Luis Soares
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Religião 25/Jun/2013 às 16:17 COMENTÁRIOS
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Igreja distribuirá 'manual de bioética' em visita do Papa ao Brasil

Luis Soares Luis Soares
Publicado em 25 Jun, 2013 às 16h17

‘Manual de Bioética’ que será distribuído pela Igreja durante visita do Papa Francisco ao Brasil condena a pílula, o aborto, mas não trata de prevenção à gravidez e nem mesmo à doenças sexualmente transmissíveis

A CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) vai aproveitar a Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro, evento que ocorre entre os dias 23 e 28 de julho com a presença do papa Francisco, para distribuir 2 milhões do “Manual da Bioética para Jovens”. Com linguagem científica, a publicação classifica o uso das pílulas anticoncepcionais e do dia seguinte, além do DIU (dispositivo intra-uterino) como abortivos e condena a prática.

A publicação da fundação francesa Jeròme Lejeune trata, em 65 páginas divididas em sete capítulos, do aborto e de métodos contraceptivos com base nos dogmas católicos. Um capítulo da publicação fala sobre eutanásia e uso de células tronco. Para especialistas, o manual é um desserviço aos jovens, pois não lhes dá o direito a uma informação técnica sem valores religiosos.

A publicação também diz que a mulher vítima de estupro que ficar grávida deve ter a criança. O manual não trata de prevenção à gravidez e nem mesmo à doenças sexualmente transmissíveis.

É a primeira vez que a publicação será distribuída no Brasil. Existem edições na França e Portugal, onde o aborto é permitido por lei. Nas publicações desses países existem tópicos que mostram a legislação sobre o tema.

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Manual de Bioética para jovens não fala de preservativos nem de prevenção contra doenças sexualmente transmissíveis. Médicos e geneticistas dizem que conteúdo representa um perigo para adolescentes brasileiros.

De acordo com o padre Rafael Cerqueira Fornasier, assessor da Comissão para a Vida e Família da CNBB, os trechos que falam sobre a legislação dos países europeus foram retirados do manual que será distribuído durante a JMJ porque a edição será publicada em quatro línguas – português, espanhol, inglês e francês.

“Como o evento é internacional, com pessoas de vários países, ia ficar complicado colocar a legislação dos países de cada língua, então deixamos só algumas referências das leis de alguns lugares”, disse Fornasier.

A iniciativa da CNBB tem como objetivo “acabar com a banalização” desses temas entre os jovens. Segundo o assessor da comissão, o manual foi redigido com fundamentos científicos, mas com uma abordagem fácil e baseado na ética cristã.

“Estamos envolvidos em debates que tocam a vida, como o aborto e a eutanásia. Os jovens se questionam, ainda mais hoje, com os avanços tecnológicos. A vida é uma grande questão para nós”, afirmou o padre.

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Segundo dom João Carlos Petrini, bispo de Camaçari (BA) e presidente da Comissão para a Vida e Família da CNBB, a ideia é que os jovens que receberem a publicação a levem para suas comunidades, grupos, amigos e paróquias para discutir os temas abordados.

“Às vezes, eles têm pouca informação, aí compram a ideia da maneira mais simplificada que a mídia oferece. É uma oportunidade única que temos, com jovens de idade semelhante, de muitos países, com o mesmo tipo de problemática. Na juventude o cinismo não venceu, tem ainda esse frescor”, disse Petrini. “Então esse contexto é favorável para se dialogar.”

De acordo com o manual, todas as pílulas contraceptivas (convencional e do dia seguinte) e o DIU produzem o aborto. “A mentalidade contraceptiva (recusa da criança) conduz a aceitar mais facilmente o abortamento em caso de gravidez ‘não desejada’. A contracepção favorece relações sexuais com parceiros múltiplos, no quadro de relações instáveis, o que multiplica de fato as ocasiões de gravidezes não assumidas”, diz a publicação.

