Jonathas Carvalho
Colaborador(a)
Política 20/Mar/2015 às 13:05 COMENTÁRIOS
Política

Percepções sobre os manifestos de 15/03/15

Jonathas Carvalho Jonathas Carvalho
Publicado em 20 Mar, 2015 às 13h05
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Percepções sobre os manifestos 2015 (Imagem: Pragmatismo Político)

Jonathas Carvalho, Pragmatismo Político

Vivemos, no Brasil e no mundo, tempos em que a pluralidade de pensamentos, ideias e ações trazem a tona procedimentos diversos de interpretação da realidade. No entanto, esta pluralidade, seja ligada a questão político-econômica, ambiental ou humana permite uma série de subsídios para compreender a realidade que nos cerca. Os manifestos de 15/03/15 atestam que a pluralidade em que vivemos está situada no âmbito da confrontação de forças político-ideológicas (sejam partidárias ou não) em detrimento da construção de uma política mais dialógica que contemple todos os setores da sociedade para os rumos da nação. Por isso qualquer manifestação consistente e continuada precisa minimamente compreender as seguintes indagações:

a) quem são os idealizadores e apoiadores do movimento?

b) quais os princípios/propósitos/reivindicações que norteiam o movimento?

c) quais propostas alternativas pelo movimento para concretizar as reivindicações?

d) de quais maneiras o movimento aceita dialogar com os órgãos competentes no sentido de expor suas pautas e receber pronta resposta?

Respeitando a densidade de cada pergunta é pertinente respondê-las com a relevância que apresentam, pois se configura em uma forma processual de compreender a construção de um movimento cívico considerado suprapartidário e não midiático, embora não possamos desconsiderar a influência de ambos nas ações do movimento.

Com relação à primeira pergunta os principais idealizadores (há outros grupos e indivíduos que também representam o movimento) do manifesto são: o Movimento Brasil Livre (MBL), o Vem pra Rua e o Revoltados On Line. O primeiro é um movimento mais reacionário proposto, em sua maioria, por jovens entre 20 e 30 anos e o segundo é mais moderado composto por empresários. O terceiro grupo pode ser considerado o mais reacionário de todos, sendo composto por civis (blogueiros, empresários, advogado, entre outros).

A segunda pergunta é um desdobramento da primeira e sugere que o MBL é um movimento neoliberal que tem como um dos principais propósitos o impeachment da presidente Dilma, além dos aspectos apresentados em seu site: IMPRENSA LIVRE E INDEPENDENTE, sem verbas ou regulamentações governamentais que influenciem seus posicionamentos; LIBERDADE ECONÔMICA, um mercado livre de regulações abusivas e impostos escorchantes; SEPARAÇÃO DE PODERES, instituições independentes, livres da ingerência sufocante de partidos totalitários; ELEIÇÕES LIVRES E IDÔNEAS, um processo eleitoral transparente e livre coerções partidárias; FIM DOS SUBSÍDIOS DIREITOS E INDIRETOS A DITADURAS, tributos cobrados do povo brasileiro devem ser investidos no Brasil. Já o Vem pra Rua declara ser contra qualquer tipo de violência condenando qualquer tipo de extremismo (separatismo, intervenção militar, golpe de Estado) e não compactuando com governos autoritários, mas destaca a insatisfação com a atual gestão do Governo Federal tendo como propósito, conforme destacam em seu site “[…] através da informação instigar o povo Brasileiro a ir pra rua em busca de um país melhor” registrando insatisfação com a corrupção no país. O Revoltados On Line constitui um movimento mais reducionista de caráter político, empresarial e comercial, porém, mais radical com pretensão propositada no impeachment do governo Dilma e um flerte mais próximo com a Ditadura Militar, estabelecendo, inclusive, uma espécie de luta (governo do PT representado por Lula e Dilma).

