Mulheres violadas

O patriarcado é uma criação histórica que surgiu há 2.500 anos

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Pesquisadora da UFSC revela que a primeira forma de patriarcado surgiu entre os anos de 800 a.C. e 500 a.C. Apenas em 1970 o movimento feminista deu o contorno que se tem hoje sobre o assunto, de que a estrutura social coloca a figura masculina como uma fonte de poder e a figura feminina como reflexo da fragilidade e da submissão

Templo de Apolo, construído no período Arcaico (Imagem: Francesco Pecci | Shutterstock)

Antoniele Luciano, ECOA

Um sistema de relações sociais no qual prevalece a dominação masculina. Assim pode ser descrito o patriarcado, uma construção diretamente ligada à desigualdade de gênero mundo afora. Segundo um relatório global divulgado neste ano pela Equal Measures 2030, mais de 3 bilhões de meninas e mulheres ainda vivem em países com declínio ou estagnação no avanço em índices de gênero relacionados aos Objetivos de Desenvolvimento Social (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU).

O Brasil é um deles. Ocupando a 78ª posição no ranking que mede o progresso mundial em direção à igualdade de gênero e com 66,4 pontos nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), o país segue atrás dos vizinhos Uruguai (31%), Argentina (44º), Chile (49º) e Paraguai (74º). Em 2019, estava em 77º lugar.

Nesse cenário de disparidades, o sistema patriarcal não traz prejuízos apenas para mulheres, mas para a toda a sociedade. As consequências envolvem a esfera pública e privada, da representação política à educação. Mas como esse sistema se caracteriza? Quais são esses impactos sociais provocados pelo patriarcado? Ecoa conversou com especialistas para explicar essas e outras questões sobre o assunto.

O que é patriarcado e como ele surgiu?

Patriarcado é uma criação histórica desenvolvida por homens e mulheres em um processo que levou 2,5 mil anos para ser concluído, explica a professora Teresa Kleba Lisboa, pesquisadora do Instituto de Estudos de Gênero (IEG) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Segundo ela, foi no Período Arcaico (entre os anos de 800 a.C. e 500 a.C.) que a primeira forma de patriarcado surgiu: eram as famílias nas quais o homem mais velho, o patriarca, era quem controlava o poder de toda uma linhagem.

Letícia Kreuz, presidente do Instituto de Política por.de.para Mulheres e professora do Departamento de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), acrescenta que o termo patriarcado passou a ser usado para designar essa dominação a partir da década de 1970. Ela observa que foi o movimento feminista que deu o contorno que se tem hoje sobre o assunto, de que a estrutura social coloca a figura masculina como uma fonte de poder e a figura feminina como reflexo da fragilidade e da submissão.

Como o sistema patriarcal se caracteriza?

De acordo com Letícia, na prática, essa dominação exercida pelo masculino aparece disfarçada em torno de supostos “papéis”, “características biológicas” e “sensibilidade feminina”, contraposta à “virilidade” e “força masculina”. Essas diferenças, por sua vez, acabam levando à exclusão das mulheres das esferas de poder. “Fomos afastadas dos processos decisórios, inferiorizadas na distribuição de papéis sociais, tornadas inaptas às funções públicas e restritas ao universo doméstico por muitos anos”, frisa Letícia.

Como é possível perceber a manifestação desse sistema na sociedade?

Um exemplo de como esse sistema opera hoje é a quantidade de times de futebol em crise no país e a maneira como dirigentes são tratados, a depender de seu gênero, comenta Letícia Kreuz. “Basta observar o caso de Leila Pereira, dirigente do Palmeiras, um clube com excelente desempenho, mas que, com pequenos deslizes, vem a ser extremamente questionada. Isso acontece quando ingressamos na política, quando nos destacamos nos nossos trabalhos ou questionamos o mito da maternidade — uma consequência direta do patriarcado, que nos diz que ‘temos que ser mães ou nossa existência é incompleta”, completa.

As críticas recentes feitas à cantora Anitta, que chegou a ter a música mais ouvida em uma plataforma de streaming, também são um retrato do patriarcado no dia a dia, acrescenta a professora. “Uma mulher que batalhou para alcançar o espaço de destaque no Brasil e fora, sendo questionada sobre ‘abusar da sexualidade’ — algo que sempre foi explorado pelo patriarcado. Não importa o que as mulheres façam, sempre há o que se criticar e se apontar pelo simples fato de serem mulheres”, completa.

Quais os impactos do patriarcado?

Para a professora Teresa, os impactos do patriarcado podem ser vistos globalmente na forma como as mulheres são exploradas pelo sistema capitalista, em especial no quesito desigualdade salarial. “Elas são as que assumem mais tarefas na divisão sexual do trabalho e as que mais assumem cargos com baixos salários, como faxineiras, lavadeiras, diaristas, entre outros”, destaca.

Ao mesmo tempo, a professora analisa que as mulheres também são as maiores vítimas de violência, considerada uma forma de terror para manter a ordem. O feminicídio, nesse contexto, constitui a expressão extrema dessa força patriarcal. “Além disso, são as mulheres negras e indígenas que sofrem mais preconceito, mais discriminação e as que estão na base da pirâmide social em termos de classe social”, assinala.

Qual o caminho para reduzir as disparidades geradas pelo patriarcado e criar uma sociedade igualitária?

É somente por meio do diálogo e da educação libertadora que será possível que as próximas gerações promovam uma cultura saudável de relação entre gêneros, defende Letícia Kreuz. “Não há como se alcançar outra forma de relação entre homens e mulheres se dentro de casa reproduzimos os mesmos padrões, na escola não se pode falar de gênero, na igreja se reproduz visões de mundo ultrapassadas e se exalta a submissão feminina. Sem dúvidas, a escola e outras instituições formadoras de crianças e adolescentes têm papel fundamental nessa empreitada”, acredita.

A pesquisadora do IEG/UFSC também aposta na educação de qualidade como forma de emancipação para meninas, que não têm na sociedade patriarcal as mesmas condições oportunizadas aos meninos. “Enfrentar a violência contra as mulheres é enfrentar cotidianamente as desigualdades de gênero na escola, no espaço público, na política e dentro das casas”, define Teresa.

Ela pontua ainda que os Estudos Feministas têm contribuído com essa discussão e para uma compreensão mais abrangente sobre a dominação, subordinação e opressão das mulheres. Esse trabalho é realizado a partir da articulação do gênero com outros marcadores sociais, como classe, raça/etnia e geração.

Para a professora, o grande desafio para as mulheres é se livrar da dominação masculina em suas cabeças e substituí-la pela própria força e capacidade. “É preciso substituir isso pela sororidade, ser solidária, fazer pactos entre mulheres e conseguir admitir uma postura crítica ao nosso próprio pensamento formado dentro da tradição patriarcal”, avalia.

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