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A democracia convoca o general Azevedo e Silva para a guerra

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É improvável que o general tenha voltado a atuar como protagonista, num cargo de gestão essencialmente político, para favorecer Bolsonaro

Imagem: reprodução

Moisés Mendes*, em seu blog

O general Fernando Azevedo e Silva, futuro diretor-geral do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), talvez seja a mais complexa figura militar da história recente do Brasil.

O general não só conhece as grandezas e as miudezas do poder, como viveu em suas entranhas em momentos complicados.

Sua nova missão no TSE é uma jogada de risco. Mas pode ser a única possível contra a volta da ameaça de golpe ou da tentativa de Bolsonaro de esculhambar com a eleição.

Vamos relembrar como o general veio até aqui. Foi ajudante de ordens de Collor e ficou com o caçador de marajás até o fim, em 1992. Viveu um período dramático ao lado de um homem acabado.

No início dos anos 2000, foi chefe da assessoria parlamentar do comandante do Exército, quando ampliou seus conhecimentos sobre as manobras da política fora do Planalto.

Participou de uma das missões de paz no Haiti, tarefa que exigia habilidade política. Foi presidente da Autoridade Pública Olímpica de 2013 a 2015, a estatal que organizou a Olimpíada do Rio em 2016.

Azevedo saiu antes do evento, mas teve ali mais uma experiência importante de gestão. Até porque também foi depois o chefe da segurança da Olimpíada.

Foi chefe do Estado-Maior do Exército por dois anos, de 2016 a 2018. E chegou em setembro de 2018 à sua tarefa mais controversa: ser assessor especial do ministro Dias Toffoli na presidência do Supremo.

O que acontece depois é mais fácil de lembrar. Azevedo e Silva sai do Supremo e vira ministro da Defesa de Bolsonaro. E comete, em 31 de maio de 2020, um gesto imprudente: sobrevoa o STF em um helicóptero de guerra ao lado de Bolsonaro.

A versão que circulou depois é a de que caíra numa armadilha do sujeito que pretendia manter o STF acuado, com as manifestações lideradas por Sara Winter e meia dúzia de fascistas.

Em março deste ano, o general finalmente saltou fora do helicóptero e do governo e levou junto os comandantes das três armas. Havia esgotado sua capacidade de aguentar os blefes de golpe de Bolsonaro.

Se foi assessor de Toffoli, mantendo uma espécie de tutela militar na mais alta Corte do país, pode agora ser o gerentão do TSE no ano da eleição?

Os argumentos de que não pode são previsíveis. É um militar que conhece o poder civil entrando na engrenagem da estrutura eleitoral, com a tarefa de cuidar inclusive da tecnologia usada na eleição.

As esquerdas mais desconfiadas não querem um general dentro da autoridade eleitoral, num ano eleitoral. Mas a maioria talvez pense o contrário.

Azevedo e Silva pode assegurar a normalidade da eleição e certificar sua lisura. É improvável que o general tenha voltado a atuar como protagonista, num cargo de gestão essencialmente político, para favorecer Bolsonaro, como alguns já estão sugerindo.

O presidente do TSE na eleição será Alexandre de Moraes, o maior inimigo de Bolsonaro no Judiciário. O movimento que atraiu o general para o TSE pode ter sido a manobra mais inteligente pós-blefe de golpe, fomentado pelas acusações sem provas de Bolsonaro de que uma eleição pode ser fraudada.

Azevedo e Silva será o militar avalista da democracia, muito mais do que de uma eleição. Não dá para imaginar que possa ser um infiltrado dos militares a serviço do genocida e da sua família.

Não vamos exagerar nas nossas desconfianças, nem subestimar a inteligência de um militar que convive com o poder há mais de 30 anos.

Podem até dizer que a democracia não precisa da fiança de militares, mas aí, considerando-se as circunstâncias criadas pelo bolsonarismo, a conversa é mais comprida.

O certo é que general Azevedo e Silva pode se consagrar, depois da eleição, como o líder dos militares democratas, ao se tornar um servidor ativo na luta pela defesa da eleição e pelo fortalecimento da democracia.

A missão de Azevedo e Silva pode fechar um ciclo de anormalidades marcado pela presença ostensiva e ameaçadora de militares no governo.

O que se tem com clareza é que está dado um recado aos militares golpistas. Que eles fiquem com Bolsonaro até o fim em meio aos escombros do governo e da extrema direita.

*Moisés Mendes é jornalista em Porto Alegre. Foi colunista e editor especial de Zero Hora. Escreve também para os jornais Extra Classe, Jornalistas pela Democracia e Brasil 247. É autor do livro de crônicas ‘Todos querem ser Mujica’ (Editora Diadorim)

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