A terceira pergunta permite afirmar que os movimentos idealizadores não têm propostas alternativas no sentido de dialogar com o Governo, mas se mostram contrários à política de gestão executiva do PT, em especial, no que tange a parcerias multilaterais com governos como Cuba e Venezuela proposta de regulamentação da mídia e um mercado livre de regulações (caso do MBL), a exigência cabal do impeachment da presidente Dilma (Revoltados On Line) e um país mais transparente e contra a corrupção (Vem pra Rua).

A última pergunta talvez seja a mais preocupante, pois a presidente Dilma declarou a necessidade de dialogar com humildade e firmeza com os movimentos, bem como definiu na campanha de 2014 que uma das principais marcas de seu segundo governo seria o diálogo. Porém, vale registrar que há um distanciamento entre discurso e prática, visto que o diálogo não tem sido marca no início deste governo. Já os grupos idealizadores dos manifestos de 15/03/15 se mostram mais renitentes em dialogar com o Governo, visto que o movimento em si já é uma clara demonstração de insatisfação com a conduta do governo e exigência de mudanças no campo político-econômico (baixa da inflação, diminuição de impostos, etc.).

Diante da compreensão intencional dos manifestos a percepção sobre os atos de 15/03 pode ser vista por múltiplos contextos.

O primeiro é que, de fato, se trata de um movimento elitista. O elitismo aqui tem várias conotações: movimento organizado por setores empresariais e neoliberais da sociedade (mais convencional); movimento que se mostra parcialmente resistente à ascensão de políticas sociais como familiar, habitação e educacional que valorizam processos de distribuição de renda e mais oportunidades a setores sociais que foram historicamente marginalizados; movimento resistente à democratização dos meios de comunicação; movimento que, embora centralize a luta contra a corrupção, não prioriza a luta por reformas que satisfaçam necessidades do contexto majoritário da sociedade; e movimento que prioriza o enxugamento da máquina estatal através de privatizações de suas principais empresas/organizações.

O segundo é que os manifestos revelam o que posso chamar de diversidade na unidade, pois são percepções diversas de grupos cívicos, mas com a finalidade principal de desgastar ou exigir o impedimento da presidente da república, sem atentar de forma mais ampla e precisa sobre os processos históricos de corrupção no Brasil e a premência de reformas para melhoria do país como a política e a tributária.

A diversidade na unidade é visível em manifestações, tais como: “Fora Dilma” que se configura no discurso do sabemos o que NÃO queremos, mas NÃO sabemos o que queremos. Em tese, não há um mal grande em contestar a gestão presidencial. O mal é não saber o real motivo pelo qual a saída de Dilma é mais viável e o que pode ser feito após sua saída; “Intervenção Militar” que sustenta o teor mais contraditório do manifesto, uma vez que qualquer ação que se intitule democrática, mas que tem uma finalidade ditatorial é, por essência, antidemocrática; rechace a qualquer símbolo ligado ao PT ou a práticas vinculadas a esquerda como as metodologias educacionais construídas pelo educador Paulo Freire que afrontam o legado de um dos maiores intelectuais da história do Brasil com reconhecido caráter de atuação internacional.

O terceiro é relativo à tendenciosidade de parte da grande mídia na cobertura dos manifestos. Diante de um movimento de efervescência política, houve uma grande oportunidade da mídia em discutir sobre os rumos e as reformas que o país precisa para amadurecer democraticamente. Mas a cobertura ficou reduzida a insatisfação do movimento contra a corrupção no governo Dilma. Inegavelmente a corrupção é um mal enraizado desde “a infância do Brasil” e precisa ser tratado como processo histórico. Por exemplo, o caso de corrupção Petrobrás, divulgado apenas nos anos mais recentes, tem sua concepção alargada ainda no governo Fernando Henrique assinado em 1998, que isenta a Petrobras no cumprimento da Lei 8.666/1993 (Lei de Licitações) em que a estatal é desobrigada a cumprir todos os requisitos previstos na lei de licitação através do estabelecimento de concorrência por meio de convite a empresas sem aplicar todos os limites de preços definidos pela legislação.

