ELEIÇÕES 2022

Damares admite não ter provas dos relatos chocantes: “Conversas que ouvi na rua”

Share

Ao perceber que se colocou numa situação em que pode ser responsabilizada tanto se tiver mentido como dito a verdade, Damares Alves tenta justificar pela primeira vez relatos chocantes: "Conversas que ouvi na rua". Apuração mostra que fala da ex-ministra pode ter origem nos chamados 'chans': submundo da web que abriga o esgoto da extrema-direita

Damares Alves (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

A ex-ministra Damares Alves admitiu nesta quinta-feira (13) que não tem provas sobre os relatos chocantes que fez a respeito de crianças na Ilha do Marajó, no Pará. “O que eu falo no vídeo são as conversas que ouvir nas ruas. Eu não tenho acesso, os dados são sigilosos”, afirmou ela.

“Isso tudo é falado nas ruas do Marajó. No começo do meu vídeo eu falo Marajó, porque é onde a gente começou o programa. Mas o tráfico de crianças acontece na fronteira. Essa coisa de que as crianças quando saem, saem dopadas, e seus dentinhos são arrancados onde elas chegam, a gente ouve nas ruas”, continuou ela.

A declaração da senadora eleita pelo Distrito Federal ocorreu em entrevista à Rádio Bandeirantes, e o registro foi feito pelo jornal O Globo. Na última semana, Damares Alves afirmou, durante um culto religioso em Goiânia, que crianças estavam tendo os dentes arrancados “para não morderem na hora do sexo oral”. Diversas crianças participavam do culto e ouviram a fala chocante.

Na terça-feira (11), a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) determinou que o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos informe detalhadamente, em até três dias, todos os casos de denúncias recebidas pela pasta desde 2016 que envolvem tráfico de crianças e estupro de vulneráveis. No mesmo dia, a Procuradoria-Geral da República (PGR) recebeu um pedido de investigação sobre possível prevaricação da ex-ministra.

O que Damares disse exatamente

“Eu vou contar uma história para vocês, que agora eu posso falar. Nós temos imagens de crianças brasileiras de três, quatro anos que, quando cruzam as fronteiras, os seus dentinhos são arrancados para elas não morderem na hora do sexo oral”, relatou. Ela disse ainda que as meninas e meninos comem comida pastosa “para o intestino ficar livre na hora do sexo anal”, afirmou a ex-ministra.

Além disso, segundo a senadora eleita, as crianças da Ilha de Marajó são traficadas para o exterior e que “explodiu o número de estupros de recém-nascidos”, relatando os preços dos supostos crimes.

Falas de Damares não se encaixam em denúncias

O Ministério Público Federal (MPF) do Pará afirmou hoje, por meio de nota, que nenhuma denúncia feita ao órgão nos últimos 30 anos sobre tráfico de crianças na Ilha de Marajó (PA) é semelhante “às torturas citadas” pela ex-ministra e senadora eleita Damares Alves (Republicanos-DF).

De acordo com o órgão, de 2006 a 2015, em três inquéritos civis e um inquérito policial instaurados a partir de denúncias sobre supostos casos de tráfico internacional de crianças que teriam ocorrido desde 1992 no arquipélago de Marajó, no Pará, nenhuma das denúncias mencionou nada semelhante às torturas citadas pela ex-ministra Damares Alves no último dia 8.

Além disso, o MPF disse que os relatos que não tratam de tráfico infantil foram encaminhados ao Ministério Público do Estado do Pará (MPPA), que ontem pediu para o Ministério da Mulher, da Família e dos Direito Humanos compartilhar as denúncias que suportam as falas de Damares, para que os crimes sejam investigados.
O MPF do Pará disse estar aguardando informações da pasta à qual a senadora eleita pertenceu. “Até o início da tarde desta quinta-feira o Ministério não havia apresentado resposta.”, afirmou.

A Polícia Civil do Pará disse ontem não ter “nenhum registro referente aos modos de atuação descritos pela ex-ministra” e encaminhou “ofício solicitando documentos e mídias citadas” por Damares para iniciar “de forma urgente investigação sobre os fatos relatados”.

Nos últimos dias, as afirmações da senadora eleita fizeram com que ela se tornasse alvo de pedidos de esclarecimentos do MPF (Ministério Público Federal) e a PGR (Procuradoria-Geral da República) foi acionada contra ela, já que ela estaria como ministra na época dos crimes relatados por ela.

Submundo da internet

Relatos iguais aos de Damares são propagados desde 2010 nos chamados ‘chans’ — fóruns clandestinos da ‘dark web’ que propagam o esgoto da extrema-direita. O jornalista Joel Pinheiro acredita que essa tenha sido a origem do relato da ex-ministra.

“É uma ideologia extremista que busca divulgar e promover a histeria com os casos mais escabrosos possíveis, muitas vezes sem evidência nenhuma. Damares não quer admitir que a denúncia é falsa, pois irá mostrar que não foi uma “ministra séria. Não acredito que essas histórias específicas sobre Marajó irão aparecer em nenhum relato ou denúncia sérios. Acredito que vamos descobrir que isso veio da rede de esgoto online das fake news extremistas que são do bolsonarismo, mas não só dele, são de uma extrema direita mundial que se utiliza das mesmas práticas”, diz.

“Essa história, do jeito que está colocada, só piora. Uma ministra que recebe informações nas ruas de que crianças estão tendo os seus dentes arrancados para fazer sexo oral deveria ter colocado alguém para investigar”, disse Leonardo Sakamoto.

“É fato que a exploração sexual de crianças e adolescentes existe e é forte na região Norte. Então, a pergunta é: por que ela não informou antes? Se ouviu, ela tinha que ter movido algo. Se não moveu, a ministra passou pano para bandido”

“Minta. Muito. Sempre. E com convicção profunda, histérica. Fale das piores perversidades sexuais com a naturalidade de uma respiração artificial. Cause medo para oferecer proteção. Ou o TSE e o PGR exigem provas das atrocidades ditas, ou muito em breve as instituições perderão sentido. O método Damares Alves é a naturalização da barbárie, a perversidade tornada sistema, a corrupção da alma e da máquina administrativa”, observou o professor João Cezar de Castro Rocha.

O relato ‘chocante’ de Damares foi feito em um contexto eleitoral, onde a ex-ministra pedia votos para Jair Bolsonaro.

A propósito:

→ SE VOCÊ CHEGOU ATÉ AQUI… considere ajudar o Pragmatismo a continuar com o trabalho que realiza há 13 anos, alcançando milhões de pessoas. O nosso jornalismo sempre incomodou muita gente, mas as tentativas de silenciamento se tornaram maiores a partir da chegada de Jair Bolsonaro ao poder. Por isso, nunca fez tanto sentido pedir o seu apoio. Qualquer contribuição é importante e ajuda a manter a equipe, a estrutura e a liberdade de expressão. Clique aqui e apoie!