têm permanecido praticamente inalterados ou foram até diminuídos. De acordo com Katia Maia, grandes empresas continuam utilizando trabalho forçado ou análogo à escravidão para manter os custos corporativos baixos e maximizar as receitas. “As 10 maiores empresas tiveram a mesma receita de 180 países juntos. Ao mesmo tempo que as empresas têm lucros cada vez maiores, há um arrocho do salário pago aos trabalhadores e os pagamentos de seus fornecedores“, diz.

A Organização Internacional do Trabalho (OIT), estima que 21 milhões de pessoas são trabalhadores forçados que geram mais de US$ 150 bilhões em lucros para empresas a cada ano. “No curto prazo, as empresas geram lucros mantendo suas margens altas, ou seja, minimizando os custos de insumos como mão de obra.

O relatório lembra que as mulheres e meninas são as mais prejudicadas, uma vez que a probabilidade de trabalharem em empregos precários e de baixa remuneração é maior.

A diretora da Oxfam também cita o “supercapitalismo” dos acionistas como um dos fatores que favorecem a desigualdade. “Hoje, os acionistas de grandes empresas recebem até 70% dos lucros. Você não está reinvestindo na produção, está apenas pagando os acionistas.”

O estudo complementa:

Essa tendência não seria tão preocupante se todos nós fôssemos acionistas que compartilham os retornos de empresas prósperas. Para que uma pessoa tenha ações, no entanto, ela precisa, em primeiro lugar, ter capital para investir e, por essa razão, a maioria das ações é detida por indivíduos ricos e investidores institucionais.”

O que pode ser feito?

Segundo Maia, o objetivo do estudo é desvelar a realidade e, com isso, ajudar a implementar mudanças que sejam benéficas à sociedade. “O que nós queremos é dizer que a desigualdade extrema no mundo é obscena. Não podemos continuar nesse caminho, e em uma tendência que não mostra um sinal de mudança.”

A Oxfam aponta dois atores fundamentais nessa mudança: os governos, que têm de colocar os 99% da população em primeiro lugar, e as empresas, que precisam pagar o que é devido (tributos) e assumir a responsabilidade em garantir gastos sociais para enfrentar a desigualdade.

Em cada 9 pessoas no mundo, uma vai dormir com fome e isso é inaceitável. É preciso respeitar os direitos trabalhistas, garantir o salário justo entre homens e mulheres e buscar avanços tecnológicos que beneficiem a todos, não que apenas aumentem ainda mais o lucro das empresas.”

Luiza Belloni, Brasil Post

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