Racismo não

Universitário que chamou colega de ‘escravo’ é condenado por racismo e injúria

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O estudante racista da FGV admitiu a culpa em um primeiro momento: “foi uma brincadeira que eu fiz”. No entanto, durante o processo, ele voltou atrás e afirmou não ter sido o autor das ofensas

Letícia Paiva, Jota

Por compartilhar foto de um colega negro em um grupo de WhatsApp se referindo a ele como “escravo”, o estudante Gustavo Metropolo foi condenado pelos crimes de racismo e injúria racial pela 14ª Vara Criminal do Fórum da Barra Funda, em São Paulo. A decisão é da sexta-feira passada (19/3). Ao todo, a pena fixada foi de dois anos e quatro meses de reclusão, em regime aberto, além de multa de 11,5 salários mínimos ao Estado e cinco à vítima.

A pena privativa de liberdade foi substituída por prestação de serviços à comunidade, a entidade a ser definida pelo juízo da Execução, e por uma pena de prestação pecuniária, consistente no pagamento de 5 (cinco) salários mínimos em favor da vítima.

O caso aconteceu em setembro de 2017, quando os jovens estudavam na Faculdade Getúlio Vargas (FGV), em São Paulo. Metropolo fotografou o colega João Gilberto Pereira Lima e enviou para um grupo de alunos no aplicativo WhatsApp com a mensagem “Achei esse escravo no fumódromo! Quem for o dono avisa!”.

Relembre: Jovem racista retorna às aulas na FGV e é alvo de protestos

A situação teve repercussão pública em março de 2018, após João tomar conhecimento do texto por meio da instituição e compartilhar o que se passara em postagem no Facebook. Após apuração interna, a FGV suspendeu Metropolo por três meses; no retorno às aulas, ele foi alvo de protestos. O boletim de ocorrência por injúria racial foi registrado no 4º Distrito Policial da Consolação.

Após inquérito policial, o Ministério Público de São Paulo ofereceu denúncia por injúria racial e por racismo contra Metropolo.

Num primeiro momento, segundo Nelson Lerner Barth, que integra a Comissão de Conduta do Curso de Graduação da FGV EAESP, ao ser questionada, Metropolo afirmou “fui eu” e acrescentou: “foi uma brincadeira que eu fiz”.

Segundo Barth, o aluno chegou a dizer: “que eu, uma pessoa com a educação que tive, não poderia ter feito isso, não tenho o que dizer em minha defesa e peço desculpas ao senhores que são professores ocupados, por estarem gastando seu tempo para estar escutando uma pessoa como eu”.

Mas, durante depoimento judicial, Metropolo afirmou que não era autor da mensagem e tivera seu celular roubado antes do episódio. Além disso, segundo ele, ele teria se sentido pressionado pela instituição a admitir algo que não havia feito.

Foram ouvidos professores da FGV como testemunhas de acusação e integrantes do grupo de WhatsApp, que era composto por sete estudantes homens da faculdade além do réu. Eles disseram que Metropolo não havia mencionado estar sem o celular.

Para a juíza Paloma Moreira de Assis Carvalho, “não convence a versão do réu de que não foi o responsável pela fotografia, postagem e mensagem. Restou comprovado que, por diversas vezes, o réu admitiu aos professores e coordenadores da Faculdade ter sido o autor dos fatos, chegando a dizer que havia feito uma “monstruosidade” e que eles estariam “perdendo tempo” com uma pessoa como ele. Afirmou que não era isso que aprendera com a sua família, mostrando-se arrependido da conduta”.

Para embasar sua decisão, a juíza Paloma Moreira de Assis Carvalho afirmou que atitudes discriminatórias como a exposta na mensagem não são resguardadas pela garantia constitucional de liberdade de expressão. Ela também justificou a condenação tanto por injúria racial, contida no antigo 140 do Código Penal, quanto por racismo, presente na lei 7.716/89. O entendimento foi de que Metropolo não apenas usou linguagem ofensiva e depreciativa por questão racial, mas a conduta dele feriu a coletividade de pessoas negras. Os dois crimes são diferenciados pela perspectiva de que a injúria é dirigida a um indivíduo, enquanto o racismo atinge um determinado grupo marginalizado de forma ampla.

No contexto em que publicada, dentro de uma instituição renomada e voltada à classes abastadas da sociedade, observa-se a intenção de segregar um aluno preto, que não ‘poderia pertencer’ àquele mundo. Além disso, ao dizer que encontrou um ‘escravo’, o acusado objetifica a vítima, dando a entender que ela só poderia estar naquele local acompanhada de seu ‘dono’. Nesse contexto, com a postagem, o autor diminuiu e ofendeu toda a coletividade de pessoas pretas, principalmente, as que frequentavam a faculdade à época dos fatos”, escreveu a juíza na sentença.

A juíza também afirma que “ao ver a vítima, abraçadas com duas mulheres brancas, o réu realizou a postagem depreciativa, atribuindo-lhe inferioridade exclusivamente em razão de sua cor/raça para tanto, utilizando-se do vergonhoso e dolorido histórico da escravidão. Conforme relatado pelas testemunhas, a vítima ficou surpresa quando viu a postagem, precisando de tempo para entender o ocorrido. Não por outro motivo, precisou de acompanhamento psicológico para lidar com a situação. Ademais, o réu afirmou conhecer a vítima, que era uma pessoa muito ativa na faculdade, o que demonstra a sua compreensão sobre a ofensa e a quem a dirigia”.

A magistrada também afirmou que interpretar a mensagem como uma “brincadeira” ou outro eufemismo seria “compactuar com ideais preconceituosos, ultrapassados e sem fundamento, que se configuram como uma tentativa fracassada e vergonhosa de justificar a sobreposição de indivíduos brancos”.

A reportagem do Jota tentou contato com a defesa de Gustavo Metropolo, mas não obteve retorno. O espaço está aberto.

O processo tramita com o número 0027264-12.2018.8.26.0050. Cabe recurso da decisão.

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