Luis Soares
Colunista
Política 05/Ago/2010 às 00:12 COMENTÁRIOS
Política

Como o site Wikileaks está transformando a relação entre o conteúdo de internet e a mídia tradicional

Luis Soares Luis Soares
Publicado em 05 Ago, 2010 às 00h12
No domingo dia 25, o site Wikileaks vazou mais de 92 mil documentos referentes aos esforços da coalizão internacional durante mais os seis anos de guerra no Afeganistão. A reação foi variada. Alguns comentaristas políticos americanos disseram que o panorama apresentado pelos documentos, de um fracasso geral dos esforços da coalizão, já era conhecido e que o Wikileaks não trazia nada de novo. Outros compararam as novas informações ao episódio “Papéis do Pentágono”, quando o The New York Times publicou, em 1971, o conteúdo de documentos secretos do governo dos Estados Unidos sobre a participação americana na Guerra do Vietnã. O próprio fundador do Wikileaks, o australiano Julian Assange, disse que o acontecido era equivalente à abertura dos arquivos da Stasi, a famigerada polícia secreta da Alemanha Oriental.
Todos os lados exageram um pouco, mas a importância do feito do Wikileaks talvez esteja mais no método do que na substância dos documentos. Antes de colocar tudo no site, a equipe do Wikileaks deu a três publicações – o Guardian, o New York Times e a Der Spiegel – um mês de acesso exclusivo ao material para que pudessem analisar e interpretar o seu conteúdo. Isso é importante e marca um ponto de equilíbrio entre a “anarquia informativa” apresentada pela internet e a reputação e confiança com que os leitores investiram nesses veículos tradicionais ao longo de suas histórias. É quase como se Assange e sua equipe tivessem percebido que simplesmente soltar os documentos na internet não seria o suficiente, que em estado bruto as informações ficariam perdidas. A jogada foi apostar que somente jornalistas com profundo conhecimento das operações no Afeganistão poderiam contextualizar os dados contidos ali e partir deles gerar uma narrativa coerente.
Esse é um dos principais papéis do jornalismo na era da “montanha de dados” disponibilizada na internet. Se analisados sozinhos, os documentos de fato não trazem nada de explosivo sobre o curso da Guerra no Afeganistão. Contextualizados pelas três publicações, no entanto, acabaram por revelar o tamanho do fracasso das tropas. Os dados em si, soltos, precisaram ser reunidos e colocados em perspectiva.
Essa junção do conhecimento tradicional e da liberdade dos dados aponta para um futuro fascinante para o jornalismo.
Para que o fluxo de informações não pare é importante que os dados sejam mantidos em servidores em um país que os abrigue e proteja as fontes dos dados. Foi o que o Parlamento islandês fez no fim de junho ao aprovar uma lei desenvolvida em conjunto com o Wikileaks, a Iniciativa Islandesa pela Mídia Moderna (IMMI). A principal medida da lei determina que as comunicações entre jornalistas e suas fontes continuem legalmente protegidas e não possam ser interceptadas por agentes do Estado.
A Islândia pode parecer um lugar curioso para a promulgação da lei, mas um episódio ocorrido durante a quebra dos bancos do país ilustra bem a motivação dos parlamentares. Um documento da Wikileaks mostrava como acionistas do Banco Kaupthing, um dos principais do país, havia pilhado os cofres antes do colapso financeiro. O principal canal islandês recebeu uma ordem judicial impedindo a divulgação do documento minutos antes que um boletim fosse ao ar e os apresentadores disseram aos telespectadores que não podiam relatar tudo o que queriam. A solução foi simples. O canal passou a mostrar as páginas do site com a documentação. Mais uma união de sucesso entre a internet e jornalismo tradicional.
Felipe Marra Mendonça, em CartaCapital

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