Jovem sai de casa e assume relacionamento com transgênero
Após assumir relação com transgênero, universitário de 20 anos teve de sair de casa, mas está feliz. "Meus amigos também se afastaram de mim (...) as pessoas precisam nos respeitar, porque amar não é crime"
De segunda a sexta-feira, ela acorda às 6h para ir ao trabalho. Diferentemente da maioria das mulheres, Bruna Marx não demora para se arrumar. Sem maquiagem, veste uma calça jeans e uma camiseta larga e, assim, com cara de J. Batista, dá expediente como servidor público. A transgênero, que prefere abreviar seu nome de batismo, começou a tomar, há um ano, hormônios para adotar características físicas femininas. A decisão, tomada com a ajuda do parceiro, Gustavo Benevides, foi difícil. Afinal, o preço pela realização desse sonho custa caro: o constrangimento de uma aposentadoria compulsória.
— Como não estou nem pretendo entrar na fila para mudança de sexo, para o Código Internacional de Doenças (CID-10), eu tenho transtorno de identidade de gênero, e, por este motivo, vou precisar me afastar do trabalho — explica Bruna, de 33 anos.
A falta de uma legislação específica para casos como o de Bruna deixa pessoas à margem do conceito de cidadania. Ela já está acostumada a enfrentar esse problema. Desde criança, quando ainda morava no Ceará com a família, ela é punida por ser diferente da maioria.
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— Eu devia ter uns 5 anos quando um coleguinha da escola me chamou de veadinho. Eu não tinha ideia do que significava isso. Cheguei em casa e perguntei para minha mãe o que era, e ela me deu uma surra. Foi a primeira vez que apanhei sem saber o motivo — lembra.
Ainda na infância, Bruna passou a entender que seu jeito de ser a fazia correr riscos, mesmo sem saber exatamente o porquê. Aos 14 anos, com mais discernimento, conseguiu enxergar que seu “problema” não teria a “solução” que todos queriam.
— As pessoas me cobravam para ser o que eu não era. Minha essência sempre foi feminina. Tive de me policiar muito até aparecer a primeira oportunidade de sair de casa. Se não fosse assim, eu seria expulsa pelos meus pais e teria de virar prostituta para comer. Agi com racionalidade para não prejudicar o meu futuro — conta Bruna.
Ela divide sua vida em duas etapas. A aprovação para o funcionalismo público, aos 17 anos, que a trouxe para o Rio de Janeiro, foi a primeira. A segunda começou há um ano, quando decidiu começar a tomar hormônios e assumir sua identidade feminina — com aplique de cabelo, salto alto e muitas bijuterias — fora do expediente de trabalho. Bruna afirma que haverá uma terceira, que estará relacionada ao seu momento pós-aposentadoria.
— Quando eu puder ser quem sou de verdade em horário integral, vou renascer para a vida. É só isso que falta para eu ser uma mulher completa — afirma Bruna.
Hoje, apoio é o que não lhe falta. Depois que assumiu para os pais o namoro com uma mulher que nasceu homem, o estudante de Educação Física Gustavo Benevides, de 20 anos, teve de sair de casa. Mas está feliz.
— Fui de mala e cuia para a casa dela porque não tinha para onde ir. Meus amigos também se afastaram de mim. Eu, que sempre fui um cara muito reservado, passei a ser uma das pessoas mais olhadas na rua por ter me casado com a Bruna. Mas disso eu não abro mão. Temos interesse de fazer parte de uma ONG que lute pelos direitos dos gays. Isso ainda não aconteceu, mas já fazemos uma militância diária. Andamos de mãos dadas nas ruas, no shopping. As pessoas têm que nos respeitar, porque amar não é crime. Bruna é tudo na minha vida, e, em qualquer coisa que faço hoje, levo em consideração a minha mulher. Deixei de fazer um intercâmbio em Portugal para ficar com ela — conta Benevides.
Para Bruna, que não acreditava que, um dia, fosse ter um relacionamento sério, Benevides é muito mais do que um grande companheiro.
— Ele é a minha estabilidade emocional. Quando sou atacada, mesmo que indiretamente, ele está sempre do meu lado para me amparar.
Adalberto Neto e Thalita Pessoa, O Globo