Redação Pragmatismo
Política 31/Jan/2017 às 16:57 COMENTÁRIOS
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As cartas de José Dirceu sobre o sistema carcerário, a Globo e o delegado da Veja

Publicado em 31 Jan, 2017 às 16h57

Em cartas enviadas a escritor, José Dirceu fala do sistema carcerário, de José Serra, do governo Temer, da Rede Globo e do delegado das páginas amarelas da Veja. O ex-ministro está preso em Curitiba desde 2015. Leia as cartas na íntegra

José Dirceu Lula cartas
José Dirceu, ex-ministro da Casa Civil

José Dirceu escreveu recentemente uma carta ao escritor Fernando Morais, que edita o site Nocaute, em que critica as ações do governo Michel Temer no enfrentamento à crise do sistema penitenciário.

Na carta, Dirceu ressalta que falta de tudo nas penitenciárias, de agentes a recursos para custeio e reformas.

“O governo reage propondo construir novos presídios e aumentar penas! Mas foi isso que fez nos últimos 30 anos o Congresso Nacional, pressionado, obrigado pela mídia, MPF, bancada da bala e programas de TV sensacionalistas! O próprio não-indulto de Temer no Natal é a prova mais cabal desse erro”, escreve.

Desde o início do ano, mais de 130 presos morreram em confrontos de facções dentro de unidades prisionais no país. O governo federal criou uma comissão para discutir a reforma do sistema prisional e anunciou a liberação de recursos, da Força Nacional e das Forças Armadas para ajudar os estados a enfrentarem a crise.

Em seu texto, o ex-ministro da Casa Civil também critica o tratamento dispensado por veículos de comunicação ao ministro das Relações Exteriores, José Serra (PSDB), e ao seu partido na Lava Jato.

“Tudo “legal” ou legalizado, como a remessa ilegal de R$ 23 milhões para a Suíça, já devidamente expatriada legalmente. A própria Odebrecht deixa claro que não foi propina. A que ponto chegamos”, ironiza, em referência às citações feitas por dois delatores da Odebrecht sobre repasses no exterior para a campanha presidencial do tucano em 2010.

Leia a íntegra da carta de Dirceu a Fernando Morais:

Cartas de Curitiba – III

Prezados,

Quem diria que em apenas nove dias 2017 nos apresentaria o cenário – retrato do país e do governo – que estamos vivendo.

Começando pela farsa veiculada pela Globo no Fantástico sobre a doação, lógico, “legal”, de uma propina da Odebrecht para a campanha tucana de 2010 do Serra. Tudo “legal” ou legalizado, como a remessa ilegal de R$ 23 milhões para a Suíça, já devidamente expatriada legalmente. A própria Odebrecht deixa claro que não foi propina. A que ponto chegamos.

A explosão ou implosão no sistema penitenciário e a verdadeira face do governo com a declaração do Secretário Nacional da Juventude, Bruno Júlio!

O governo reage propondo construir novos presídios e aumentar penas!!! Mas foi isso que fez nos últimos 30 anos o Congresso Nacional, pressionado, obrigado pela mídia, MPF, bancada da bala e programas de TV sensacionalistas!! O próprio não-indulto de Temer no Natal é a prova mais cabal desse erro.

Basta olhar o equipamento, uniforme, veículos, de última geração, especialmente as armas e meios de comunicação e locomoção da PF, PRF, COES, ROTAS, ROCAS, RONE etc. etc. para ver o erro, comparando com o sistema penitenciário e as péssimas, degradantes condições físicas e humanas dos presídios.

Onde tudo está errado: regime prisional e corretivo, só degradação e silêncio, crime organizado e corrupção, começando no Judiciário acabando na Execução Penal, onde a lei raramente é cumprida, 36% dos presos, ou 41%, são provisórios!

Quando o mundo, todo o mundo, até os USA, caminha para substituir a pena de prisão para alternativas e pecuniárias, aumentar a progressão por trabalho, estudo e bom comportamento, separação e segregação dos condenados por antecedentes e crimes. Aqui queremos aumentar penas, punir os presos e não recuperá-los para o convívio social.

Presídios sem trabalho e escolas e sem progressão penal, aumentos de penas e prisão como punição já sabemos como acaba: massacres, fugas, venda e tráfico de drogas, crime organizado dirigindo as cadeias, destruição permanente do já sucateado sistema penitenciário.

Quantas cadeias e penitenciárias sobrariam numa fiscalização mínima de condições legais, de segurança e humana? Pouquíssimas.

Onde estão as colônias agrícolas e industriais, os Centros de Progressão Penal, os de Detenção Provisória?

É hora de mudar radicalmente, erradicar as cadeias, reconstruí-las sob novas bases e cumprir a lei de progressão, acabar com as prisões provisórias e as preventivas ilegais e abusivas.

Pôr fim ao caráter de justiçamento e perseguição e punição física e mental que está se transformando nosso sistema penal.

*Falta de tudo nas penitenciarias, de agentes a recursos para custeio e reformas.”

Depois da divulgação da carta acima, Dirceu enviou outro texto para Fernando Morais, intitulado ‘Cartas de Curitiba IV’, em que trata da entrevista concedida à revista Veja pelo delegado Maurício Moscardi Grillo.

Leia a íntegra abaixo.

