Luis Soares
Colunista
Política 25/Ago/2010 às 21:15 COMENTÁRIOS
Política

Direita: À beira do precipício

Luis Soares Luis Soares
Publicado em 25 Ago, 2010 às 21h15
O tempo político transcorre, nos parlamentos, em ritmo mais lentodo que as mudanças vividas nas sociedades. Nas democracias de modeloocidental, estas casas são como sítios arqueológicos de correlações deforças que existiram no passado. Principalmente no Senado pois, naCâmara dos Deputados, isto é relativizado. Além da renovação a cadaquatro anos, ali existe a possibilidade da sintonia mais fina de muitosdeputados e partidos que fazem daquela Casa uma espécie de caixa deressonância das inquietações populares.

Já o Senado, com renovação mais lenta (os mandatos são de oito anos, eas eleições ocorrem a cada quatro anos, trocando 1/3 dos mandatos emuma e 2/3 em outra) e média de idade dos senadores mais alta, podefuncionar como um contrapeso para mudanças políticas maiores,contrapeso formado justamente pela permanência da correlação de forçasultrapassadas e que, devido aos longos mandatos de oito anos, mantémuma sobrevida em que o passado pode travar o futuro.

Este é o sentido da alteração dos objetivos eleitorais de demos etucanos que, segundo os jornais, jogaram a toalha nesta eleiçãopresidencial que as pesquisas de opinião dão como perdida para ocandidato da oposição José Serra. Passam a privilegiar a disputa para oSenado, como recomendam a seus correligionários caciques da direita, emparticular Fernando Henrique Cardoso e César Maia.

A escolha de novos senadores na eleição deste ano vai registrar oúltimo suspiro da conjuntura política de 2002 ao renovar os mandatos oumandar para casa os 54 mandatários eleitos naquele ano. Esta escolha sedará numa conjuntura nova e profundamente alterada pelas mudançasocorridas desde que o presidente Lula assumiu, em 2003. O temor docardinalato demo-tucano é perder aquelas posições que, fincadas nacorrelação de forças já ultrapassada de 2002, foram o bastiãoconservador contra as mudanças.

O ajuste da composição da Câmara dos Deputados e, principalmente, doSenado, com a nova correlação de forças que vai se constituindo, será -tudo indica – devastador para os partidos que formam o núcleo daoposição de direita, cujo desempenho é declinante desde 1998.

Declínio eleitoral

Em 1998 o então PFL (atual DEM) elegeu 90 deputados federais; foicaindo de eleição a eleição, chegando a 54 em 2006; calcula-se queagora elegerá, com sorte, 40 deputados federais, podendo perder ostatus de partido grande. O PSDB vive sorte semelhante: elegeu 83 em1998 e 56 em 2006, e há quem considere que, no máximo, vai manter essenúmero na eleição deste ano.

No Senado, o cenário se repete. O DEM que, como PFL, elegeu cincosenadores em 1998, passou para 14 em 2002, caiu para seis em 2006 e,este ano, poderá eleger entre quatro ou cinco. O PSDB, por sua vez,passou de quatro em 1998 para oito em 2002, cinco em 2006 e este anopoderá eleger sete.

No saldo final, segundo a consultoria Patri, os partidos que apoiam acandidatura de Dilma Rousseff poderão formar uma base parlamentar de342 deputados e 54 senadores, contra uma bancada da direita neoliberale conservadora de 135 deputados e 31 senadores. São números que, seforem confirmados pelas urnas, darão uma confortável maioriaparlamentar (2/3 nas duas casas legislativas) para o novo governo que,como as pesquisas indicam, será chefiado por Dilma Rousseff.

A reação da direita

Se a eleição deste ano terá uma particularidade, será a de registrar asmudanças ocorridas nos últimos oito anos. Elas são indicadas pelastendências que as pesquisas eleitorais mostram e também pelosmovimentos tectônicos que acometeram a oligarquia neoliberal, cujasbases que, no passado, foram verdadeiros currais eleitorais, hoje,migram para posições mais autônomas de afirmação democrática. Migraçãojá visível nas últimas eleições, fazendo minguar principalmente asbases do DEM, com ênfase no interior do Nordeste.

A campanha eleitoral apenas confirma essa tendência. Há aqueles quedesistiram de concorrer, como mostra o Diap (Departamento Intersindicalde Assessoria Parlamentar). O DEM é o partido que tem maior número dedeputados federais nessa situação pois temem o fracasso nas urnas. Dabancada de 56 deputados federais que o partido tem hoje, 13 desistiram.É um número alto: entre os 513 deputados que compõem a Câmara, apenas34 não vão concorrer este ano, e os demos constituem mais de 1/3 destenúmero.

