Redação Pragmatismo
Especial 22/Ago/2013 às 15:29 COMENTÁRIOS
Especial

A história dos ativistas Black Bloc no Brasil e no mundo

Publicado em 22 Ago, 2013 às 15h29

Black Bloc: “Fazemos o que os outros não têm coragem de fazer”. Ativistas afirmam não temer o confronto com a polícia e defendem a destruição de “alvos capitalistas”. Conheça a história e a forma de luta que se popularizou com o movimento antiglobalização e ganha destaque no Brasil

história dos ativistas Black Bloc no Brasil quem são

Black Bloc: “Fazemos o que os outros não têm coragem de fazer” (Foto: Flickr.com/nofutureface)

Paulo Cezar Monteiro, Revista Fórum

“Os ativistas Black Bloc não são manifestantes, eles não estão lá para protestar. Eles estão lá para promover uma intervenção direta contra os mecanismos de opressão, suas ações são concebidas para causar danos às instituições opressivas.” É dessa forma que a estratégia de ação do grupo que vem ganhando notoriedade devido às manifestações no País é definida por um vídeo, divulgado pela página do Facebook “Black Bloc Brasil”, que explica parte das motivações e forma de pensar dos seus adeptos.

A ação, ou estratégia de luta, pode ser reconhecida em grupos de pessoas vestidas de preto, com máscaras ou faixas cobrindo os rostos. Durante os protestos, eles andam sempre juntos e, usualmente, atacam de maneira agressiva bancos, grandes corporações ou qualquer outro símbolo das instituições Eles afirmam não temer o confronto com a polícia e defendem a destruição de “alvos capitalistas”. Conheça a história e a forma de luta que se popularizou com o movimento antiglobalização e ganha destaque no Brasil “capitalistas e opressoras”, além de, caso julguem necessário, resistirem ou contra-atacarem intervenções policiais.

Devido ao atual ciclo de protestos de rua, o Black Bloc entrou no centro do debate político nacional. Parte das análises e opiniões classifica as suas ações como “vandalismo” ou “violência gratuita”, e também são recorrentes as críticas ao anonimato produzido pelas máscaras ou panos cobrindo a face dos adeptos. Mas o Black Bloc não é uma organização ou entidade. Leo Vinicius, autor do livro Urgência das ruas – Black Bloc, Reclaim the Streets e os Dias de Ação Global, da Conrad, (sob o pseudônimo Ned Ludd), a define o como uma forma de agir, orientada por procedimentos e táticas, que podem ser usados para defesa ou ataque em uma manifestação pública.

Zuleide Silva (nome fictício), anarquista e adepta do Black Bloc no Ceará, frisa que eles têm como alvo as “instituições corporativas” e tentam defender os manifestantes fora do alcance das ações repressoras da polícia. “Fazemos o que os manifestantes não têm coragem de fazer. Botamos nossa cara a tapa por todo mundo”, afirma.

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O jornalista e estudioso de movimentos anarquistas, Jairo Costa, no artigo “A tática Black Bloc”, publicado na Revista Mortal, lembra que o Black Bloc surgiu na Alemanha, na década de 1980, como uma forma utilizada por autonomistas e anarquistas para defenderem os squats (ocupações) e as universidades de ações da polícia e ataques de grupos nazistas e fascistas. “O Black Bloc foi resultado da busca emergencial por novas táticas de combate urbano contra as forças policiais e grupos nazifascistas. Diferentemente do que muitos pensam, o Black Bloc não é um tipo de organização anarquista, ONG libertária ou coisa parecida, é uma ação de guerrilha urbana”, contextualiza Costa.

De acordo com um dos “documentos informativos” disponíveis na página do Facebook, alguns dos elementos que os caracterizam são a horizontalidade interna, a ausência de lideranças, a autonomia para decidir onde e como agir, além da solidariedade entre os integrantes. Atualmente, há registros, por exemplo, de forças de ação Black Bloc nas recentes manifestações e levantes populares no Egito.

