Saúde

Argentina registra primeiro caso de ‘hepatite misteriosa’ na América Latina

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Hepatite aguda grave de origem desconhecida está atingindo crianças e adolescentes previamente saudáveis. Países europeus foram os primeiros a detectar a doença e a Argentina acaba de confirmar o primeiro caso na América Latina. Cerca de 10% das crianças já diagnosticadas precisam de um transplante de fígado. Mãe alerta para sinais da doença após filha saudável ser diagnosticada

Primeiros casos de hepatite aguda desconhecida foram detectados no Reino Unido. Argentina registrou primeiro paciente nesta semana

A Argentina confirmou nesta quarta-feira (4) um caso de hepatite aguda grave em um paciente de oito anos. O menino está sendo atendido em um hospital pediátrico de Rosário, a cerca de 300 km de Buenos Aires. Este é o primeiro caso da doença na América Latina.

No mês passado, a OMS (Organização Mundial da Saúde) emitiu um alerta sobre essa hepatite desconhecida, que está atingindo crianças e adolescentes previamente saudáveis. Ontem, a instituição informou que 228 casos foram registrados em ao menos 20 países, principalmente na Europa. De acordo com a OMS, cerca de 10% dessas crianças precisaram de um transplante de fígado e há o registro de pelo menos uma morte.

O país com mais registros é o Reino Unido, que informou que a condição não está relacionada com a vacina contra covid-19, como espalhado por negacionistas nas redes sociais. Nenhum dos pacientes no país havia sido imunizado contra a doença porque eram jovens demais para receber as doses.

A hepatite é uma inflamação do fígado geralmente causada por uma infecção viral. Mas a doença também pode ser provocada pela exposição a alguns produtos químicos, consumo excessivo de álcool, drogas e certos distúrbios genéticos.

Segundo a OMS, as investigações ainda estão em andamento para descobrir o agente causador do que, neste momento, a entidade classifica como “hepatite aguda de etiologia desconhecida”. Entre as hipóteses para a causa da doença, estão a infecção por um adenovírus ou outro tipo de agente. Os pesquisadores investigam ainda a possibilidade de o problema ser uma sequela da covid-19.

Suspeitas

Embora a síndrome atinja pacientes de até 16 anos de idade, a maioria dos casos está na faixa de 2 a 5 anos. O quadro das crianças europeias é de infecção aguda. Muitos apresentam icterícia, que, por vezes, é precedida por sintomas gastrointestinais – incluindo dor abdominal, diarreia e vômitos -, principalmente em pequenos de até 10 anos. A maioria dos casos não apresentou febre.

Em caso de suspeita, recomenda-se fazer testes de sangue (com experiência inicial de que o sangue total é mais sensível que o soro), soro, urina, fezes e amostras respiratórias, bem como amostras de biópsia hepática (quando disponíveis), com caracterização adicional do vírus, incluindo sequenciamento.

Vale reforçar que medidas simples de prevenção para adenovírus e outras infecções comuns envolvem lavagem regular das mãos e higiene respiratória.

Especialistas acreditam que o agente causador da doença seja um adenovírus que é transmitido por contato ou pelo ar. Embora seja atualmente uma hipótese como causa subjacente, ele não explica totalmente a gravidade do quadro clínico. A infecção com adenovírus tipo 41, o tipo de adenovírus implicado, não foi previamente associada a tal apresentação clínica.

Os adenovírus são patógenos – organismos que são capazes de causar doença em um hospedeiro – comuns que geralmente causam infecções autolimitadas. Eles se espalham de pessoa para pessoa e mais comumente causam doenças respiratórias, mas dependendo do tipo, também podem causar outras doenças, como gastroenterite (inflamação do estômago ou intestinos), conjuntivite (olho rosa) e cistite (infecção da bexiga).

Segundo a OMS, há mais de 50 tipos de adenovírus imunologicamente distintos que podem causar infecções em humanos. O adenovírus tipo 41 geralmente se apresenta como diarreia, vômito e febre, muitas vezes acompanhados de sintomas respiratórios. O potencial surgimento de um novo adenovírus ainda está sendo investigado.