Outro exemplo da derrocada ocorre em Pernambuco onde o tucanoinfiltrado no PMDB, o senador Jarbas Vasconcelos, candidato ao governodo Estado, foi literalmente abandonado pela maioria dos prefeitos que oPSDB tem no estado. Dos 17 prefeitos tucanos em Pernambuco, 14 apóiam acandidatura do governador Eduardo Campos (PSB) à reeleição. “Aqui”,reclama Jarbas, os tucanos “só têm criado dificuldade”.

Senha para o golpe

No passado, quando viveu situação semelhante, a resposta dosconservadores não veio através das urnas, mas do golpe de Estado. Aúltima eleição democrática ocorrida no Brasil antes de 1964 é umexemplo. Ela ocorreu em 7 de outubro de 1962 e confirmou a tendência deavanço político vivida desde o início da década de 1950, que setraduzia na diminuição da votação nos partidos conservadores e nogrande crescimento do Partido Trabalhista Brasileiro, que era então oestuário das esperanças de mudança. E também do voto nas coligações,configurando o fracasso da organização partidária montada para garantira hegemonia conservadora desde o final da ditadura do Estado Novo.

A eleição de 1962 revelou o crescimento mais acelerado do PTB emrelação aos partidos conservadores (Partido Social Democrático – PSD, eUnião Democrática Nacional – UDN). Entre a eleição de 1950 e a de 1962,o número votos do PSD cresceu 8% e da UDN, 23%. O PTB teve mais votosque a UDN (1,7 milhão contra 1,6 milhão dos udenistas) e um avanço de37% naqueles doze anos. Os votos em coligações explodiram: passaram de1,6 milhão em 1950 a 5,9 milhões em 1962, representando um crescimentode 277%.

A direita percebeu aqueles resultados como uma grave ameaça para seuspartidos (PSD e UDN), representada pelo fortalecimento da tendência deuma mudança profunda na correlação de forças. O presidente da Repúblicaera o petebista João Goulart, ligado aos sindicatos e sensível àsdemandas populares; e a luta por reformas sociais crescia,refletindo-se naqueles resultados eleitorais. O Brasil era outro, aindafortemente agrário, onde o poder das oligarquias latifundiárias eramuito forte e os avanços democráticos enfrentavam os obstáculosrepresentados pela aliança de proprietários que unia fazendeiros,banqueiros, industriais, parcela considerável do alto clero e da cúpuladas Forças Armadas, além de representantes do imperialismo.

Naquele quadro, a avaliação que o general Golbery do Couto e Silva fezdo resultado da eleição de 1962 foi uma espécie de senha para aarticulação golpista que levou à derrubada de João Goulart em 1964 e aoinício da ditadura que durou duas décadas. Ele enxergou uma tendência”comuno-petebista” que inviabiliza uma opção eleitoral para osconservadores, impondo uma saída à margem das instituições, comodeclarou ao jornal norte-americano The New York Times.

O fantasma de Hugo Chavez

Em nossos dias, a direita conservadora revive aquele mesmo desconforto,mas sua capacidade de ameaçar – e de mobilizar forças para transformarrosnados em fatos concretos – parece menor. À beira do precipício, acúpula do PSDB, partido do candidato neoliberal José Serra, deixa adisputa eleitoral em segundo plano e prioriza as eleições paragovernador em quatro estados (São Paulo, Minas Gerais, Paraná e Goiás)e para o Senado. Há mesmo, entre os tucanos, aqueles cujo realismosugere a avaliação pessimista da iminência do naufrágio do partido senão tiver sucesso nestas eleições para governadores.

A opção pelo Senado tem para eles o sentido estratégico de manter alisua trincheira contra as mudanças. Os jornais dizem que FernandoHenrique Cardoso tem sido claro a seus interlocutores dizendo queprecisam manter uma bancada de senadores capaz de ser um contrapesocontra as ações da Presidência da República. A experiência dos últimosoito anos mostra exatamente o que o ex-presidente tucano quer dizer:manter no Senado a capacidade para impedir as mudanças e uma tribunaatravés da qual possam difundir mentiras com o objetivo de mobilizar aparte da população sensível a seu discurso retrógrado.

Outro dirigente da direita que faz uma desenvolta defesa dessa opção éo ex-prefeito carioca César Maia, do DEM que, como FHC, brande comoameaça a imagem do presidente venezuelano Hugo Chávez – o demônio dahora da direita – e diz, claramente, que o “jogo” agora é “o controledo Senado”.

Além de manter a presidência da República e a perspectiva de continuare fazer avançar as mudanças iniciadas sob Lula, a eleição deste anoprecisa dar outro passo fortalecendo as forças da mudança na Câmara dosDeputados e no Senado, derrotando a direita e seu plano de preservarsua capacidade de criar obstáculos para o avanço social e democráticono Brasil.

José Carlos Ruy

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