Política

A política não pode desistir do povo em tempos de pandemia e pós-pandemia

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(Imagem: Ricardo Moraes | Reuters)

Jonathas Carvalho*, Pragmatismo Político

É comum a máxima de que uma nação em que seu povo pouco se interessa e participa da política está fadada a lidar com problemas mais complexos de corrupção e malversação de recursos públicos, visto que os grupos de interesse e de pressão passam a ter iniciativas mais concentradas, o que favorece o aumento de desigualdades sociais e também de concentração de poder.

De fato, um povo alheio à política de seu próprio país dá margem para que aqueles que decidem os rumos da nação, o façam muito mais conforme suas próprias conveniências ou de grupos específicos em detrimento da maioria da população.

No entanto, tão ou mais importante que a participação do povo na política, é que a política não desista do povo (no sentido macro como todo o conjunto de indivíduos e grupos sociais que habitam uma nação e no sentido micro como sendo o conjunto mais vulnerável de indivíduos e grupos que habitam uma nação).

Os períodos de crise são aqueles em que a política menos pode faltar à sociedade, uma vez que são os momentos em que o povo, especialmente aquele mais vulnerável necessita de maior assistência.

A pandemia da COVID-19 é, em causa, uma crise sanitária, mas é, em consequência, uma crise econômica e a solução da segunda depende, sobretudo da solução da primeira, o que significa afirmar uma indissociabilidade sanitário-econômica (se pensar da política de saúde para a política econômica) ou econômico-sanitária (se pensar da política econômica para a política de saúde).

A polarização entre cuidar da questão sanitária ou da questão econômica tem sido percebida em diversas nações e coincidentemente ou não nas nações em que os líderes agem mais intensivamente por vieses negacionistas à COVID-19, o número absoluto de infectados e mortos tende a ser maior, tais como nos Estados Unidos, Índia, Brasil, Rússia, México e Reino Unido e os problemas de ordem econômica apresentam resultados similarmente funestos a outras nações menos negacionistas. Logo, priorizar discursos/ações pró-economia em detrimento do combate à COVID-19 tendem a recrudescer a crise sanitária e concomitantemente econômica.

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Isso significa que a retomada da economia depende, sobretudo, das formulações e implementações políticas com relação às questões sanitário-econômicas. Para tanto, a política brasileira não pode desistir do povo nesse momento, sendo necessária uma ampla articulação Federal, Estadual e Municipal entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, assim como a expressiva participação da mídia, ONG, grupos de interesse e a sociedade em geral. Desse modo, algumas ações emergenciais e de médio e longo prazos devem ser formuladas/implementadas pelo poder público, a saber:

a) fortalecimento das parcerias entre os entes federativos – desde o início da pandemia há um confronto deflagrado entre o Governo Federal e alguns Governos Estaduais e Municipais em que o primeiro apresenta uma postura negacionista à COVID-19 e expressa prioridade para cuidados com a Economia. Esse divisionismo é nefasto na medida em que debilita o combate à COVID-19 e simultaneamente traz uma baixa no campo econômico, criando duplo prejuízo para o Brasil (sanitário e econômico). A ideia é que haja uma cooperação programática entre os governos (em contraposição à competição fragmentária), com vistas a constituição de uma política sanitário-econômica em que os dois elementos sejam priorizados de forma articulada que contemple testes em massa, políticas georreferenciadas de combate à pandemia, ações preventivas como uso de álcool e máscara e de isolamentos (dentro das possibilidades) e incentivos econômicos a pessoas e instituições;

b) plano para imunização e vacinação – ponto fundante para resolução da pandemia na medida em que o Governo Federal em parceria com governos estaduais e prefeituras deve formular um plano com o máximo de condição inclusiva em um tempo mais razoável possível que contemple de modo esmerilhado as estratégias de vacinação para a sociedade em nível nacional. Esse plano é crucial para maior confiança da sociedade, das organizações e do mercado para solucionar a pandemia, considerando os níveis de imunização das vacinas produzidas e os impactos para retomada das atividades econômicas;

c) intensificação dos investimentos em saúde para combate à pandemia – o Poder Público Federal, principalmente por meio de repasses de recursos governamentais e de emendas parlamentares, gastou pouco mais de 409 bilhões, conforme dados do Portal da Transparência (http://www.portaltransparencia.gov.br/coronavirus), sendo mais da metade do valor referente ao auxílio emergencial. É preciso em 2021 garantir recursos para continuidade das ações sanitário-econômicas pelo menos até a vacinação;

d) massificação e revisão da publicidade com cuidados na prevenção à COVID-19 – estimativa de que o Governo Federal custeou aproximadamente 88 milhões de reais no combate à pandemia. Entretanto, a publicidade gira em torno da abertura econômica, da exaltação da cloroquina (remédio sem comprovação científica) e feitos do governo, relegando a um plano inferior as orientações sanitárias para o combate à pandemia (questão central). A publicidade compromete o conjunto de orientações à sociedade sobre o combate à pandemia, podendo ser considerada, por um lado, como negacionismo e, por outro lado, como malversação no gerenciamento dos recursos públicos;