Mãe faz alerta

A norte-americana Stefanie Cunha contou que a filha de 3 anos precisou de um transplante de fígado de urgência após os exames apontarem para insuficiência hepática. O caso ocorreu em julho do ano passado e não faz parte da atual ‘onda’, mas as causas continuam sendo um mistério até hoje. Na época, a menina testou negativo para covid-19 e outros vírus.

Ao jornal NBC News, a mãe da criança disse que a filha estava saudável até notar ela cansada e sem apetite. “Então notei que a parte branca dos olhos dela estava ficando amarela e pensei: algo está errado”.

A mãe, então, correu para o pediatra, que fez um exame de sangue. O resultado apontou hepatite e o médico alertou que a função hepática da menina estava começando a falhar. Ela foi internada e precisou de um transplante semanas depois.

O médico que atendeu a filha de Stefanie, Dr. Sheetal Wadera, diretor médico de transplante de fígado da Phoenix Children’s, do Arizona, relatou à NBC News que começou a ver um ligeiro aumento nos casos inexplicáveis ​​a partir do início deste ano. Mas, segundo ele, nenhum caso foi relatado oficialmente pelo Departamento de Serviços de Saúde do estado.

Esses casos agora estão sendo analisados para procurar possíveis ligações com o atual surto. “Na medicina, é muito útil quando descobrimos padrões e somos capazes de fazer diagnósticos unificadores”, disse o médico.

Os Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC) emitiram alerta no fim do mês passado para médicos em todo o país, notificando-os sobre um conjunto de casos de hepatite grave e inexplicável em crianças pequenas saudáveis.

Os sintomas da hepatite são amplos e se sobrepõem a muitas doenças comuns. Uma criança com hepatite pode apresentar febre (baixa ou mais significativa), fadiga, dores articulares ou musculares, perda de apetite ou náuseas, diarreia e vômitos.

“As crianças também podem ter dor ou sensibilidade abdominal, particularmente no abdome superior direito, que é onde o fígado está localizado”, disse Weymann. É importante procurar atendimento médico urgente sempre que uma criança mostrar sinais de dor intensa quando seu abdômen for tocado.

Os médicos podem considerar outras possíveis causas de dor abdominal, como apendicite. Algumas crianças podem ter urina mais escura ou fezes pálidas ou cor de barro. A icterícia ou amarelecimento da pele e dos olhos é um sinal característico de hepatite – embora seja possível ter inflamação significativa do fígado e não mostrar sinais de icterícia.

“A primeira mudança está nos olhos: a parte branca começa a parecer amarela”, disse Weymann. Ele observou que pode ser mais difícil detectar icterícia em crianças que têm pele mais escura, então os pais devem levar a sério as mudanças sutis no tom. “Normalmente, não se verá icterícia ‘dramática’ até que a inflamação ou disfunção do fígado já tenha progredido bastante”, disse o médico.

Casos no Alabama (EUA)

Entre outubro de 2021 e fevereiro de 2022, nove crianças com idades entre 1 e 6 anos no Alabama foram internadas no hospital com hepatite aguda. Dois transplantes de fígado foram necessários.

No Alabama, todas as nove crianças testaram positivo para adenovírus. E dos cinco casos que foram sequenciados geneticamente, todos tinham adenovírus tipo 41, que normalmente causa vômitos e diarreia. A maioria das crianças afetadas na Grã-Bretanha, embora não todas, também testaram positivo para adenovírus.

“É interessante que estamos vendo isso apenas em crianças com menos de 10 anos, o que significa que a maioria das pessoas com mais de 10 anos tem imunidade ao adenovírus, e pode ser por isso que essa hepatite está aparecendo em crianças pequenas”, disse Jennifer Lighter, especialista em doenças infecciosas pediátricas e pesquisadora em saúde pública hospitalar em Nova York.

No entanto, médicos e autoridades de saúde sabem que a infecção por adenovírus pode causar inflamação no fígado. Isso não é novo. O que é incomum é que crianças pequenas saudáveis fiquem tão repentinamente doentes, e é por isso que as autoridades de saúde pública continuam a investigar outras possíveis causas subjacentes.

com informações da NBC, da EFE e do NYT