Luis Soares
Colunista
Política 01/Set/2010 às 15:18 COMENTÁRIOS
Política

Tiririca: pior não fica?

Luis Soares Luis Soares
Publicado em 01 Set, 2010 às 15h18
Cacareco, vereador mais votado em 1959
Entra eleição, sai eleição, e a coleção de “cacarecos” dahistória política brasileira aumenta. Cacareco, um rinoceronte doZoológico de São Paulo, foi o “vereador” mais votado para a CâmaraMunicipal de São Paulo em 1959. Trinta anos depois, em 1988, foi a vezdo Macaco Tião, um chimpanzé do Zôo do Rio de Janeiro que ficou emterceiro lugar na eleição para a Prefeitura.

Eles representaram o desânimo do eleitor. Em 1959 a luta democráticaavançava, havia ainda algum eco da comoção popular provocada pelosuicídio do presidente Getúlio Vargas, a falsificação dos resultadoseleitorais ainda era muito comum, assim como o voto de cabresto eoutros inúmeros mecanismos ilegais para falsear a manifestação dasoberania popular nas urnas.

O lançamento do nome de Cacareco ocorreu em Osasco que era, na época,um bairro da zona oeste de São Paulo e cuja luta pela autonomiamunicipal esbarrava na oposição dos vereadores da capital. Lá, foramimpressas cerca de 100 mil cédulas eleitorais (na época eram oscandidatos e partidos que forneciam esse documento para o voto, e não aJustiça Eleitoral) em nome do símbolo do protesto. Quase imediatamenteo movimento se espalhou pela cidade de tal forma que, como registrou aedição da revista O Cruzeiro (uma espécie de Veja de então), o”candidato” teve uma média de 20 a 30 votos por urna, em todos osbairros. Foi, de longe, o mais votado, com quase 100 mil votos – maisdo que o partido que mais recebeu votos, que teve cerca de 95 mil, emuito mais do que o vereador com maior votação, que teve 11 mil.

Três décadas depois o Brasil vivia o primeiro ano da Constituição de1988 – que a direita conservadora classificou como um “desastre” –estava às vésperas da primeira eleição presidencial direta depois dojejum de 28 anos imposto pela ditadura militar (a última eleição foi ade 1960, que elegeu Jânio Quadros) e assistia ao início do embateaberto das correntes avançadas e progressistas contra o neoliberalismoque dava seus primeiros passos por aqui e o prestígio do governo dopresidente José Sarney era declinante em todo o país. 

Na eleição municipal daquele ano (que, em São Paulo, foi vencidapela candidata do PT, Luiza Erundina e, no Rio de Janeiro, por MarceloAlencar, do PDT) os humoristas do Casseta e Planeta, que tinham oprograma TV Pirata na Globo, lançaram a candidatura do Macaco Tião. Elefoi o terceiro mais votado, com 400 mil votos, ou 9,5% do total.

Depois da implantação do voto eletrônico, ficou impossível usar comoprotesto o voto nulo ou candidaturas falsas como estas do rinocerontepaulista e do chimpanzé carioca. O instrumento para a manifestação dodesencanto de uma parcela do eleitorado passou a ser veiculado, nestascondições, através da opção por candidaturas reais, com registro e tudomais, mas que a mídia e grande parcela do eleitorado consideraminusitadas. É o caso das candidaturas notórias, na eleição deste ano,de personalidades como o humorista e cantor Francisco Everardo OliveiraSilva, o “Titirica” (PR); da modelo e apresentadora de TV Suellem AlineMendes Silva, “Mulher Pêra” (PTN); e da funkeira carioca Tatiana dosSantos Lourenço, a “Tati Quebra Barraco” (PTC).

O caso mais notório é o do humorista Tiririca, cujas palavras de ordemganharam a boca do povo, como a que diz “Vote tiririca, pior do que está não fica. Apesar disso, o candidato não se

“Tenho que chegar lá com moral
apresenta como umaalternativa jocosa, humorística. Diz que, se eleito, vai ser deputadofederal como os demais. “Eu tenho que chegar lá com moral, paraconseguir as coisas, mas primeiro eu tenho que ganhar”, alcançar opoder para “fazer pelos outros”. Defende criminalizar o preconceitocontra os nordestinos (ele nasceu no Ceará), criar uma lei para”regulamentar os partos” e outra com “incentivos fiscais para circos”.

