Lula

Lula está sob cerco, e vai continuar

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Não dá pra entender a anomia da comunicação do governo federal, nem a ausência de convocação para a mobilização dos apoiadores

Imagem: Marcelo Camargo | ABr

Carlos Ferreira Martins*

Que para o governo Lula não valeria a tradicional trégua dos 100 dias nós todos já sabíamos e eu mesmo escrevi aqui. Ao terminar o terceiro mês de governo, ninguém sequer se lembra dessa civilizada prática das antigas democracias.

O governo federal é majoritariamente tratado – e não só na mídia corporativa – como se estivesse na tranquilidade do poder há mais da metade do mandato e não tivesse apresentado nenhum resultado ou novidade.

Parece que ninguém se lembra mais da tentativa de sublevação de 8 de janeiro. É fato que o golpe foi – por enquanto – frustrado, mas não é menos verdade que contava com apoio econômico, político e militar apenas momentaneamente contornados.

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Aos que pregam que Lula acredita estar em 2003 e não percebe como o mundo mudou em duas décadas, pode-se perguntar qual o presidente que teve que negociar uma PEC orçamentária antes mesmo de tomar posse? Ou qual o presidente que teve que demitir o comandante chefe do Exército com menos de um mês de mandato?

Muito mais do que boa parte de seus apoiadores, ele tem absoluta consciência de que terá que conviver com um Congresso marcado pela gula de um centrão a quem o anterior presidente terceirizou a iniciativa parlamentar e pelo significativo crescimento de deputados e senadores de extrema-direita, que engrossam as tradicionais bancadas BBB (do Boi, da Bala e da Bíblia) com expoentes do bolsonarismo raiz como Damares, Pazuello ou Mourão.

Em nenhum momento o presidente fez questão de esconder as orientações a seus ministros, tanto para evitar o anúncio de medidas ou propostas ainda não passadas pelo crivo da avaliação política quanto da necessidade de reconhecer a legitimidade dos mandatos parlamentares.

Não é provável que Luiz Inácio tenha mudado de opinião sobre os trezentos picaretas com anel de doutor. Mas sua experiência e realismo político sabem que para entregar os seus compromissos com a população, que a mídia corporativa rebaixa deliberadamente a “promessas de campanha”, ele precisa negociar.

Mas ele também sabe que para negociar é preciso pressionar. E que ninguém em seu governo tem mais legitimidade do que ele próprio para isso. Esse é certamente o sentido da resposta que deu aos que argumentavam que não combinava com a liturgia do cargo reclamar publicamente das escorchantes taxas de juros.

“Se eu que fui eleito não puder falar, quem vou querer que fale por mim? O catador de material reciclável?”. A frase, na posse de Mercadante na presidência do BNDES, vale por todo um tratado de política que os jornalistas amestrados pelo mercado são incapazes de entender. Ou fingem que não entendem.

Lula, que obviamente não é infalível, sabe bem quem é e o que representa. Sabe bem que era o único capaz de derrotar o Bolsonaro anabolizado pela cumplicidade parlamentar com suas infrações orçamentárias; pelo medo do Judiciário; pelo golpismo ativo ou omissivo do estamento militar e pela indisfarçada torcida do “mercado”.

Sabe que é o único capaz de mobilizar apoios à altura das muralhas que precisa enfrentar. Economistas de várias formações, líderes empresariais, autuaristas brasileiros e estrangeiros fizeram coro à afirmação presidencial de que não há razões estruturais para que o Brasil pague a maior taxa de juros real do planeta.

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Até um prêmio Nobel de economia, Josef Stiglitz, declarou que a taxa praticada pelo Banco Central é “chocante” e capaz de “matar qualquer economia”. Como temos visto, o presidente do Banco Central sorriu e acenou e a ata do COPOM subiu a aposta, mantendo a taxa e ameaçando com a possibilidade de um aumento.

Enquanto os jornalistas amestrados insistem na fantasia da “posição técnica” do Banco Central, os 82 operadores da Faria Lima ouvidos pela pesquisa da Genial/Quaest dão a real, garantindo a Bob Campos Neto a liderança disparada como o “líder político” merecedor de mais confiança, com portentosos 68% de “muita confiança”, deixando longe os 40% de Tarcísio e Zema.

Não há dúvida de que Lula continuará acuado. Só não dá pra entender a anomia da comunicação do governo federal nem a ausência de convocação para a mobilização de seus apoiadores.

Afinal, Lula ganhou por pequena margem, mas ganhou. E não fez “promessas”, assumiu compromissos. Que não poderá cumprir sem apoio e mobilização.

*Carlos Ferreira Martins é professor titular do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP São Carlos.

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