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Ataques a homossexuais são atos ‘de gente doente e desesperada’, diz especialista

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Não adianta trabalhar a escola sem trabalhar a comunidade, “Se o professor falar de homossexualidade em sala de aula e o aluno contar em casa, no dia seguinte, pelo menos meia dúzia de mães estarão na diretoria”, diz Edith Modesto
Especialista em questões de gênero, a escritora, terapeuta e professora universitária Edith Modesto interpreta os frequentes ataques a homossexuais como “atos desesperados de pessoas doentes”. Na avaliação dela, casos como o do último fim de semana, quando um casal de gays foi agredido a socos e pontapés após sair de uma boate nas imediações da Avenida Paulista, em São Paulo, estão alicerçados numa espécie de reação à uma maior aceitação da diversidade sexual por parte da sociedade. 
– O avanço que aparece na mídia trouxe consequências terríveis. A homofobia é uma doença. Eu tenho certeza. As pessoas homofóbicas quando percebem que está patente esse avanço, cometem atos desesperados. Matar uma pessoa com 20 facadas é um ato desesperado. Atentados físicos violentos em plena Avenida Paulista! São atos desesperados de pessoas doentes. Elas estão se vendo ameaçadas pelo avanço da aceitação social das diferenças. Quanto mais a aceitação social vai avançando, mais o ódio dessas pessoas com problemas vai ficando acirrado. É um ódio doentio.
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No próximo domingo (9), Edith recebe, no Memorial da América Latina, o prêmio Tese Destaque USP, na área linguística, letras e artes, por seu trabalho de doutorado Homossexualidade: Preconceito e Intolerância – Análise Semiótica de Depoimentos. Para a professora, que há 20 anos fundou o o Grupo de Pais de Homossexuais após a descoberta de que o filho era gay, o reconhecimento de uma tese que trata de um tema ainda demonizado sinaliza um avanço e uma mudança de mentalidade.
– Fiquei duplamente feliz justamente por isso. Primeiro, claro, porque não é fácil ganhar esse prêmio. Segundo, porque você está trabalhando com um assunto que não é bem vindo pela maioria. Quando se fala de homossexualidade, soltam-se os demônios. Os homossexuais são “safados”, “sem vergonha”, “pedófilos” e você está trabalhando com isso na academia. Ver o trabalho ser considerado o melhor na sua área tem um peso maior porque tem um peso político. De repente, houve a possibilidade de uma tese sobre homossexualidade ser escolhida a melhor. Quer dizer que houve um contexto que já permitiu isso. Então, se houve um contexto que permite uma tese que fala de preconceito e intolerância em relação a homossexuais ganhar um prêmio desse é sinal de que há uma mudança grande que foi feita.
Confira a íntegra da entrevista que a professora concedeu ao Terra Magazine 
Sua tese de doutorado Homossexualidade: Preconceito e Intolerância – Análise Semiótica de Depoimentos vai receber o Prêmio Tese Destaque USP. Como foi desenvolvido este trabalho? Quais as principais conclusões?
 
Edith Modesto – Eu falo sobre o preconceito e a intolerância em relação à homossexualidade e analisei semioticamente depoimentos de mães heterossexuais e jovens filhos homossexuais.
Quanto às conclusões, são muitas.
Quais a senhora destacaria?
A mais importante é que está havendo uma mudança social, uma maior aceitação das diferenças, mas que o último reduto é a família. Então, na família não houve tantas mudanças ainda infelizmente.
O que a senhora está dizendo é que a o reduto familiar ainda é conservador, que ainda é impactante para os pais receberem a notícia de que os filhos são homossexuais.
Depois que fiz toda essa pesquisa, cheguei, simbolicamente falando, a três muros. Existem três muros. O primeiro é o social. O preconceito e a intolerância estão sendo desconstruídos, sem dúvida. Os resultados estão aí. Já há novelas com personagens gays, já teve beijo lésbico em novela, o assunto está sendo muito falado por todas as mídias.

O segundo é o muro da escola. Este ainda está complicado. Você tem como exemplo o Kit anti-homofobia (do Ministério da Educação), que não foi aprovado. Quando vou fazer capacitação de professores, vejo a dificuldade que os profissionais têm. Não só por causa do preconceito internalizado e porque eles não têm conhecimento sobre o assunto, mas também porque não adianta nada o professor fazer algo que não envolva a comunidade. Se o professor falar de homossexualidade em sala de aula e o aluno contar em casa, no dia seguinte, pelo menos meia dúzia de mães estarão na diretoria. Mas existe um caminho que está sendo feito. Há escolas que ligam para mim, pedindo que eu faça a capacitação de professores, o que não ocorria há dez anos.

O terceiro é a família. Este mudou pouco.

