Redação Pragmatismo
Terrorismo 21/Jul/2016 às 22:12 COMENTÁRIOS
Terrorismo

O que está por trás da ação “antiterrorismo” anunciada pelo governo Temer?

Publicado em 21 Jul, 2016 às 22h12

Pronunciamento confuso e suspeita de propaganda política: afinal, foram presos 10 terroristas ou 10 zé-manés? A maneira como a operação “antiterrorismo” foi conduzida e as explicações dadas sugerem que há outros interesses por trás que vão além da simples prevenção. Confira as várias perguntas que ficaram sem respostas

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(Imagem: Alexandre Moraes, ministro da Justiça)

A Polícia Federal prendeu nesta quinta-feira (21) dez brasileiros suspeitos de simpatizarem com grupos terroristas. Quem anunciou a operação foi o ministro da Justiça, Alexandre Moraes, através de um pronunciamento à imprensa.

Em seguida, ao ser confrontado por jornalistas em entrevista coletiva, a confusão de Moraes ao tratar da “ação antiterrorismo” gerou ainda mais dúvidas acerca das verdadeiras intenções por trás da operação. O ministro não conseguiu responder perguntas simples sobre as prisões.

A seguir, confira duas análises sobre o episódio e as perguntas que carecem de respostas:

Leonardo Sakamoto*

A menos que algum fato novo apareça, o governo brasileiro provocou um estardalhaço midiático, nesta quinta (21), pelo fato da Polícia Federal ter prendido dez zé manés suspeitos de simpatizarem com grupos terroristas.

Há quem diga que isso nos tranquiliza por mostrar que o governo é capaz de garantir a segurança e a integridade de atletas, jornalistas, visitantes e brasileiros durante os Jogos Olímpicos – a serem realizados no Rio, em agosto.

Na verdade, o que todo esse episódio mostra, e isso ficou evidente na entrevista coletiva do ministro da Justiça Alexandre de Moraes sobre o assunto, é que o país não faz a mínima ideia do que seja terrorismo. E de como combatê-lo. Mas agora vai usar o caso como carta branca para outras ações do tipo Minority Report baseadas na famigerada Lei Antiterrorismo.

Além disso, se o governo Michel Temer queria que a visibilidade de sua operação mostrasse ao mundo que estamos preparados para os Jogos (dúvida que ganhou força após o ataque que matou mais de 80 pessoas em Nice, na semana passada), o resultado pode ser o inverso.

O estardalhaço feito sobre evidências frágeis e a notoriedade dado a um grupo sem ligação comprovada com lideranças do terror tem um potencial nocivo. A divulgação gratuita obtida através de um caso como esse pode incentivar atentados reais por qualquer idiota que queira visibilidade – idiotas que podem não ter relação alguma com os fundamentalistas de sempre, mas agirem por conta própria guiados pelas ideias alheias ou por sua própria sede por sair da invisibilidade.

Se algo causa impacto, é claro que será copiado. E rapidamente, por conta da informação circulando em tempo real, seja via rádio e televisão, seja pela internet. Não estou jogando a culpa no mensageiro ou dizendo que o mimetismo é a causa das desgraças do mundo, mas temos certa parcela de responsabilidade quando transmitimos fatos acriticamente, como se notícias fossem neutras, não houvesse contexto social e todos os receptores da informação compartilhassem dos mesmos valores.

Por fim, vale sempre lembrar que podemos sofrer um ataque terrorista no Rio. É uma possibilidade. Mas, certeza mesmo, é que morremos diariamente pelas mãos do tráfico, da polícia ou da milícia. Nestes momentos, uma tristeza toma conta porque banalizamos a violência cotidiana a ponto de não render mais manchetes.

O governo usou um canhão para abater passarinho. Espero que não ajude a inflar os mesmos monstros que ele quer destruir.

*Leonardo Sakamoto é jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo

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Ivan Longo*, Revista Fórum

Não é de surpreender que, diante dos fatos ocorridos pelo mundo nos últimos anos, governos e chefes de estado se preocupem com a segurança da população e dos turistas em megaeventos, como é o caso dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. Talvez tenha sido essa a motivação do governo interino de Michel Temer, por meio de seu ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, ao deflagrar a operação que prendeu dez pessoas suspeitas de ligação com o grupo Estado Islâmico nesta quinta-feira (21). A maneira como a operação foi conduzida e as explicações dadas, no entanto, sugerem que há outros interesses por trás que vão além da simples prevenção.

De acordo com Moraes – que foi secretário de Segurança Pública de São Paulo e comandou uma série de operações questionáveis do ponto de vista dos direitos humanos –, os suspeitos já estão sendo investigados há algum tempo, mas a operação só foi divulgada nesta quinta-feira por “motivos de segurança”.