Quando a grande mídia se furta em discutir sobre corrupção no Brasil e dispensa a perspectiva de dialogar sobre medidas políticas, institucionais e jurisdicionais (por exemplo, a reforma política) para erradicação da corrupção, presta um desserviço à nação mediocrizando o valor moral da informação que produz e emite ao seu público. Reduzir todos os problemas do erário público a corrupção no governo Dilma é praticar proselitismo político com a pretensão concreta de desgastar ou impedir uma presidente de gerenciar o país e não de auxiliar na resolução dos problemas de corrupção no Brasil.

O quarto está ligado à ideia de que o combate à corrupção tem que ser vinculado a todos os poderes e não somente ao Executivo. A amplíssima maioria do movimento de 15/03 foi focalizada na gestão de Dilma, mas esqueceu que grande parte da corrupção também reside no Legislativo, Judiciário e Midiático, conforme revela os escândalos das mais de 8600 contas no HSBC que pode se constituir como um dos maiores escândalos já conhecidos na história global e possui nomes do meio político, empresarial e midiático. O papel da mídia e da sociedade civil é avaliar os diversos poderes, suas relações e independências e cobrar as reformas necessárias e não simplesmente cobrar por conveniência ideológica. Neste caso, o movimento de 15/03 foi importante porque despertou reflexões sobre a realidade política do Brasil, mas foi reducionista pelo fato de não reconhecer a corrupção no Brasil como mal histórico e descentralizado.

O quinto tem ligação direta com a conduta do governo Dilma. Por mais que o movimento de 15/03 possua seus reducionismos é relevante para compreender sobre qual projeto de governo ainda é estabelecido pelo PT. Há dois graves problemas mal gerenciados no governo Dilma: o primeiro é de comunicação, já que falta diálogo do governo com os diversos movimentos e setores sociais. Sem o diálogo continuado ampliam-se as possibilidades de confrontação de forças com a sociedade civil respaldada, em especial, por setores reacionários da grande mídia e da elite financeira do Brasil e até internacional; o segundo é de identidade, pois, ao longo dos 12 anos inegavelmente o PT vem perdendo sua identidade reguladora de ação política e moral. Sem a recuperação de sua identidade política, o PT se distancia dos movimentos que o apoiaram e aprofunda ainda mais a rejeição dos movimentos de oposição que veem no enfraquecimento identitário do PT, novas possibilidades de assumir o poder.

Neste sentido, os movimentos de 15/03 também representam uma forte escalada da oposição mais à direita em aproveitar o desgaste do governo, mas não com o objetivo de extirpar a corrupção e sim de reassumir os rumos da nação mediante uma política pautada na falta de investigação à corrupção e privatizações.

O grande legado dos manifestos de 15/03 é que há uma insatisfação significativa com o governo Dilma, mas não há preceitos para um impeachment, de modo que nenhum governo pode ser desgastado ou impedido por indícios, como parte do manifesto e da grande mídia querem pontuar que Dilma é responsável pelos atos de corrupção. Essa insatisfação revela que há uma grande confrontação política e pragmática de forças entre três grandes grupos nacionais: o governo (que se mostra mais isolado e indisposto ao diálogo), manifestantes civis, grande mídia, elite empresarial/banqueira/industrial e partidos de oposição mais identificados com as bandeiras históricas da direita e movimentos sociais/partidos de oposição mais identificados com a bandeira da esquerda que buscam construir uma identidade de projeto que conforme Manuel Castells significa a ação dos atores sociais, utilizando-se de qualquer tipo de material cultural ao seu alcance, constroem uma nova identidade capaz de redefinir sua posição na sociedade.

Portanto, a luta mais consistente no Brasil é aquela pautada na construção e implementação de reformas para um futuro mais justo. Isso significa que reformas como a política, a tributária, judiciária, educacional e a regulação da mídia não devem ser partidárias, mas situadas na promoção da justiça social. O Brasil clama por reformas e quaisquer movimentos que não centralizem em sua luta a construção dialogada das reformas podem desvirtuar a compreensão e resolução dos venais problemas que nos assolam.

*Jonathas Carvalho é professor da Universidade Federal do Cariri (UFCA), doutor em Ciência da Informação pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e colaborou para Pragmatismo Político

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