O assunto ainda é tabu para as famílias…
É muito difícil para as famílias, porque o preconceito é internalizado em todos. Na família, entram também aquelas expectativas de ver a família aumentar, aquela característica humana de querer deixar alguma coisa. E tem também a vergonha do outro, que é muito forte. Tem ainda o sonho dos pais, que cai por terra. Na família, para falar a verdade, (o preconceito) diminuiu pouquíssimo.
Na sua pesquisa, a senhora identificou algum tipo de entrave para essa melhor aceitação por parte dos familiares de homossexuais. Por exemplo, a religião pode dificultar esse entendimento dos pais?
Sem dúvida. As famílias evangélicas têm mais dificuldade do que as outras. As famílias católicas fundamentalistas também têm dificuldades. Quanto mais fundamentalista a religião daquela família, mais dificuldade a família tem. A religião, sem dúvida, é um entrave. É o único que ficou patente na minha tese. A religião atrapalha.
Agora, em relação a outros fatores que pesquisei, como classe social, nível cultural, não consegui resultados que tenham um valor na pesquisa. Há mães que não estudaram nada e têm muita dificuldade de aceitação. Assim como há mães com doutorado que têm mais dificuldade ainda. O nível cultural e o social não influenciam muito.
Quantas mães e filhos foram ouvidos durante a elaboração da sua tese?
Passaram pela minha ONG (Grupo de Pais de Homossexuais) milhares de pais e mães ao longo de 20 anos.
Essa tese de doutorado é resultado de uma pesquisa de 20 anos?
Sim. Na verdade, fiz uma ponte entre o social e a academia, que é algo que acho que está faltando. Os pesquisadores ficam muito isolados na academia. Fiz o caminho inverso. Comecei o trabalho de campo, há 20 anos, e aproveitei esse trabalho para fazer a minha pesquisa acadêmica para o doutoramento.
A senhora se refere ao Grupo de Pais de Homossexuais.
Sim. Comecei essa ONG há 20 anos. Usei toda essa experiência. Na verdade, na minha tese, estou usando depoimento de 10 anos, mas tenho 20 anos de experiência no trabalho de campo.
Usei a teoria semiótica francesa, que tem um instrumental de análise muito bom, e usei este instrumental para trabalhar com todos esses depoimentos, que organizei de 2000 a 2010.
A senhora falou dos três muros: o social, a escola e a família. Disse que o preconceito está se desconstruindo na sociedade, que, de modo geral, tem se mostrado menos intolerante. Mas ao mesmo tempo que é possível identificar avanços, é possível também ver demonstrações explícitas de intolerância, como os ataques a homossexuais que vêm ocorrendo na região da Avenida Paulista, em São Paulo.
E o que tem a ver uma coisa com a outra? Então, o avanço que aparece na mídia trouxe consequências terríveis. A homofobia é uma doença. Eu tenho certeza. As pessoas homofóbicas quando percebem que está patente esse avanço, cometem atos desesperados. Matar uma pessoa com 20 facadas é um ato desesperado. Atentados físicos violentos em plena Avenida Paulista! São atos desesperados de pessoas doentes. Elas estão se vendo ameaçadas pelo avanço da aceitação social das diferenças. Quanto mais a aceitação social vai avançando, mais o ódio dessas pessoas com problemas vai ficando acirrado. É um ódio doentio.
Na avaliação da senhora, o discurso anti-homossexual que tem se propagado no meio político e religioso contribui para o aumento da intolerância, para o aumento dessas manifestações explícitas de ódio?
Principalmente das bancadas evangélicas, porque nós temos bancadas evangélicas muito poderosas que influenciam até nas atitudes do governo. O governo precisa de apoio para governar. Se a bancada evangélica fica tão poderosa, impede um governante de exercer o seu mandato. Ele fica intimidado.
Como é o trabalho que a senhora desenvolve na ONG? A senhora tem um filho homossexual…
Sim. Foi por isso que comecei esse trabalho. Hoje em dia, não tem mais a ver. Meu filho não tem perfil militante. Ele é professor da USP, cuida da vida dele. Tenho o maior orgulho.
Ao longo desses 20 anos de trabalho na ONG, a senhora notou pouca evolução no processo de aceitação da homossexualidade por parte dos pais…
Pouquíssima. É aquilo que falei, é o terceiro muro e é um muro de concreto. Neste ano, uma das nossas mães tentou o suicídio quando soube que o filho era gay. Há mães que ficam doentes. Essa semana, foi ao meu consultório uma mãe com o corpo todinho marcado, cheio de feridas. Somatizam, ficam doentes. É o preconceito internalizado. Vou te dar um exemplo que você vai entender, mas não vai conseguir explicar. Vamos imaginar que você esteja grávida. Você ainda não sabe se é menino ou menina. Você pensa o quê? É menino ou menina, tem saúde, é parecido com minha família, é parecido com a família do pai… Você pensa que há 10% de possibilidade de ser lésbica ou gay? Não pensa. Então está explicado. O preconceito está internalizado em nós. Para nós, ter um filho ou filha homossexual não é natural. Tanto é que a gente não pensa. Não foi naturalizada a possibilidade de se ter um filho gay. No entanto, todos nós temos essa possibilidade. Mas só os filhos dos outros podem ser homossexuais. Os nossos, não.
Para a senhora, o que significa o fato de uma tese sobre homossexualidade ganhar um prêmio acadêmico, justamente nesse contexto em que os casos de agressão a homossexuais têm acontecido com frequência?
Fiquei duplamente feliz justamente por isso. Primeiro, claro, porque não é fácil ganhar esse prêmio. Segundo, porque você está trabalhando com um assunto que não é bem vindo pela maioria. Quando se fala de homossexualidade, soltam-se os demônios. Os homossexuais são “safados”, “sem vergonha”, “pedófilos” e você está trabalhando com isso na academia. Ver o trabalho ser considerado o melhor na sua área tem um peso maior porque tem um peso político. 
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De repente, houve a possibilidade de uma tese sobre homossexualidade ser escolhida a melhor. Quer dizer que houve um contexto que já permitiu isso. Então, se houve um contexto que permite uma tese que fala de preconceito e intolerância em relação a homossexuais ganhar um prêmio desse é sinal de que há uma mudança grande que foi feita.

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Ana Cláudia Barros – Terra Magazine