Black Bloc no Brasil

Para Leo Vinicius, é um “pouco surpreendente” que essa estratégia de manifestação urbana, bastante difundida ao redor do mundo, tenha demorado a chegar por aqui. “Essa forma de agir em protestos e manifestações ganhou muito destaque dentro dos movimentos antiglobalização, na virada da década de 1990 para 2000. Não é uma forma de ação política realmente nova”. No Brasil, existem páginas do movimento de quase todas as capitais e grandes cidades, a maior parte delas criadas durante o período de proliferação dos protestos. A maior é a Black Bloc Brasil, com quase 35 mil seguidores, seguida pela Black Bloc–RJ, com quase 20 mil membros.

A respeito da relação com o anarquismo, Vinicius faz uma ressalva. É preciso deixar claro que a noção de que “toda ação Black Bloc é feita por anarquistas e que todos anarquistas fazem Black Bloc” é falsa. “A história do Black Bloc tem uma ligação com o anarquismo, mas outras correntes como os autonomistas, comunistas e mesmo independentes também participavam. Nunca foi algo exclusivo do anarquismo. Na prática, o Black Bloc, por se tratar de uma estratégia de operação, pode ser utilizado até por movimentos da direita”, explica o escritor.

Para alguns ativistas, o processo de aceitação das manifestações de rua, feito pela grande mídia e por parte do público, de certa forma impôs que, para serem considerados legítimos, os protestos deveriam seguir um padrão: pacífico, organizado, com cartazes e faixas bem feitas e em perfeito acordo com as leis. Vinicius demonstra certa preocupação com a possibilidade do fortalecimento da ideia de que essa forma “pacífica” seja vista como o único meio possível ou legítimo de protestar. Ele afirma que não entende como violenta a ação Black Bloc de quebrar uma vidraça ou se defender de uma ação policial excessiva. “A violência é um conceito bastante subjetivo. Por isso, não dá pra taxar qualquer ato como violento, é preciso contextualizá-lo, entender as motivações por trás de cada gesto”, avalia.

Para ele, a eficácia de uma manifestação está em saber articular bem formas de ação “pacíficas” e “não pacíficas”. Foi esse equilíbrio, analisa, que fez com que o Movimento Passe Livre – São Paulo (MPL-SP) barrasse o aumento da tarifa na capital paulista. “Só com faixas e cartazes a tarifa não teria caído”, atesta. “Quem tem o poder político nas mãos só cede a uma reivindicação pelo medo, por sentir que as coisas podem sair da rotina, de que ele pode perder o controle do Estado”, sentencia.

Por outro lado, Vinicius alerta que é preciso perceber os limites para evitar que as ações mais “radicais” façam com que o movimento seja criminalizado ou se isole da sociedade e, com isso, perca o potencial de realizar qualquer mudança. Em sua obra, faz a seguinte definição daqueles que adotam a estratégia Black Bloc: “Eles praticam uma desobediência civil ativa e ação direta, afastando assim a política do teatro virtual perfeitamente doméstico, dentro do qual [a manifestação política tradicional] permanece encerrada. Os BB não se contentam com simples desfiles contestatórios, certamente importantes pela sua carga simbólica, mas incapazes de verdadeiramente sacudir a ordem das coisas”, aponta.

Outra crítica recorrente é o fato de os BB usarem máscaras ou panos para cobrirem os rostos. Os adeptos da ação explicam que as máscaras são um meio de proteger suas identidades para “evitar a perseguição policial” e outras formas de criminalização, como também criar um “sentimento de unidade” e impedir o surgimento de um “líder carismático”.

Luta antiglobalização

Com o passar do tempo, segundo Jairo Costa, as táticas Black Bloc passaram a ser reconhecidas como um meio de expressar a ira anticapitalista. Ele explica que geralmente as ações são planejadas para acontecer durante grandes manifestações de movimentos de esquerda.

O estudioso destaca como um dos momentos mais significativos da história Black Bloc a chamada “Batalha de Seattle”, em 1999, contra uma rodada de negociações da Organização Mundial do Comércio (OMC). Em 30 de novembro daquele ano, após uma tarde de confrontos com as forças policiais, uma frente móvel de black blockers conseguiu quebrar o isolamento criado entre os manifestantes e o centro comercial da cidade. Após vencer o cerco policial, os manifestantes promoveram a destruição de várias propriedades, limusines e viaturas policiais, e fizeram várias pichações com a mensagem “Zona Autônoma Temporária”. Estimativas apontam prejuízos de 10 milhões de dólares, além de centenas de feridos e 68 prisões.

