Educação

Professora da Bahia recebe intimação policial por ‘doutrinação feminista’

Share

Professora da Bahia recebe intimação policial por 'doutrinação feminista' após queixa de aluna sobre 'conteúdo esquerdista'. A educadora passou mal ao ser intimada e foi hospitalizada. Estudantes protestam

Uma professora de filosofia do colégio estadual Thales de Azevedo, em Salvador (BA), recebeu uma intimação para comparecer à Delegacia de Repressão a Crimes contra a Criança e o Adolescente (Dercca) após uma aluna apresentar queixa sobre o conteúdo apresentado em sala de aula, com temas relacionados a questões de gênero, racismo, assédio, machismo e diversidade.

Segundo a Associação dos Professores Licenciados do Brasil (APLB), seção da Bahia, a educadora precisou ser levada a um hospital para atendimento médico após receber a intimação e ficar emocionalmente abalada.

A direção da escola divulgou nota de repúdio e afirmou que a intimação fere a liberdade de cátedra e a autonomia pedagógica.

A aluna teria procurado a delegacia acompanhada da mãe por discordar dos temas abordados durante as aulas de filosofia. Um grupo de professores da escola afirmou que, antes de registrar a queixa, a aluna tinha um comportamento pouco amistoso e perseguia a professora.

A mãe da aluna relatou, de acordo com a Polícia Civil, que a filha teria sofrido constrangimento na escola. Disse ainda que, em decorrência de sua opinião política, a adolescente teria sido hostilizada por colegas e impedida de participar de atividades em grupo, sob consentimento da professora. As pessoas envolvidas no caso estão sendo ouvidas na unidade especializada.

O sindicato disse que seu departamento jurídico foi acionado por um grupo de professores e observou atitudes “inamistosas e de perseguição” por parte de uma estudante contra uma docente de filosofia do colégio Thales de Azevedo.

A APLB diz que há tentativas de intimidação, coação e pressão psicológica para “cercear a livre expressão e tumultuar aulas e algumas atividades propostas pelos professores“. Para a associação, essas tentativas são protagonizadas por grupos de extrema direita.

A associação afirma também que, em outra ocasião, a mãe da estudante que procurou a polícia invadiu o espaço de aula online de inglês para exigir explicações sobre a temática apresentada, que na avaliação dela seria feminista.

“A direção da APLB-Sindicato lamenta profundamente as ocorrências e reitera o apoio jurídico e psicológico à professora, exigindo a apuração dos fatos ocorridos”, diz nota da associação.

Leia também: Prefácio à (Anti)História da doutrinação ideológica nas escolas brasileiras

A APLB-Sindicato, legítima representante dos trabalhadores e trabalhadoras em Educação vem a público manifestar toda a sua solidariedade e apoio jurídico aos docentes da Escola Estadual Thales de Azevedo por tentativas de intimidação, coação e pressão psicológica por grupos de extrema direita que tentam cercear a livre expressão e tumultuar aulas e algumas atividades propostas pelos professores e professoras“, disse o sindicato em nota.

‘Perseguição’

A entidade informou ainda que, em agosto, um grupo de estudantes e seus responsáveis emitiram uma nota atacando professores e palestrantes após um seminário online realizado pela escola. Em outra ocasião, segundo o sindicato, a mãe da aluna que registrou a ocorrência invadiu o espaço de uma aula online da disciplina de inglês para exigir explicações sobre a temática, que, para ela, seria inadequada por se tratar de feminismo.

O coordenador-geral da APLB, Rui Oliveira, esteve na escola nesta quinta-feira ao lado do representante jurídico do sindicato para apurar as denúncias. Segundo ele, uma manifestação está sendo programaa para semana que vem em frente à escola e à delegacia, na mesma data prevista para o depoimento da educadora. Ela foi encaminhada ao Hospital da Bahia após ter um pico de pressão.

Isso é uma forma de intimidação, que fere o direito de fala e a liberdade de cátedra. Estamostomando todas as medidas jurídicas e políticas“, afirmou Oliveira ao Globo.

A equipe gestora do colégio repudiou, por meio de nota, a intimação à professora da instituição por “ferir a liberdade de cátedra e autonomia pedagógica, princípios constitucionais fundamentais”.

Infelizmente, as alegações de que os conteúdos curriculares das ciências humanas são de cunho ‘esquerdista’ e os conteúdos de linguagens são de ‘doutrinação feminista’ têm provocado o enviesamento dos conhecimentos historicamente construídos e dos fenômenos sociais, em silenciamento dos docentes“, diz a nota.

Reunião com secretário

O secretário da Educação do Estado da Bahia, Jerônimo Rodrigues, se reuniu nesta sexta-feira com a professora, o corpo docente e os gestores escolares na unidade escolar. De acordo com a secretaria, a pasta acionou a Procuradoria Geral do Estado (PGE), que prestará toda a assistência jurídica à educadora e a acompanhará na oitiva. A equipe de psicólogos da SEC também foi colocada à disposição.

A SEC destacou que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) assegura o respeito à liberdade e o apreço à tolerância, além de garantir o livre exercício da docência. Disse ainda que os conteúdos ministrados pela professora em sala de aula estão em consonância com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e o Referencial Curricular do Estado, acompanhados pela Coordenação Pedagógica da escola.

“A SEC acompanha o caso e manifesta solidariedade à professora e ao corpo docente, bem como reafirma o compromisso com a livre docência, a pluralidade de ideias, o livre debate e a democracia“, disse em nota.

Saiba mais: Como o “Escola Sem Partido” confunde os desatentos e a opinião pública

Veja a íntegra da nota da escola:

A Secretaria da Educação do Estado (SEC) informa que:

– Ao tomar conhecimento da intimação de uma professora do Colégio Estadual Thales de Azevedo, em Salvador, o secretário da Educação do Estado da Bahia, Jerônimo Rodrigues, acompanhado pela assessoria jurídica da SEC, se reuniu com a servidora, o corpo docente e os gestores escolares na unidade escolar, na manhã desta sexta-feira (19).

– A SEC acionou imediatamente a Procuradoria Geral do Estado (PGE), que prestará toda a assistência jurídica à professora e a acompanhará na oitiva.

– Também foi disponibilizada a equipe de psicólogos da SEC para assistência à professora e à comunidade escolar.

– A SEC destaca que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) assegura o respeito à liberdade e o apreço à tolerância, além de garantir o livre exercício
da docência.

– Os conteúdos ministrados pela professora em sala de aula estão em consonância com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e o Referencial Curricular do Estado e são acompanhados pela Coordenação Pedagógica da escola.

– A SEC acompanha o caso e manifesta solidariedade à professora e ao corpo docente, bem como reafirma o compromisso com a livre docência, a pluralidade de ideias, o livre debate e a democracia.

Assessoria de Comunicação da SEC

Em nota, a Polícia Civil informou que as pessoas envolvidas no caso estão sendo ouvidas na unidade especializada, e destacou que cabe ao órgão investigar qualquer registro em suas unidades, agindo de modo imparcial ao apurar ocorrências que chegam a seu conhecimento.

Nesta sexta-feira (19), um grupo de estudantes do Colégio Estadual Thales de Azevedo fez uma manifestação em apoio à professora intimada.

Estudantes protestam em apoio a professora (Imagem: Reprodução | TV Bahia)

Com FolhaPress e Globo

Siga-nos no InstagramTwitter | Facebook