Lucien de Campos
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Política Externa 06/Out/2016 às 11:21 COMENTÁRIOS
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Conheça António Guterres, o novo Secretário-Geral da ONU

Lucien de Campos Lucien de Campos
Publicado em 06 Out, 2016 às 11h21
António Guterres secretário geral ONU
António Manuel de Oliveira Guterres, engenheiro e político português (reprodução)

Lucien de Campos*, Pragmatismo Político

O português António Guterres será o próximo Secretário-Geral das Nações Unidas, aquele tido como o cargo mais difícil do mundo.

A agência de notícias Reuters confirma a vitória de Guterres na sexta votação informal do Conselho de Segurança das Nações Unidas para a eleição do novo Secretário-Geral. Após ter vencido as outras cinco votações anteriores, Guterres teve 13 votos de “encorajamento” e 2 votos de “sem opinião”. Ou seja, não recebeu nenhum voto de “desencorajamento” dos 15 Estados-membros do Conselho de Segurança.

Para que seja formalmente reconhecido como Secretário-Geral, o português precisa receber a aceitação de sua candidatura em votação adotada de uma resolução final na Assembleia Geral das Nações Unidas, órgão constituído por todos os 193 países membros. No entanto, tudo indica que Guterres irá suceder Ban Ki-moon no cargo de chefia desta que se configura como a maior e mais importante Organização Intergovernamental do mundo. Até mesmo a búlgara Kristalina Georgieva, principal adversária de Guterres e apoiada por Angela Merkel, já o felicitou pela vitória na última votação informal.

Primeiro-ministro de Portugal entre 1995 e 2002 pelo Partido Socialista, António Guterres também foi Alto-Comissário do ACNUR, principal órgão das Nações Unidas de proteção aos refugiados. Como Alto-Comissário do ACNUR, Guterres enfrentou com competência o início de uma era marcada por falhas no regime de proteção para com as vítimas de guerra, com o agravamento dos fluxos de migrações forçadas em regiões vulneráveis aos contextos de crise, sobretudo no Oriente Médio e África. Entre 2005 e 2015, António Guterres não mediu esforços para chamar atenção da comunidade internacional das consequências provocadas pela violência humana, apelando pelo necessário reforço de um compromisso global respaldado por valores humanitários de proteção humana. Por vezes, esteve acompanhado por Angelina Jolie, Embaixadora da Boa Vontade para o ACNUR. Para atrair um maior teor midiático através de um ‘marketing humanitário’, Jolie e Guterres viajaram pelo mundo para sensibilizarem a sociedade global perante os dramas humanitários situados em populações que sofrem da guerra e da força da natureza.

No tocante ao cargo de Secretário-Geral, no artigo publicado em janeiro deste ano, titulado como “O trabalho mais impossível do mundo”, a professora Mónica Ferro esclarece que “encabeçando uma estrutura com cerca de 43 mil funcionários por todo o mundo, o secretário-geral é o verdadeiro dinamizador do trabalho da ONU e é mesmo ele quem chefia as missões de paz da Organização. O seu poder diplomático, de negociador e de mediador faz dele, e da ONU, uma fonte de legitimidade internacional e o facilitador honesto de eventos como as grandes cimeiras climáticas, os inúmeros acordos de paz e cessar-fogo, passando pela crucial agenda de desenvolvimento. Tudo isto é feito pela ONU ou sob a sua égide, e o secretário-geral é o rosto que conhecemos”.

Desde sua criação em 1945, de acordo com a conivência dos 15 membros do Conselho de Segurança e com o poder de veto dos seus cinco membros permanentes (China, Estados Unidos, França, Reino Unido e Rússia), as Nações Unidas escolhe o seu Secretário-Geral para assumir o mandato de cinco anos diante da possibilidade de reeleição. Aliás, somente uma vez na história desta Organização que o Secretário-Geral não assumiu o segundo mandato. Foi em 1996, quando os Estados Unidos vetou a reeleição do egípcio Boutros-Boutros Ghali.

Graças a uma sólida diplomacia, António Guterres parece não desencorajar as cinco potências do Conselho de Segurança da ONU para assumir o cargo mais complexo do mundo. Como resultado, é mediante do debate assente na reforma deste órgão que Guterres terá a missão de levar adiante ou estagnar.

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O Conselho de Segurança com apenas cinco membros permanentes já não representa a realidade atual do sistema internacional. Reflexo dos anos 1940, o Conselho retrata o contexto do final da Segunda Guerra Mundial, onde as cinco principais potências mundiais consolidaram um concerto diplomático no seio da recém-criada ONU, designando a condição do poder de veto diante das questões políticas debatidas neste órgão em particular.

Nos últimos anos tem-se intensificado o debate da reforma do Conselho de Segurança, com o Brasil figurando como um dos protagonistas deste discurso, juntamente com a Alemanha, o Japão e a Índia.

Embora o atual Ministro das Relações Exteriores do Brasil, o excelentíssimo “chanceler decorativo” José Serra, ter afirmado que a reforma do Conselho era “briga de gente grande”, a diplomacia brasileira seguirá atuando no reforço desta ideia, sobretudo na ampliação dos membros permanentes refletida na emergência de novas potências regionais, buscando incorporá-la no centro do debate da ONU durante o mandato de António Guterres.

Voltando à árdua missão de Guterres, o novo Secretário-Geral terá que lidar com um mundo cada vez mais desequilibrado por conta das agressões e da intensificação das tensões no mundo árabe, no Leste Europeu, na África e no Mar da China, onde se prevalece um cenário internacional marcado por ações unilaterais e por interesses disfarçados de ação ética.

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Nesse sentido, não há hipóteses para se discordar da professora Mónica Ferro quando afirmou que “é esta a encruzilhada a que a ONU chega hoje: mais do que escolher um general ou um secretário, homem ou mulher, um europeu ou alguém de outras paragens, o que importa é que se perceba que o trabalho mais impossível do mundo precisa de alguém com visão e capacidade de ação, alguém para quem, mesmo sendo impossível, este seja o melhor trabalho do mundo. António Guterres saberá fazê-lo melhor do que ninguém”.

*Lucien de Campos é pós-graduado em Crise e Ação Humanitária pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa e mestrando em Diplomacia e Relações Internacionais pela Universidade Lusófona de Lisboa e colaborador em Pragmatismo Político

Referência:

http://www.dn.pt/opiniao/opiniao-dn/convidados/interior/o-trabalho-mais-impossivel-do-mundo-4999001.html

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