“Cartas de Curitiba IV

Em entrevista às Páginas Amarelas da revista Veja (edição 2513, de 18/01/17), o delegado Mauricio Moscardi Grillo fez, na prática, uma grave denúncia sobre a Lava Jato. Sob a capa de uma entrevista para falar de Lula e de sua ilegal, abusiva condução coercitiva – que ele desconhece – deita falação sobre o erro do local de condução de Lula, passa por cima do abuso de autoridade e ainda lamenta que “perdemos o timming” para, anotem, a prisão preventiva de Lula.

Nas entrelinhas, o culpado: o ministro Teori Zavascki, que avocou para o STF tudo… referente a ele (Lula). Nem uma palavra sobre outro abuso de autoridade, gravíssimo, sobre a divulgação de um telefonema da Presidente da República com Lula (ex-presidente), da quebra de sigilo pelo juiz Moro, restaurado em boa hora pelo ministro relator. Que, ao contrário do delegado, advertiu o juiz Moro. Em qualquer país ele seria afastado do processo.

O verdadeiro objetivo do delegado não era Lula e nem mesmo a Lava Jato. Era o MPF – que excluiu a PF da delação da Odebrecht -, e, mais do que isso a PGR, que proibiu a PF de participar, como ele mesmo admite! O motivo? Riscos de vazamentos. O anexo vazou, lembra o delegado, causando “enormes prejuízos às investigações, ficamos desapontados.”

Podemos concluir que o vazamento então é de responsabilidade do MPF. Mais especificamente da PGR. O delegado não afirma, nos dá um caminho, diz “…e se alguém proibisse o MP de participar de uma colaboração feita pela Polícia…”. O grave vem em seguida: respondendo a pergunta da revista, sobre se ele vê ”problema nas delações feitas só com o MP”, o delegado não vacila e desqualifica totalmente o MPF. Diz que “preocupa muito a metodologia empregada em algumas colaborações, temos que evitar colaborações que pareçam ter caráter político”, e pergunta: “…se todos os criminosos fizerem colaboração [delação] quem ficará preso…?”

Perguntado se “há colaborações de caráter meramente político”, o delegado não vacila e dá nome aos bois: “As delações do ex-diretor da Transpetro, Sérgio Machado, do ex-senador Delcídio Amaral e do Nestor Cerveró me parecem exemplos de delações sem embasamentos jurídicos sustentáveis.” Para depois afirmar que [tais delações], encaminhadas à PF eram imprestáveis, não havendo nelas elementos indicadores de prática de crime e mais: muito do que consta nessas três delações não passa de disse-me-disse. O delegado prossegue: “há uma personificação de parte de alguns procuradores como heróis na força tarefa” e que é “um erro (…) nomeá-los representantes da operação.”

Moscardi Grillo toma fôlego, faz autocrítica por ter processado um blog que o acusava de ter privilégios na PF, mas logo volta à carga: defende a autonomia da PF, critica a hipótese de mudança do Diretor Geral da PF (“isso atingiria em cheio a coordenação da operação…”); autonomia que ele prioriza como “total” (”…não há como um ministro da Justiça interferir numa investigação policial”). Salvo, digo eu, nos casos do Alexandre Moraes anunciar antecipadamente as operações, como ficou provado na prisão do Palocci.

Os brios do delegado ao defender a autonomia da PF são puro corporativismo e escondem verdades: a PF perdeu sua função constitucional de Polícia Judiciária da União quando o STF autorizou o MPF a investigar; converteu-se em polícia do MPF sem autonomia, sem protestar com ênfase junto à atual cúpula da PF, abandonou a corporação na luta por sua mais importante conquista na Constituinte: ser a Polícia Judiciária da União e o MP o fiscal da lei, a acusação, no máximo com poder de controle externo da Polícia e portanto do MP.

A partir da decisão do STF, o MPF investiga, acusa, denuncia… Só falta julgar – o que hoje, com o apoio da mídia, já acontece, dado o temor de inúmeros juízes de decidir contra pedido do MPF.

O delegado falou que não há interferência nas operações mesmo se elas são de conhecimento prévio da mídia – as organizações Globo à frente –, se há vazamentos seletivos, se o sigilo é violado, se os investigados são pressionados a delatar. Um escárnio.

Não há interferência maior em um processo que a violação da presunção de inocência, do devido processo legal, do contraditório, do direito de responder em liberdade. Interferência para o delegado é o ministro Eugenio Aragão coibir e exigir o fim das ilegalidades da (e na) operação…

No final patético, o delegado nega a afirmação da própria revista de que “delegados (…) foram flagrados na rua em atos políticos da direita”, o que dá uma medida do tamanho da farsa de que ele participa e coordena pela PF.

Melhor para o delegado Grillo seria que ele apoiasse a demanda dos agentes e demais funcionários – cargos e funções – da PF pela progressão na função. Hoje 10% dos membros da PF (os delegados) controlam a Polícia e ainda querem autonomia e o poder de indicar o Diretor Geral numa lista tríplice.

A pergunta sem resposta é: a quem serve a autonomia e independência da PF, a partir da experiência do MP? A resposta é fácil: serve ao corporativismo, aos privilégios e regalias, à politização e partidarização da PF como foi no MP.

São lágrimas de crocodilo, a única e legítima luta da PF é a reconquista de seu papel e lugar na Constituição e no Estado de Polícia Judiciária da União, função usurpada e sequestrada pelo MPF/PGR sob os auspícios da Suprema Corte.

Hoje por hoje a PF é a carcereira do MPF e capitão-do-mato do Judiciário. Eis a verdade que não cala.”

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