"Livremos o Brasil dos gays. Campanha, mate um viado"
Cartazes pregando o "orgulho hétero" e fazendo apologia ao assassinato de homossexuais puderam ser vistos na UFCA. Discursos de ódio e casos de racismo, homofobia e misoginia são frequentes nas instituições de ensino
Jarid Arraes, questão de gênero
Na última semana, vem sendo divulgada nas redes sociais uma foto tirada na Universidade Federal do Cariri, onde é possível ver duas mensagens escritas na porta de um banheiro. A primeira mensagem é parte de uma manifestação e crítica contra a homofobia; a segunda é uma resposta à primeira e faz apologia ao assassinato de gays: “Livremos nosso país da escória gay! Campanha ‘mate um viado’!”. Enquanto discursos de ódio e casos de racismo, homofobia e misoginia são frequentes nas instituições de ensino, essa já não é a primeira ocorrência na UFCA: em 2012, cartazes exaltando o “orgulho hétero” com fotografias de mulheres peladas foram colados por todo o campus sem que houvesse identificação de seus autores.
Segundo o professor Alexandre Nunes, as colagens vieram como reação a uma atividade do curso de Jornalismo, onde foram espalhadas pela faculdade imagens do Translendário – um calendário com atores travestidos reproduzindo iconografias da cultura clássica, como a Santa Ceia e a Monalisa. Foi publicada uma nota de repúdio no blog do Grupo de Estudos de Gênero e Mídia, do qual o próprio Alexandre Nunes é coordenador, e foram realizadas atividades de conscientização social no campus da Universidade. Ainda assim, os responsáveis pela campanha do “orgulho hétero” permanecem impunes, assim como o autor da mais recente mensagem proclamando morte “aos viados”. O anonimato é a máscara escolhida por quem já entende que está cometendo um crime, não é por acaso que os homofóbicos da UFCA não expõem a cara.
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Segundo Alexandre, “as portas dos banheiros são historicamente locais das mais diversas expressões sociais e a possibilidade de anonimato parece fazer com que os indivíduos exponham todas suas questões não elaboradas; dentre elas, o discurso de ódio. O desafio da Universidade é promover a visibilidade e o debate do conflito entre as diferenças, para que estes discursos não cheguem às portas dos banheiros e nem aos corredores do campus.”.
Enquanto é evidente que a questão da homofobia em espaços universitários está longe de ser resolvida, é interessante perceber que esse não é o único tipo de intolerância que contamina as instituições de ensino. A misoginia é tão frequente e perturbadora quanto a homofobia ou a transfobia nas universidades e pode-se dizer que esse ódio infundado aos gays, na maioria massiva das vezes, tem origem no ódio ao feminino. Ainda é comum, por exemplo, a ideia de que gays são “menos homens”, ou que desejam ocupar um papel social feminino. A repulsa às mulheres está profundamente enraizada em nossa cultura e várias ocorrências de misoginia passam despercebidas, sem que sejam identificados como casos de intolerância direta ou indireta.
Pablo Soares, estudante do curso de Jornalismo na UFCA, explica o nível de ódio: “o medo na faculdade é o mesmo medo que teríamos em qualquer lugar público.” Não porque o que acontece na UFCA passe como algo menos grave, mas sim porque todas as áreas da nossa sociedade reproduzem a misoginia. Uma união maior e mais frequente entre os movimentos LGBT e Feminista podem garantir os primeiros passos para transformações sociais significativas, mas o trabalho subjetivo que cada pessoa precisa fazer – buscando identificar e eliminar de si traços machistas – é muito necessário. Afinal, a sociedade é formada por indivíduos que criam e reproduzem a cultura.
Para a maioria das pessoas, o ódio ao feminino já está tremendamente naturalizado. Quase que instintivamente, a cultura leva as pessoas a acreditarem que tudo o que é “de mulher” é inferior, fútil, ridículo, fraco, manipulável, burro ou inadequado. É notável que, para um homem, ser heterossexual não é nenhuma prova anti-misoginia: na verdade, na maioria das vezes esse “gostar de mulher” se limita à crença de superioridade às mulheres e objetificação feminina. Fora da exploração sexual e coisificação, a mulher é tão socialmente repudiada que qualquer ato que possa sugerir qualquer assimilação de valores considerados “femininos” por um homem é fortemente rechaçado. Para muitas pessoas, os homens não podem se “rebaixar” quando se relacionam com outros homens e jamais devem usar adereços considerados femininos; por isso, para que um homem gay seja aceito, deve manter a aparência tipicamente masculina.
A própria dificuldade para conseguir enxergar toda essa misoginia é sintoma do problema. Enquanto o ódio ao feminino não for extirpado de nossa cultura, jamais haverá uma realidade sem ódio a gays, lésbicas, travestis e transexuais.