Parto de Lótus oferece 'transição suave' para bebês
Um crescente número de mulheres vem adotando uma forma diferente de dar à luz, em que o contato do bebê com a placenta é preservado por alguns dias após o nascimento: o parto de lótus.
Muitas das mães que optaram pela nova alternativa acreditam que a manutenção da ligação à placenta traz benefícios espirituais aos bebês.
Na prática, a placenta, expelida pela mãe após o nascimento, permanece ligada ao recém-nascido através do cordão até que este se solte sozinho, naturalmente.
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Para críticos, entretanto, manter a placenta por dias pode causar sérias infecções no bebê.
Experiência diferente
A britânica Holly Lyne tem 31 anos e é escritora. Há dois anos, grávida de seu segundo filho, ela optou pelo parto de lótus.
“O meu primeiro parto foi muito traumático. E durante a segunda gravidez eu estava determinada a ter uma experiência diferente”, disse Lyne.
“Eu fiz várias pequisas durante a gravidez e o parto de lótus me pareceu uma transição suave para o bebê, do útero para o mundo exterior.”
Diferente da maioria das mulheres que optam pela alternativa, Lyne não teve um parto normal ou natural (sem anestesia).
Depois de horas em trabalho de parto em casa, acompanhada da parteira Debbie Rodhes, Lyne precisou ser levada ao hospital e submetida à uma cesariana de emergência.
Ela lembra que quando chegou no hospital e apresentou seu birth plan (plano de nascimento, em tradução livre) – um protocolo comum na Grã-Bretanha, em que mãe explica exatamente como deseja o parto – houve uma certa resistência por parte dos médicos em relação a escolha pelo parto de lótus.
“No início eles ficaram relutantes pois não sabiam como proceder. Mas a Debbie estava lá para me dar apoio e explicar passo a passo o que deveria ser feito.”
Apesar de ter sido submetida à uma cirurgia, Lyne deixou o hospital no dia seguinte, e foi pra casa acompanhada de Alfie e sua placenta.
Rodhes disse que nos últimos 9 anos, dos 260 partos que assistiu, 25 foram feitos seguindo a técnica do parto de lótus.
Polêmica
O parto de lótus causou polêmica recente no país quando obstetras expressaram grande preocupação em relação à prática, dizendo que deixar o cordão umbilical no recém-nascido por cerca de sete dias – o tempo médio que demora para o cordão se soltar – pode resultar em infecções sérias para o bebê.
“Nós estamos conscientes que muitas mulheres estão optando por não cortar o cordão umbilical, e isso é algo que nós não aconselhamos”, disse o obstetra Patrick O’Brian, porta-voz do Royal College of Obstetricians and Gynaecologists (RCOG).
No entanto, não existem números ou estudos publicados que possam ser usados para justificar ou condenar a prática.
“O número de pessoas que optam pelo parto de lótus é pequeno, e por isso eu não conheço nenhum caso de infecção. Mas o perigo está lá, pois logo após o parto a pulsação é interrompida e a placenta permanece cheia de sangue, um ambiente favorável ao desenvolvimento de infecções”, disse o obstetra.
‘Benefício espiritual’
Em um comunicado, a RCOG afirma que, “pela inexistência de pesquisa sobre a técnica de lótus (nova na Grã-Bretanha) não há nenhuma prova médica de que a manutenção da placenta traga algum benefício aos recém-nascidos”.
Debbie Rodhes, que há 9 anos trabalha como parteira independente — e há três e meio também optou pelo parto de lótus — concorda que não existem benefícios fisiológicos em manter a ligação umbilical do bebê, uma vez que a transferência de sangue da circulação placentária para a circulação fetal é interrompida cerca de 3 a 20 minutos após o parto.
Mas ela ressalta o viés espiritual do parto de lótus. “Aqueles que optam por esse tipo de parto acreditam ser uma forma de não interferência, e não separar a placenta do bebê de forma artificial”, explicou Rodhes.
“É algo espiritual deixar a separação acontecer naturalmente.”
Enquanto a origem exata do parto de lótus seja desconhecida, sabe-se que a técnica atual foi introduzida nos anos 1980 por praticantes de ioga que exploravam os benefícios do parto natural.
Os iogues deram à prática o nome de parto de lótus fazendo uma ligação entre a função vital da placenta durante a gestação à relevância que a flor de lótus tem nas religiões budista e hindu.
Cuidado e separação
Lyne acredita que seu filho gostava de ter a placenta ligada à ele. “Ele brincava com o cordão, da mesma forma que fazia dentro do útero.”
Lyne e Rodhes explicam que além de manter a área ao redor do umbigo limpa e seca enquanto o cordão não é separado, da mesma forma que é feito quando o cordão é cortado, é preciso também manter a placenta limpa.
Lyne conta que Rodhes limpou sua placenta no hospital, mas que dois dias depois, já em casa, ela começou a ficar com um cheiro ruim.
“Nós usamos uma combinação de água morna e sal. A água deve ser morna, porque água fria pode mandar um choque térmico pelo cordão para o bebê”, lembra Lyne.
“Nós afundamos a placenta dentro d’água, secamos com papel toalha e depois de seca, embrulhamos ela de volta em uma fralda de pano.”
No quarto dia após o parto, o cordão de Alfie caiu. No caso do filho de Rodhes, a separação ocorreu depois de 3 dias.
O que fazer com a placenta depois da separação?
“A minha ainda está no freezer! Quero enterrá-la no meu jardim, mas preciso comprar uma planta”, disse Rodhes.
Outra briga
O parto de lótus não é novidade, e, segundo Rodhes, “sempre existiu, a diferença é que hoje a prática é mais discutida como uma opção para as mães”, como tem ocorrido na Grã-Bretanha.
Já no Brasil, segundo a ginecologista e obstetra Ana Fialho, a briga ainda é outra.
“Aqui o cordão é cortado imediatamente após o nascimento, mesmo já estando bem estabelecido pela ciência que aguardar pelo menos 3 minutos entre o nascimento e a separação do recém-nascido da placenta diminui a taxa de anemia desses bebês com um ano de idade.”
Sobre recomendar ou não o parto de lótus para suas pacientes, Fialho diz que não considera responsável condenar ou estimular qualquer prática sem antes estudá-la e conhecer suas consequências.
“No caso de uma família optar pelo parto de lótus, cabe ao profissional de saúde orientar como manter a placenta sob cuidados de higiene e sobre os sinais de infecção, para que o tratamento seja feito assim que necessário”, ela disse.
Apesar de discordar da prática, O’Brian concorda que a decisão final é da mãe.
“O meu conselho é não fazer, e vou ressaltar todas as coisas que podem acontecer, principalmente uma infecção muito séria.”