Na Europa e em países que costumam a ser alvo de ataques terroristas, quase todas as investigações relacionadas ao tema são mantidas em máximo sigilo para que as investigações não sejam atrapalhadas e também para não criar pânico na população. Ora, se era essa a linha de pensamento há até um dia atrás, por que resolveu-se midiatizar o episódio hoje?

A pergunta e torna mais relevante se levarmos em consideração uma outra colocação do ministro da Justiça. “São grupos amadores. Tudo leva a crer que eles jamais agiriam de maneira séria”. Se não são tão perigosos assim, como justificar as prisões e as conduções coercitivas, além da convocação de uma coletiva de imprensa para amplificar ainda mais as suspeitas? Investigações que envolvem a segurança nacional podem ser feitas dentro do mais absoluto sigilo. Não podem?

E mais: não é muita coincidência que um “assunto bomba” como esse repercuta justamente na semana em que está em evidência a fraude da pesquisa do Datafolha para beneficiar o presidente interino? Seria uma jogada de ‘timing político’?

Todas as prisões e conduções foram feitas com base em uma única “evidência” que tornaram, para a Polícia Federal, essas pessoas suspeitas: conversas em aplicativos de mensagens como WhatsApp e Telegram. Ora, esse não era o país em que juízes conseguem tirar o serviço desses aplicativos do ar como uma sanção por eles não fornecerem os registros de conversas dos usuários? A criptografia desses sistemas torna a recuperação do histórico praticamente impossível e nem mesmo agentes do FBI têm fácil acesso à essas informações.

Moraes, quando perguntado sobre isso, se enrolou e justificou dizendo que não pode explicitar os métodos de investigação e que há “outros meios” de se descobrir. A partir daí surgem ainda mais perguntas: temos na PF agentes mais qualificados ou tecnologia ainda mais avançada que as agências de inteligência mundiais para recuperar conversas criptografadas com tamanha facilidade? Estaria ele mentindo ou blefando? Se há “outros meios”, por que os juízes não acionam outras esferas da Justiça para dar seguimento às suas investigações e evitar a retirada desses serviços do ar como aconteceu essa semana?

As perguntas já são muitas, mas não param por aí. Por que as informações do ministro da Justiça e da Polícia Federal não batem? Na coletiva, Moraes afirmou que os dez presos eram um de cada estado. A PF, no entanto, informou que só em São Paulo foram presos quatro suspeitos.

À parte o desencontro de desinformações, há também no fato que tomou as manchetes dos jornais desta quinta-feira o uso e reforço de estereótipos e preconceitos alinhados a uma narrativa clássica e óbvia de “guerra ao terror”. Um dos suspeitos presos em São Paulo, conforme noticiado em matéria exclusiva da Fórum, era convertido ao islamismo e, de acordo com sua esposa, estava apenas em grupos de WhatsApp de aulas de árabe. Ele trabalha em uma funilaria com o pai para conseguir sustentar os dois filhos e ainda sugeriu que a polícia vasculhasse sua residência – já que foi apreendido na casa de sua sogra – para provar que não tem nada a dever. Brasileiro, convertido ao islamismo, “barbudo”, dá aulas de árabe: ingredientes perfeitos para criar o estereótipo de uma pessoa que teria ligações com grupos terroristas.

Mais curioso ainda é constatar que antes mesmo da prisão do jovem, na semana passada, a revista Veja já utilizava uma foto sua segurando o “estandarte negro”, uma das bandeiras do islamismo – que hoje foi apropriada pelo grupo terrorista – para associá-lo ao planejamento de atos criminosos.

E, claro, nessa história toda não podia faltar uma AK-47. Hoje esse tipo de armamento é facilmente encontrado para venda em favelas brasileiras e não é difícil se deparar com seu uso dentro do crime organizado. Associar um ataque terrorista ao uso de uma AK-47 soa um tanto quanto óbvio e cai como uma luva à narrativa do terror quando se noticia que os suspeitos estariam tentando comprar uma dessas no Paraguai – país que também tem tradição de ser, aqui no Brasil, associado ao crime. Até agora nem a tentativa e nem a compra foram confirmadas.

Cabe lembrar também da real possibilidade de o Brasil ser atacado pelo Estado Islâmico. O país não é signatário da coalizão internacional de combate ao grupo. Não somos, portanto, um alvo tão em potencial assim dos terroristas tendo em vista que seus ataques têm se limitado aos países quem compõem a coalizão.

Por fim, o efeito que essas narrativas todas causam também parece óbvio: o ódio e o preconceito. Não precisou de muito tempo para que veículos de imprensa começassem a chamar os suspeitos de terroristas, como se algo já estivesse comprovado. Um deles foi o G1, através do blog ‘Segurança Digital’, com a manchete: “Como o governo teria grampeado terroristas no WhatsApp?”.

*Ivan Longo é jornalista

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