Para Costa, um dos episódios mais impactantes – e duros – da história Black Bloc foi o assassinato de Carlo Giuliani, jovem anarquista de 23 anos, durante a realização simultânea do Fórum Social de Gênova e a reunião do G8 (Grupo dos oito países mais ricos), na Itália, em julho de 2001. Ele lembra que, após vários confrontos violentos – alguns deles vencidos pelos manifestantes, que chegaram a provocar a fuga dos policiais, que deixaram carros blindados para trás –, ocorreu o episódio que levou à morte de Giuliani.

“Ele partiu para cima de um carro de polícia tentando atirar nele um extintor de incêndio. Muitos fotógrafos estavam por lá e seus registros falam por si. Ao se aproximar do carro, Giuliani é atingido por dois tiros, um na cabeça. E, numa cena macabra, o carro da polícia dá marcha a ré e atropela-o várias vezes”, narra. Os assassinos de Carlo Giuliani não foram condenados. Dois anos após o fato, a Justiça italiana considerou que a ação policial se deu como “reação legítima” ao comportamento do militante.

Alvos capitalistas

Entre as formas de ação direta do Black Bloc destacam-se os ataques aos chamados “alvos simbólicos do capital”, que incluem joalherias, lanchonetes norte-americanas ou ainda a depredação de instituições oficiais e empresas multinacionais. Costa explica que essas ações “não têm como objetivo atingir pessoas, mas bens de capital”.

Zuleide justifica a destruição praticada contra multinacionais ou outros símbolos capitalistas, porque elas seriam mecanismo de “exploração e exclusão das pessoas”. “Queremos que esses meios que oprimem e desrespeitam um ser humano se explodam, vão embora, morram. Trabalhar dez horas por dia para não ganhar nada, isso é o que nos enfurece. Por isso, nossas ações diretas a eles, porque queremos causar prejuízos, para que percebam que há pessoas que rejeitam aquilo e que lutam pela população”, explica.

Ela reconhece que essas ações diretas podem deixá-los “mal vistos” na sociedade, já que há pessoas que pensam: “Droga, não vou poder mais comer no ***** porque destruíram tudo”. Porém, Zuleide afirma que o trabalhador, explorado por essas corporações, “adoraria fazer o que nós fazemos”, mas, por ter família para sustentar e contas a pagar, não faz. “Esse é mais um dos motivos que nos fazem do jeito que somos”, pontua.

Vinicius explica que, nas “ações diretas”, os black blockers atacam bens particulares por considerarem que “a propriedade privada – principalmente a propriedade privada corporativa – é em si própria muito mais violenta do que qualquer ação que possa ser tomada contra ela”. Quebrar vitrines de lojas, por exemplo, teria como função destruir “feitiços” criados pela ideologia capitalista. Esses “feitiços” seriam meios de “embalar o esquecimento” de todas as violências cometidas “em nome do direito de propriedade privada” e de “todo o potencial de uma sociedade sem ela [as vitrines]”.

Sem violência?

Em praticamente todas as manifestações, independentemente das causas e dos organizadores, tornou-se comum o grito: “Sem violência! Sem violência!”, que tinha como destinatários os policiais que, teoricamente, entenderiam o caráter “pacifista” do ato. Também seria uma tentativa de coibir a ação de “vândalos” ou “baderneiros”, que perceberiam não contar com o apoio do restante da massa.

Zuleide reconhece que, inicialmente, a ação Black Bloc era alvo desses gritos, mas, segundo ela, quando as pessoas entendem a forma como eles atuam, isso muda. “Os manifestantes perceberam que o Estado não iria nos deixar falar, nos deixar reivindicar algo, e começaram a nos reprimir. Quando há confronto [com a polícia], nós os ajudamos retardando a movimentação policial ou tirando eles de situações que ofereçam perigo, e alguns perceberam isso”, afirma.

Apesar de os confrontos com policiais não serem uma novidade durante as suas ações, os adeptos afirmam não ter como objetivo atacar policiais. Contudo, outro documento intitulado “Manifesto Black Bloc” deixa claro que, caso a polícia assuma um caráter “opressor ou repressor”, ela se torna, automaticamente, uma “inimiga”.

