Barbárie

Moïse foi torturado até a morte porque cobrou R$ 200, aponta investigação

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"Eu não queria tirar a vida dele", diz um dos assassinos do imigrante congolês. A versão do agressor contrasta com as imagens de câmeras de segurança, que mostram Moïse sendo torturado mesmo depois de ter desmaiado. Assassino diz que tentou se entregar duas vezes, mas "a polícia não aceita e diz que não há nada contra mim"

As primeiras apurações do assassinato de Moïse Mugenyi Kabagambe, 24, indicam que ele cobrava um pagamento atrasado de R$ 200 quando foi torturado até a morte no Quiosque Tropicália, na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro.

O imigrante congolês teve os pés e mãos amarrados e foi espancado com pedaços de madeira na noite de 24 de janeiro. As agressões duraram 15 minutos e não pararam nem mesmo após a vítima desmaiar.

Um homem cuja identidade não foi revelada afirmou hoje ser um dos assassinos. “A gente não queria tirar a vida de ninguém, nem porque ele era negro ou de outro país”, afirmou ele ao SBT Rio.

De acordo com a versão dele, Moïse teria tentado agredir um homem dentro do quiosque e quatro pessoas intercederam para evitar, o que deu início ao espancamento. “Foi um fato que, no impulso, a gente agiu. A gente viu ele com a cadeira na mão e foi tentar ajudar o senhor [gerente]”, justificou o agressor, que afirmou não saber que a confusão havia começado por causa de uma cobrança de dívida.

O agressor também relatou ter tentando se entregar à Polícia Civil por duas vezes desde a noite de 24 de janeiro, mas que a polícia “não aceita”. “Disseram que não tinham nada contra mim.”

De fato, a Polícia só passou a investigar o crime após a persistência da família e da forte repercussão nas redes sociais. A Polícia Civil informou que testemunhas foram ouvidas e que continua em busca de informações para identificar os agressores. Ninguém foi preso e nenhum nome foi divulgado até agora. O dono do quiosque será ouvido hoje.

O prefeito Eduardo Paes declarou, em sua página no Twitter, que a morte do rapaz é inaceitável e que a prefeitura está acompanhando o caso. “O assassinato de Moïse Kabamgabe é inaceitável e revoltante. Tenho a certeza de que as autoridades policiais atuarão com a prioridade e rigor necessários para nos trazer os devidos esclarecimentos e punir os responsáveis”, disse o chefe do executivo.

O que se sabe

Moïse Kabamgabe trabalhou como atendente no Quiosque Tropicália. Ele foi cobrar dois dias de pagamentos atrasados e o gerente do estabelecimento se recusou a pagar. Uma discussão foi iniciada e o gerente solicitou ajuda a alguns homens que ainda não foram identificados pela investigação.

Os homens imobilizaram Moïse e o espancaram por por pelo menos 15 minutos. A sessão de tortura foi registrada pelas câmeras de segurança do quiosque (assista aqui). Segundo testemunhas, os agressores usaram pedaços de madeira e um taco de beisebol.

A perícia indicou que a causa da morte foi traumatismo do tórax, com contusão pulmonar, provocada por ação contundente. O laudo do Instituto Médico Legal (IML) mostrou ainda que os pulmões de Moïse tinham áreas hemorrágicas de contusão e também vestígios de broncoaspiração de sangue.

O crime permaneceu em silêncio durante cinco dias, até que um protesto de familiares em frente ao quiosque chamou a atenção da imprensa para o assassinato bárbaro. “Muito provavelmente o caso seria arquivado e ele seria dado como um indigente se nós não tivéssemos feito barulho nas ruas e nas redes”, conta um primo da vítima. “Além de negro e pobre, é um imigrante. Vindo da África, não sabia que no Brasil seriam capazes de tamanha crueldade”, continua o rapaz.

“O início da gravação que eu vi é ele reclamando com o gerente do quiosque. Alguns minutos seguintes, o gerente pegou um pedaço de madeira para ameaçar ele. Até então, ele estava só recuando. E o cara foi atrás dele. Como ele estava reivindicando alguma coisa, ele pegou uma cadeira e dobrou para se defender. Ele não chegou a atacar ninguém. O gerente chamou uma galera que estava na frente do quiosque. Até então tinha só um sentado”, observou outro primo.

“Veio uma galera que o arremessou no chão, tentando dar um golpe de mata-leão nele. Vieram mais algumas pessoas bater nele com madeira, veio outro com uma corda, amarrou as mãos e as pernas para trás, passou a corda pelo pescoço. Ficou amarrado no mata-leão, apanhando. Tomando soco e taco de beisebol nas costelas. Até ele desmaiar”, acrescentou.

De acordo com o relato do primo que viu as imagens, o dia de trabalho continuou, mesmo com a morte de Moïse. “Eles foram embora e ficou só o gerente do quiosque. E ele deitado no chão, como se nada estivesse acontecendo. Trabalhando, atendendo cliente. E o corpo lá”.