Assim, visto de perto, não é diferente de tantos candidatos que, dealguma forma exprimem a permanência de uma consciência política aindalimitada em fatias do eleitorado (e não só entre os mais pobres, masprincipalmente em extensas camadas da chamada classe média. Revelaproblemas sensíveis não só dessa “consciência média”, particularmentedos setores menos politizados e informados, mas também a sensibilidadedesse contingente da população à permanente campanha da mídia dospatrões pela desmoralização da política, do Congresso e da própriademocracia representativa. Finalmente – o que é o mais grave – põe a nuas mazelas do próprio sistema eleitoral.

A cada vez que um jornal, uma revista, um noticiário de televisão,mostram a imagem do plenário vazio da Câmara dos Deputados como exemploda falta de empenho e seriedade dos parlamentares no desempenho de seusmandatos, o resultado é a desmoralização daquela instituição e de seusmembros. A divulgação rotineira de escândalos de corrupção envolvendoparlamentares amplia aquele esforço de desmoralização, generalizandoinjustamente graves irregularidades cometidas por alguns parlamentarese que passam a marcar a imagem do conjunto da instituição, e a própriapolítica como atividade onde ocorre o entrechoque de programas para opaís e a defesa de interesses que não são pessoais, mas de classe.Difunde a imagem de que os políticos são poderosos, ricos e corruptos.De que os deputados não trabalham e defendem apenas seus interessespessoais.

Este fenômeno tem raízes na própria estrutura da luta políticanas democracias ocidentais. A prolongada crise vivida nas economiascapitalista centrais desde a década de 1970, e a saída neoliberalimplantada desde então, fez ruir a crença em projetos coletivosalternativos ao sistema capitalista, e colocou o indivíduo e suasvicissitudes no centro das inquietações.

O desencanto com a política, na Europa e nos EUA, traduz-se desde entãoem elevados níveis de abstenção eleitoral e no declínio eleitoral departidos tradicionais e daqueles com ligações com o movimento operárioe popular, levando a opções, muitas vezes, por saídas radicais dedireita, que também acabam enlameadas e alternam sucessos eleitoraiscom derrotas acachapantes.

No Brasil, o protesto parece ter outro significado: na maior parte dasvezes o protesto popular nas urnas ocorre nos momentos (como as décadasde 1950/60, de 1980 e, agora, nos anos Lula) em que, no conflito com asforças do progresso social, a direita e seus aliados ficam sem outrodiscurso a não ser o da desmoralização sistemática das instituiçõesdemocráticas. É o ovo da serpente que gesta o fascismo…

Mas há outro aspecto que precisa ser lembrado: as mazelas do sistemaeleitoral. No Brasil, tradicionalmente os eleitores votam em candidatose não em partidos, sistema que está na raiz desta forma de protestofocado em personalidades. E que expõe a urgência de uma reformapolítica que mude este quadro implantando o voto em lista e ofinanciamento público de campanha.

A direita e os conservadores têm urtigas quando se defende estaproposta que choca de frente com seus interesses: o voto em listareforça os partidos pois leva o eleitor a optar por um ou outro dosprogramas que os partidos defendem. E é uma prática com a qual a imensamaioria dos brasileiros está habituada: voto em lista é voto “emchapa”, como ocorre em eleições sindicais, em grêmios, entidadesestudantis e outras cujas diretorias são eletivas. Além de fortaleceros partidos, o voto em lista impede o uso de biombos personalistas oujocosos para esconder programas antipopulares que os partidos dadireita não podem apresentar abertamente.

O financiamento público de campanha é outro privilégio dos ricos queuma reforma política como esta eliminaria, promovendo uma igualdadeefetiva, pelo menos ao nível legal, entre todos os que concorrem aeleições, sejam ricos ou pobres. No formato atual, os candidatos ricosou ligados às classes dominantes ocupam pole positions dadas pelosrecursos fartos de que podem dispor. Os pobres dependem de empréstimos,doações e outras formas de obtenção limitada de recursos.

Este é o caldo de cultura onde vicejam os “cacarecos”, os “macacostiões” e, também, os “tiriricas”. Enquanto não mudar, eles terão espaçopara existir.  

José Carlos Ruy

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