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“Álcool não é droga. Afinal, droga é o que os outros usam”

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O Brasil caminha na contramão do mundo com o projeto de lei que aumenta a punição a usuários de psicoativos

Lobby da indústria: senadores e deputados querem mais punição a usuários de psicoativos e menos advertências para usuário de álcool

Leonardo Sakamoto, em seu sítio

Um lobby de deputados federais está pressionando por mudanças no projeto de lei 7663, de autoria do deputado Osmar Terra (PMDB-RS), considerado por muitos especialistas em psicoativos como um tremendo retrocesso na política sobre drogas por punir ainda mais o consumidor e gerar um clima de medo. Mas não é um lobby para vetar o projeto ou torná-lo mais coerente com uma sociedade que respeite as liberdades individuais de seus cidadãos, mas sim para excluir dele a proposta de inserir nos rótulos de bebidas a informação de que o consumo excessivo de álcool pode causar danos à saúde, como ocorre hoje com o tabaco industrializado.

Sobre isso, conversei com o antropólogo Mauricio Fiore, pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos (NEIP), autor de diversos trabalhos sobre uso de substâncias psicoativas e um dos maiores especialistas brasileiros no tema.

O que está mais associado a danos sociais e familiares: o álcool ou a maconha?

Sob diversos pontos de vista, o consumo de álcool.

O que está mais associado a danos ao organismo: o álcool ou a maconha?

Essa é uma questão mais complexa, com decisivas variações individuais. Mas, de forma geral, o álcool está associado a um número maior de doenças e, além disso, a danos causados indiretamente, como atos violentos e acidentes de carro.

O que está mais associado a danos às contas públicas por conta de gastos com atendimento médico: o álcool ou a maconha?

Álcool, sem dúvida.

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Por que, então, há um lobby de parlamentares em curso para retirar a obrigação de incluir nos rótulos de bebidas alcoólicas advertências sobre os problemas à saúde causados por elas?

Com certeza, isso passa pelo lobby da indústria do álcool e seus ganhadores indiretos, como o mercado publicitário. Dessa forma, nos afastamos da possibilidade de pensar uma legislação e políticas públicas que abarquem, a partir de diversas evidências, todas as drogas psicoativas. Continuamos tratando o álcool como se não fosse uma delas. Afinal, droga é aquilo que o outro usa.

O Brasil caminha na contramão do mundo com o projeto de lei que aumenta a punição a usuários de psicoativos?

Sem dúvida. No Congresso Internacional sobre Drogas, que aconteceu em Brasília no início de maio, os convidados internacionais, entre eles o ex-presidente colombiano Cesar Gaviria, ressaltaram como o Brasil, caso aprovado o Projeto de Lei 7663, estará na vanguarda do retrocesso em política de drogas. Os dois principais pontos do PL, o aumento de penas para os crimes relacionados às drogas ilícitas e a facilitação da internação contra a vontade, vão na contramão de tudo que os países mais democráticos têm feito. Além disso, drena recursos da saúde pública para privilegiar a internação – o modo mais radical de tratamento – em comunidades terapêuticas privadas, cuja qualidade, a eficácia e, principalmente, a laicidade, são muito questionáveis.

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