Obama está lendo seus e-mails; saiba como evitar
Criador do Pirate Bay ensina a driblar a espionagem digital dos EUA. Peter Sunde revela que desenvolve sistema de emails criptografado, com interface atraente para o usuário, e aponta riscos políticos e culturais da espionagem em massa
Patrick Mcguire, VICE
A conversa torta que vai e volta na internet na cobertura do caso Snowden tem focado mais no drama de espionagem vivido pelo cara do que nas implicações do que ele revelou. Por causa disso, tem sido difícil achar mais informações sobre como evitar que a NSA meta a cabecinha intrometida pela janela de sua sala de estar virtual.
Uma maneira de se proteger de programas como o PRISM é por meio da criptografia. Muita gente pode argumentar que não existe um cadeado no planeta que não possa ser quebrado, mas a criptografia acrescenta (no mínimo) outra barreira de segurança que deixará conversas mais difíceis de monitorar. Como boa parte do mundo ficou emputecida com a realidade da vigilância online, não é surpresa que muitas empresas que trafegam em serviços de comunicação criptografados tenham visto uma disparada de uso. O mecanismo de busca criptografado DuckDuckGo tem atingido números recordes de usuários depois do vazamento da história da NSA. Há ainda o Seecrypt, um aplicativo de mensagens e chamadas de voz criptografadas para iOS e Android. O próprio presidente da empresa disse que o uso do aplicativo “simplesmente explodiu” depois que o mundo descobriu o que a NSA estava aprontando. O criador do PGP (Pretty Good Privacy) até lançou seu próprio serviço de mensagens criptografadas chamado Silent Circle.
E temos também Peter Sunde, um dos fundadores do Pirate Bay. Juntamente com um designer de software e um programador, Peter está desenvolvendo o Heml.is (hemlis significa “segredo” em sueco), um serviço de mensagens “bonito e seguro” que busca colocar o poder da criptografia num pacote mais acessível aos usuários comuns. Depois da divulgação de informações de que a Microsoft estava cooperando com o NSA, o Heml.is levantou mais de $137.000 (cerca de R$304 mil) — 150% do objetivo.
Mandei um e-mail para o Peter com o intuito de discutir o projeto Heml.is, o porquê da necessidade da criptografia no mundo de hoje e qual o futuro da segurança das comunicações.
VICE: Quando você decidiu entrar de cabeça no Heml.is?
Peter Sunde: Depois dos vazamentos de informação sobre a NSA por Edward Snowden. Já falávamos sobre fazer algo novo e tínhamos ideias diferentes — uma delas era criar um tipo de sistema de mensagem. Quando a coisa toda da NSA vazou, sentimos que era exatamente disso que todo mundo precisava — até a gente!
Como as revelações de Edward Snowden mudaram seu entendimento da vigilância governamental em 2013?
Sunde: Não mudaram — esse é o problema. Isso só cimentou a estimativa que todos já tínhamos, que era muito pior do que as pessoas mais positivas esperavam.
Você acredita que há algum benefício no fato de o governo ser capaz de grampear as comunicações digitais?
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O que estaria por trás da “intromissão” dos EUA na compra dos caças suecos?
Sunde: Não. Nossos governos estão fazendo tudo errado. Eles precisam garantir que as pessoas não queiram cometer crimes, não grampear todo mundo para saber quem os comete. Se eles colocassem o mesmo esforço em coisas mais lógicas, como melhorar a educação, a saúde, o bem-estar social geral, isso sairia mais barato e produziria efeitos muito melhores contra o crime. O terrorismo se tornou uma desculpa para o governo fazer qualquer coisa, mas isso não afeta realmente os extremistas. Eles já evitam os grampos usando ferramentas simples. As únicas pessoas pegas na rede com esses grampos são as pessoas normais.
Como alguém que já passou por todos os rigores do sistema judiciário, há quanto tempo a vigilância é uma preocupação para você?
Sunde: Sempre foi! Quando alguém assiste ao que você faz, é possível mudar seu comportamento porque tem consciência disso. Na escola, eu odiava quando os professores assistiam ao que eu estava fazendo por cima do meu ombro, e acho que isso é parte da mesma coisa. Exijo minha privacidade.
Você vê a criptografia se tornar uma parte maior do uso on-line cotidiano num futuro próximo?
Sunde: A criptografia precisa estar lá, mas ela em si não é a solução para nada. A solução seria nos certificarmos de que não precisamos de criptografia. Vejo a criptografia como um tipo de movimento defensivo contra um comportamento agressivo que não devíamos tolerar. No entanto, nesse meio tempo, isso é como usar uma camisinha — não encontramos a cura para certas doenças ainda, então, devemos nos proteger da melhor forma possível.