A medicina explica que a pílula anticoncepcional impede a ovulação e, com isso, a fecundação. Já a pílula do dia seguinte, usada em casos de estupro ou quando o método anticoncepcional falhou, altera a liberação do óvulo, caso a mulher não tenha ovulado, ou altera o endométrio (parede do útero) impedindo a fixação do óvulo fecundado –a chamada nidação.

O DIU, que pode ser de polietileno ou metal, é inserido no útero e interfere no transporte do espermatozoide, o que impede a fecundação. Além disso, pode causar uma reação inflamatória do útero, o que também impede a nidação.

Para a enfermeira e doutora em bioética Dirce Guilhem, membro da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa e coordenadora do Laboratório de Bioética e Ética em Pesquisa da UNB (Universidade de Brasília), a publicação não faz parte da realidade dos jovens brasileiros e por isso pode ser um desserviço. Segundo ela, o jovem católico faz sexo e se vê diante da “culpa” em usar a pílula do dia seguinte e provocar um aborto.

“A publicação coloca a culpa, e no contexto brasileiro é perigoso. No Brasil, as meninas começam a vida sexual aos 13, 15 anos, e 85% dos jovens se dizem católicos, como mostram pesquisas do Ministério da Saúde. Os jovens vão ler isso e se sentir culpados”, afirmou Dirce. “O manual não fala de preservativos.”

Dirce explica que é um equívoco dizer que as pílulas e o DIU são abortivos porque os métodos impedem a fecundação. “Mas tudo o que não é natural eles dizem que é aborto. É dogmático, a pílula aparece como monstro, não pode se recorrer a ela”, afirmou.

A especialista diz que o item que fala que a mulher estuprada “vai aprender a amar” a criança é uma violência. “Obrigar a mulher a ter o bebê nessa situação pode ser mais violento que retirar a criança. Nessa publicação, a mulher não trabalha na tomada de decisão e quem fala sobre a vida das mulheres é um homem”, afirmou Dirce.

O ginecologista e presidente da SGORJ (Associação de Ginecologia e Obstetrícia do Estado do Rio de Janeiro), Marcelo Burlá, diz que a informação equivocada na vida sexual da mulher é prejudicial e que elas precisam ter conhecimento sobre seu aparelho reprodutor sem a interferência religiosa. Para isso, elas devem sempre procurar um especialista e evitar buscar a igreja para esse fim.

“É fundamental o uso de contraceptivos, principalmente para evitar doenças. A mulher tem o direito de iniciar sua vida sexual quando quiser, mas quando ficam grávidas com 13, 14 anos, atrapalha todo o planejamento de uma vida. Por isso é importante a informação técnica para evitar a gravidez e usar o melhor método para isso”, afirmou o médico. “Por mais que a informação religiosa seja bem intencionada, ela é tendenciosa.”

Burlá diz que já atendeu pacientes que lhe trouxeram publicações religiosas sobre sexualidade com erros técnicos. “Já vi publicações assim. As pacientes chegam cheias de dúvidas: se houve ovulação, se ouve concepção, se abortou. Imagina uma menina de 13 anos com dúvida se está tirando uma vida”, disse o ginecologista. “Eu tenho que explicar que não é aborto. Eu digo que pode usar os métodos porque não é aborto.”

Estatuto do Nascituro

A divulgação do manual acontece em meio à polêmica causada no Brasil pelo Projeto de Lei (PL) 478/2007 que estabelece o Estatuto do Nascituro e prevê, entre outros pontos, o direito ao pagamento de pensão alimentícia, equivalente a um salário mínimo, às crianças concebidas de violência sexual.

A proposta estabelece também que o nascituro é o ser humano concebido, mas ainda não nascido, e inclusive “os seres humanos concebido in vitro, os produzidos por meio de clonagem ou por outro meio científico e eticamente aceito. O texto diz ainda que o nascituro adquire personalidade jurídica ao nascer com vida, mas sua natureza humana será reconhecida desde a concepção.

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