e) prorrogação do auxílio emergencial – com o fim do auxílio emergencial previsto para dezembro de 2020, os gastos para o combate à pandemia tendem a cair drasticamente já no início de 2021. Neste caso, o ideal é uma intervenção cooperativa entre Governos Federal, Estaduais e Municipais (com intervenção direta dos poderes legislativos) para assegurar o financiamento do auxílio emergencial para 2021 pelo menos até a vacinação;

f) liberação de créditos e incentivos para o fortalecimento de empresas e indústrias via bancos e outros órgãos de fomento – o IBGE alerta que do início da pandemia até junho de 2020, mais de 716 mil empresas fecharam as portas, sendo a amplíssima maioria empesas de pequeno porte. Em grande parte, as micro e pequenas empresas possuem dificuldades de crédito junto aos bancos, inviabilizando a capacidade de continuidade dos empreendimentos. Desse modo, é fundante que BNDES e órgãos de fomento facilitem crédito e incentivos fiscais para retomada das empresas a fim de viabilizar gradualmente a retomada econômica com a expansão de emprego e renda;

g) intensificação das parcerias multilaterais – é necessário aprimorar parcerias em blocos com MERCOSUL, União Europeia e Brics e também com países como a China (nossa maior importadora) e diversificar parcerias com outros países que compram soja, frango, carne, milho, além de minério de ferro e petróleo (para além das questões ideológicas). Nos últimos meses, representantes do Governo Federal se desgastaram com parceiros estratégicos como China, França, Argentina e alguns países do Oriente Médio que podem comprometer as exportações do país, caso uma relação diplomática mais sadia não seja estabelecida;

h) valorização da segurança alimentar em nível de agricultura familiar e agronegócio – planejamento sanitário para preservação dos alimentos produzidos no Brasil e que são consumidos internamente ou vendidos para o exterior a fim de evitar acusações de outros países de possíveis produtos alimentícios contaminados;

i) intensificação das políticas de inclusão digital – pesquisa do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (CETIC.BR) 2019 (https://www.cetic.br/media/analises/tic_domicilios_2019_coletiva_imprensa.pdf) conclui que: aproximadamente 20 milhões de domicílios não possuem acesso à internet (28%); um a cada quatro brasileiros não usa internet; 47 milhões de não usuários (26%); usuários de internet passam dos 50% na área rural e nas classes D e E; celular é o dispositivo mais usado (99%); 58% acessam a Internet somente pelo celular; Área rural (79%) e classes D e E (85%) concentram uso exclusivo pelo celular; apenas um terço (33%) realiza atividades de trabalho pela Internet. Para uma retomada consentânea das atividades laborais e formativas em geral é fundamental investimento em políticas públicas de inclusão digital, tanto no quesito acesso à internet e aquisição de equipamentos tecnológicos, quanto o desenvolvimento de uma cultura virtual;

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j) intensificação das políticas de Ciência e Tecnologia em parceria com Universidades. órgãos científicos e grandes organizações públicas e/ou privadas – desenvolvimento de estudos científicos sobre a COVID-19, bem como parcerias para produção de máscaras, álcool, respiradores e outros equipamentos, além de remédios e vacinas, fortalecendo a produção nacional (incluindo geração de emprego e renda) a um custo mais barato e viável do que a opção pela importação, o que pode galvanizar também em médio e longo prazo uma política de reindustrialização nacional no setor de saúde;

k) valorização das políticas de meio ambiente – maior controle legal e institucional do Governo Federal no desmatamento para preservar a biodiversidade brasileira, evitar a debilitação da imagem do Brasil em nível global, valorizar a produção de alimentos, assim como o desenvolvimento de políticas e marcos regulatórios para fortalecer estudos e práticas para o desenvolvimento sustentável.

Inúmeras ações podem ser realizadas, mas é preciso ponderar que a crise, embora seja de cunho sanitário-econômico, depende, sobretudo, de soluções políticas, o que comprova que um dos maiores problemas do Brasil das últimas décadas é a ineficácia política para resolver problemas dos mais simples aos mais complexos (caso da pandemia).

Portanto, para que a política não desista do povo, apenas a sensibilidade cooperativa do Poder Público é capaz de exercer uma política voltada para os interesses do povo, considerando que a pandemia é um período catastrófico para o aumento da desigualdade social, sendo que as classes mais vulneráveis tendem a demorar muito mais tempo para se recuperar.

*Jonathas Carvalho é doutor em Ciência da Informação pela UFBA e Professor da Universidade Federal do Cariri (UFCA)

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