Que serviços de criptografia online você acha que já são um sucesso?
Sunde: A VPN está se saindo muito bem em proteger seus usuários. A PGP tem tido muito sucesso em termos tecnológicos, mas não em termos de número de usuários. Já fui entrevistado milhares de vezes e só encontrei um jornalista que tinha a chave da PGN. É uma vergonha.
Quais os maiores obstáculos para fazer um usuário médio da rede se interessar pela criptografia?
Sunde: Conseguir uma boa base de usuários, devido tanto à competência no mercado quanto a ter uma boa experiência e interface para o usuário.
É por isso que o Heml.is está sendo comercializado como “bonito”?
Sunde: Sim. Essa é a questão principal das soluções tecnológicas! Se o usuário cotidiano que não entende (ou não se importa, ou não quer se importar) com criptografia não começar a usar o serviço, as pessoas que têm interesse não poderão falar com eles e isso vai acabar não dando certo. Para conseguir que as pessoas usem uma tecnologia importante, você simplesmente tem que tornar isso mais atraente do que qualquer outra coisa, para fazer com que elas mudem. Poucas pessoas comprariam um carro realmente feio — mesmo que fosse super-rápido. Elas preferem comprar um carro que parece rápido, mas que na verdade é lento pacas.
Por que a pessoa comum, que não tem nada a esconder, deveria querer usar o Heml.is?
Sunde: Não é uma questão de ter algo a esconder ou não, é sobre ter o direito à privacidade. Os grampos de hoje significam que o governo sabe tudo sobre você. Em quem você vota, sua crença religiosa, com quem você flerta, quais suas preferências sexuais, etc. E isso não é da conta deles. Olhando para a história, os governos futuros poderão estar mais interessados nesses dados do que os atuais. Veja a Europa, por exemplo, onde cada vez mais partidos de extrema-direita estão subindo ao poder. Na Noruega, o partido anti-imigração é, agora, o segundo maior do país, e é bem provável que faça parte do governo na próxima eleição. Tenho certeza que eles estão interessados em saber quem está ajudando imigrantes ilegais. Temos que pensar em longo prazo. Esses dados já foram armazenados uma vez e podem ser guardados para sempre.
Depois das revelações de que a Microsoft estava cooperando com a NSA, você acha que a opinião pública sobre o software mais popular do mundo vai mudar?
Sunde: Você está dizendo que a Microsoft faz um software popular? Para mim, é mais como um software forçado para todo mundo. Mas sim, essa é uma grande oportunidade para que as pessoas usem soluções melhores que existem por aí. Microsoft, Apple e outros fabricantes de software têm poder demais sobre nossas vidas e nossas liberdades, então, é importante quebrar o oligopólio deles. Se isso puder ser feito, também será muito mais difícil monitorar as pessoas, já que as melhores soluções agora são todos softwares abertos e gratuitos.
Estamos vendo um pico no desenvolvimento de softwares agora? Parece haver uma corrida para colocar produtos abertos e baseados em criptografia no mercado.
Sunde: Temo que isso vá perder o fôlego logo. As pessoas já estão desistindo… Elas acham que não podem lutar contra o governo. Nos Estados Unidos, você tem um sistema bipartidário em que os dois partidos são muito próximos na verdade — especialmente quando se trata de questões digitais. O desenvolvimento de software que acontece fora das grandes corporações quase sempre usa criptografia e soluções mais conscientes de privacidade do que as versões corporativas. Então, muitas das soluções tecnológicas já estão aqui, mas temos um problema para colocá-las para o usuário comum de desktop.
O que falta para serviços como o Heml.is se tornarem meios de comunicação comuns?
Sunde: Não tenho certeza se queremos que isso seja “o meio comum” de comunicação. Precisamos ter muitas soluções e não só alguns exemplos em que confiamos totalmente. Veja o Pirate Bay. A pior coisa que o Pirate Bay fez foi se tornar tão poderoso e dominante quanto é hoje. Por causa disso, ninguém cria um competidor à altura. Assim, perdemos a chance de ter uma tecnologia melhor e colocamos todos os ovos na mesma cesta.
Quais mudanças online são necessárias para que a internet seja um meio mais aberto e livre?
Sunde: Muita coisa! Acho que essa é uma grande questão dentro e fora da internet. Do jeito que a internet está crescendo agora — com serviços de nuvem e pouquíssimas operadoras de internet globais — certamente, estamos indo para o lado errado em termos de serviços livres e abertos.