Site oferece “esposa ideal por uma hora” para serviços domésticos na Rússia
Site russo oferece “esposa ideal por uma hora” para serviços domésticos. Serviço é cada vez mais popular em Moscou e traz à tona discussão sobre machismo na sociedade do país
“Esposa ideal – por uma hora”. A propaganda é direta e, aparentemente, efetiva. Uma empresa russa aluga esposas por uma hora. Porém, engana-se quem pensa que estão sendo oferecidos serviços sexuais. A “mulher por uma hora” executa “todos os serviços de limpeza – desde a faxina rotineira até limpezas químicas mais complexas”. Por 800 rublos (R$ 55), é possível contratar a “esposa básica”.
O serviço é cada vez mais popular em Moscou e pouca gente parece estar atenta ao caráter machista da propaganda. “Seria ótimo ter uma esposa somente por uma hora. Ela vem, limpa e, depois, vai embora, sem falar muito”, conta entre gargalhadas Anton Mizunov, advogado de 25 anos. “Eu conheço o serviço e esta seria a esposa perfeita. Melhor do que nossa mãe”, completa o colega de trabalho Dmitry Kuchenik, da mesma idade.
Entre as mulheres, a propaganda também funciona. “A empresa não disse nenhuma mentira. Nossos homens (russos) acham que é dever da mulher manter a casa limpa”, explica Irina Kiseleva, chefa dos dois advogados. “Na verdade, nós mulheres (russas) também achamos que esta é nossa responsabilidade. A empresa só joga com isso”, completa. “Acho bem divertido e estou até pensando em criar a ‘Amante por uma hora’, pra que mulheres venham limpar a casa de homens casados também”, brinca Katya Dubrovna, amiga de Irina.
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O papel social do homem como chefe de família e da mulher como mãe e responsável pelo lar são ainda muito fortes na Rússia. A construção social de gênero no país é rígida (cada um tem sua função), mas, contraditoriamente, o empoderamento feminino é um fenômeno russo anterior à emancipação feminina no Ocidente.
“As mulheres russas foram forçadas a se transformar em feministas há muito tempo, sem mesmo lhe perguntarem se elas queriam. Ganhamos muitos direitos, ou, melhor, deveres”, relata Svetlana Kolchik, editora-chefe da Marie Claire Rússia. “Em 1910, logo após a Revolução, a igualdade de gênero foi colocada em prática. Como as guerras e repressões do governo soviético levaram muitas vidas masculinas, as mulheres começaram a lideram por um mero instinto de sobrevivência, não por vocação. Ficar em casa não era sequer uma opção”.
“Não sou feminista. Gosto de homens”
Entre a população russa, prevalece a ideia de que não existe discriminção de gênero no país, apesar de os dados de acesso a emprego, salário e violência contra a mulher demonstrarem o contrário. Segundo Elena Mezentseva, do Centro de Estudos de Gênero de Moscou, o salário das mulheres equivalia a 70% do masculino nos anos 80; na década de 90, 52%; nos anos 2000; 50%. Os dados de violência doméstica também não são otimistas: uma mulher é morta a cada 40 minutos no país vítima de violência.
Segundo Olga Voronina, doutora em filosofia e diretora do Centro de Estudos de Gênero de Moscou, foi criada na Rússia uma imagem negativa do feminismo, especialmente no fim da década de 80 e início dos anos 90. “A ideia do feminismo foi moldada como um movimento beligerante contra os homens, criado por mulheres que não eram bem sucedidas nas suas vidas privadas, não eram bonitas e, provalmente, eram lésbicas”. Voronina acredita que até hoje as mulheres são vistas como o sexo frágil e apenas reproduzem o estereótipo de papel social. “Quando uma mulher de sucesso dá uma entrevista, ela sempre diz que não é feminista. Além disso, ela tem que justificar o seu sucesso e enfatizar que, mesmo tendo êxito na carreira, sente prazer em passar as camisas do marido e cozinhar para as crianças”.
Durante o julgamento das integrantes do grupo punk feminista Pussy Riot, acusadas de vandalismo por um protesto anti-Putin em uma catedral de Moscou, em março de 2012, a advogada da Igreja Ortodoxa Russa, Elena Pavlova, foi categórica: “o feminismo é um pecado mortal”.
Svetlana vai além. “Queremos receber flores – no primeiro encontro, no segundo, no terceiro e sem nenhuma razão particular; não somente no Dia Internacional da Mulher, este bizarro feriado feminista”. Ela afirma não se importar de que todos os homens (não somente os namorados) retirem os casacos das mulheres, abram a porta, carreguem as bolsas e paguem o jantar. “Queremos ser mimadas. O que há de errado nisso?”
Sandro Fernandes, Opera Mundi