Armas de Fogo

Assassinato de campeão mundial de jiu-jítsu por PM de folga é a ponta do iceberg

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Pátria armada: o assassinato de um campeão mundial de jiu-jítsu mostra que ninguém está salvo em um país engatilhado até a alma. Se um agente de segurança, que em tese deveria saber como (não) usar sua arma em um dia de folga, representa um risco a quem cruzar seu caminho, o que dizer do exército particular de atiradores que se multiplicou no Brasil e já anda normalmente pelas ruas com seu arsenal?

O atleta Leandro Lo (esq) e o PM Henrique Velozo (dir)

O policial militar Henrique Velozo assassinou covardemente o oito vezes campeão mundial de Jiu-Jítsu Leandro Lo na madrugada do último domingo (7). O tenente da PM deu um tiro na cabeça do atleta e fugiu da cena do crime, mas se entregou horas mais tarde e está preso temporariamente no presídio militar Romão Gomes, em São Paulo.

Após audiência de custódia nesta segunda-feira (8), a Justiça manteve a prisão temporária de 30 dias do policial, que estava de folga quando cometeu o crime. Segundo informações da Secretaria de Segurança Pública (SSP), o PM foi indiciado por homicídio qualificado por motivo fútil.

A investigação preliminar aponta que o PM, que também praticava jiu-jítsu, tinha inveja do atleta. O advogado da família de Leandro Lo, Ivã Siqueira Junior, afirma que, segundo testemunhas, os dois se desentenderam após Henrique Velozo entrar na roda de amigos de Lo, pegar uma garrafa de bebida e começar a chacoalhá-la. Ele estaria encarando o lutador, como forma de provocação.

Lo teria, então, derrubado o homem e o imobilizado. Outras pessoas se aproximaram e separaram a briga, sem ter havido agressões, segundo relatos de testemunhas. Após serem separados, o tenente da PM sacou uma arma e, de frente para Lo, atirou uma única vez na cabeça do lutador, que foi atingido na testa. O atirador teria ainda chutado duas vezes a cabeça de Lo, enquanto este estava caído no chão, segundo colegas do campeão mundial.

Lo chegou a receber os primeiros socorros de um médico no local, que buscou reanimá-lo e, em seguida, foi levado ao Hospital Municipal Dr. Arthur Ribeiro de Saboya, na zona sul de São Paulo.

Pátria armada

“Um mês após o homicídio do tesoureiro petista em sua festa de aniversário em Foz do Iguaçu, o assassinato de um campeão mundial de jiu-jítsu mostra que ninguém está salvo em um país armado até a alma”, observa o jornalista Matheus Pichonelli.

“Se um agente de segurança, que em tese deveria saber como (não) usar sua arma em um dia de folga, representa um risco a quem cruzar seu caminho, o que dizer do exército particular de atiradores, caçadores e colecionadores que se multiplicou no país e já anda normalmente com seu arsenal por caminhos que nada tem a ver com clubes de tiro ou locais de caça?”, questiona o jornalista.

Um levantamento recente da Folha de S.Paulo, com base em boletins de ocorrência da Polícia Rodoviária Federal, revelou que é cada vez mais comum encontrar armamentos do tipo entre pessoas que cruzam as estradas do país — há flagrantes de pessoas autuadas com armas após consumirem drogas e bebida alcoólica.

“Na prática, até o choro de uma criança pode resultar em uma carnificina. Em Teresina, dois cunhados, um deles atirador, se mataram após uma discussão que acabou em troca de tiros. Uma das balas alvejou a babá da criança. Ela ficou dias internada e morreu na segunda-feira”, lembra Pichonelli.

Pelo Brasil, o que não faltam são indícios de que a liberação das armas de fogo por Jair Bolsonaro tem beneficiado grupos criminosos que encontraram por vias legais um modo mais simples e mais barato para impor na bala a sua própria lei. Em julho, um integrante do PCC com 16 processos na Justiça não teve qualquer dificuldade para obter seu registro de atirador com o Exército e comprar um fuzil e outras peças.

Mãe de Leandro Lo

O corpo de Lo foi sepultado nesta segunda-feira (8) no Cemitério do Morumby, na zonal sul da capital paulista. A pedido da família, como forma de homenagem, diversas pessoas compareceram vestindo quimonos de diferentes cores e academias. Estiveram presentes familiares, amigos e admiradores do lutador.

A mãe do atleta prestou uma homenagem nas redes sociais, onde escreveu: “Meu herói, lindo da mãe! Você foi um presente de Deus na minha vida. Vou sentir tua falta, tá faltando um pedaço de mim. Te amo eternamente, filho amado. Guardarei as lembranças boas que foram muitas. Você fazia eu me sentir a mãe mais amada do mundo. Muito obrigado pelo seu amor, seu cuidado. Te amo muito, saudade eterna”.

Leandro Lo tinha 33 anos de idade e, além dos oito campeonatos mundiais, foi campeão nos torneios sul-americano, Copa Mundial e nos campeonatos pan-americano, brasileiro e europeu.

A Confederação Brasileira de Jiu-Jítsu prestou condolências à família. “Lo foi um dos maiores atletas que nosso esporte já produziu. Um exemplo de atleta, verdadeiro faixa-preta, artista marcial e campeão dentro e fora dos tatame”, pontuou

“A influência global, paixão e dedicação de Lo ao Jiu-Jitsu serão para sempre lembradas em nossos corações, e homenageadas pelo grande campeão e pessoa que ele foi.”, complementa o texto.

Após a morte do lutador, veículos de imprensa do mundo inteiro abordaram o assunto, como a BBC, do Reino Unido — que o classificou como “um dos mais bem sucedidos atletas da história do jiu-jítsu — e o New York Post, dos Estados Unidos.

Histórico do policial Henrique Velozo

O tenente Henrique Velozo já tinha no histórico o envolvimento em outra confusão há cinco anos. Na época, ele foi acusado por outros policiais de agressão e desacato em uma casa noturna da capital paulista.

Segundo a denúncia recebida pela 1ª Auditoria da Justiça Militar, no dia 27 de outubro de 2017, por volta das 4h20, Velozo estava na casa noturna The Week, na Lapa, zona oeste, de folga, quando praticou violência contra outro oficial de nível hierárquico inferior, ao desferir socos em um soldado que havia sido chamado para atender a uma ocorrência no local.

“Em dado momento, o soldado se afastou do denunciado e esticou o braço, em nítida intenção de mantê-lo a distância. Neste instante, o tenente Velozo desferiu um soco no braço do soldado. Em seguida, o denunciado desferiu outro soco, visando acertar o rosto soldado”, cita trecho da denúncia.

Se mostrando “exaltado” e “nervoso”, Velozo teria então passado a agredir verbalmente um outro tenente que chegou ao local, dizendo: “você é meu recruta”, “seu covarde”, além de diversos palavrões.

O Ministério Público optou pela condenação de Velozo por ter praticado violência contra inferior, pelos socos dados contra o soldado, e por desacato. No entanto, o tenente foi absolvido das duas acusações.

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