No “Manual de Ação Direta – Black Bloc”, também disponível na internet, a desobediência civil é definida como “a não aceitação” de uma regra, lei ou decisão imposta, “que não faça sentido e para não se curvar a quem a impõe. É este o princípio da desobediência civil, violenta ou não”. Entre as possibilidades de desobediência civil são citadas, por exemplo, a não aceitação da proibição da polícia que a manifestação siga por determinado caminho, a resistência à captura de algum manifestante ou, ainda, a tentativa de resgatar alguém detido pelos policiais.

Também são ensinadas táticas para resistir a gás lacrimogêneo, sprays de pimenta e outras formas de ação policial, além de dicas de primeiros socorros e direitos legais dos manifestantes. De acordo com o documento, as orientações desse manual tratam apenas da desobediência civil “não violenta”.

Outra orientação é que seja definido, antes da manifestação, se a desobediência civil será “violenta” ou “não violenta”. Caso se opte pela ação ‘não violenta’, essa decisão deve ser respeitada por todos, visto que não cumprir o combinado pode pôr “em risco” outros companheiros, além de ser um sinal de “desrespeito”.

Contudo, o mesmo manual deixa claro que o que “eles fazem conosco” todos os dias é uma violência, sendo assim, “a desobediência violenta é uma reação a isso e, portanto, não é gratuita, como eles tentam fazer parecer”.

Uma breve história

1980: O termo Black Bloc (Schwarzer Block) é usado pela primeira vez pela polícia alemã, como
forma de identificar grupos de esquerda na época denominados “autônomos, ou autonomistas”, que lutavam contra a repressão policial aos squats (ocupações).

1986: Fundada, em Hamburgo (Alemanha), a liga autonomista Black Bloc 1500, para defender o Hafenstrasse Squat.

1987: Anarquistas vestidos com roupas pretas protestam em Berlim Ocidental, por ocasião da presença de Ronald Reagan, então presidente dos EUA, na cidade.

1988: Em Berlim Ocidental, o Black Bloc confronta-se com a polícia durante uma manifestação
contra a reunião do Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI).

1992: Em São Francisco (EUA), na ocasião do 500º aniversário da descoberta da América por Cristóvão Colombo, o Black Bloc manifesta-se contra o genocídio de povos nativos das Américas.

1999: Seattle contra a Organização Mundial do Comércio (OMC). Estima-se em 500 o número de integrantes do Black Bloc que destruíram o centro econômico da cidade.

2000: Em Washington, durante reunião do FMI e Banco Mundial, cerca de mil black blockers anticapitalistas saíram às ruas e enfrentaram a polícia.

2000: Em Praga (República Tcheca), forma-se um dos maiores Black Blocs que se tem notícia, durante a reunião do FMI. Cerca de 3 mil anarquistas lutam contra a polícia tcheca.

2001: Quebec (Canadá). Membros do Black Bloc
são acusados de agredir um policial durante uma marcha pela paz nas ruas de Quebec. Após esse evento, a população local e vários manifestantes de esquerda distanciaram-se da tática Black Bloc e de seus métodos extremos.

2001: A cidade de Gênova (Itália), ao mesmo tempo, recebeu a cúpula do G8 e realizou o Fórum Social de Gênova, com um grande número de Black blockers, além de aproximadamente de 200 mil ativistas. A ação ficou marcada pela violenta morte do jovem Carlo Giuliani, de 23 anos.

2007: Em Heiligendamm (Alemanha), reunião do G8 foi alvo de uma ação com a participação de cerca de 5 mil blackblockers . Mobilização Black Bloc de cerca de 5.000 pessoas

2010: Toronto (Canadá), na reunião do G20. Neste confronto, mais de 500 manifestantes foram presos e dezenas de outros ativistas foram parar em hospitais com inúmeras fraturas.

2013: Cairo (Egito). O Black Bloc aparece com forte atuação nos protestos da Praça Tahir, no combate e resistência ao exército do então presidente Hosni Mubarak.

Fonte: Artigo “A Tática Black Bloc”, escrito por Jairo Costa, na Revista Mortal, 2010

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