Contra o Preconceito

PM não reconhece nome feminino de sargento trans em Santa Catarina

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Quase um ano depois de conquistar na Justiça o direito de alteração do nome funcional, primeira mulher trans da PM de Santa Catarina ainda luta para a corporação cumprir a ordem judicial

Priscila Diana, sargenta na PM-SC (Imagem: Arquivo Pessoal)

Abinoan Santiago, Universa

Quase um ano depois de conquistar na Justiça o direito de alteração do nome funcional, Priscila Diana, de 43 anos, a primeira mulher trans da (Polícia Militar (PM) de Santa Catarina, ainda luta para a corporação cumprir a ordem judicial.

A suposta desobediência fez ontem o Juizado da Fazenda Pública de Florianópolis determinar o prazo de 15 dias para o Comando da PM catarinense explicar o descumprimento da medida, expedida em 11 de maio de 2020.

Priscila — que é sargento — pediu na Justiça que a PM fosse obrigada a alterar o nome funcional masculino para o feminino, o que foi aceito pelo judiciário. A militar diz que mudou a identificação em todos os documentos, restando apenas o da carteira de identidade militar e internamente no sistema do banco de dados do trabalho.

Ao UOL, a sargento conta que além do desconforto com o nome que não se identifica, o descumprimento judicial afeta no cotidiano, pois a identificação masculina que aparece no contracheque é diferente do nome feminino que consta na Receita Federal ou em instituições bancárias, por exemplo.

Meus documentos continuaram com os mesmos números, mas como a polícia não alterou, são para dois nomes. Em qualquer momento posso ter meu pagamento bloqueado. Quando eu preciso levar meu contracheque para comprar algo, ainda aparece meu nome antigo na checagem dos dados, o que é constrangedor“, relatou.

Apaixonada pelo operacional, Priscila diz que desde o início de 2020 atua no administrativo da corporação. Como em Santa Catarina, os policiais utilizam tablets nas ocorrências, os boletins inseridos por ela poderão sofrer contestação, pois o registro no sistema da PM aparecerá com o nome masculino, sendo que na Justiça já é adotado o de Priscila.

Estou no trabalho interno porque vai dar conflito administrativo. Usamos tablets para os registros, então se eu prender alguém ou aplicar uma multa, vai dar conflito quando esse caso for para a Justiça porque no judiciário já consta meu nome feminino. Seria como se fosse uma policial que não existisse. Me tiraram da rua e acabaram comigo“, comenta.

Na corporação há 23 anos, a sargento se mostra incomodada com o problema administrativo, o que para ela acabou sendo uma surpresa, algo que não enfrentou há dez anos, quando iniciou o processo de transição.

É um caso ímpar porque a PM nunca teve nada parecido em 185 anos e fui o primeiro caso, o que pode causar dificuldade de como lidar. Não posso dizer que é preconceito, mas não consigo encontrar explicação lógica para a demora. Quando decidi fazer a transição, imaginava que seria difícil, mas quando retornei ao trabalho tive boa acolhida dos colegas. Ao colocar no papel foi que a coisa não andou“, lamenta.

TJSC confirma que PM descumpre decisão

Questionado pelo UOL, o TJSC (Tribunal de Justiça de Santa Catarina) confirmou que a PM descumpre a decisão.

O Estado apresentou contestação [da liminar], defendendo ausência de dano moral. A autora [Priscila], por sua vez, apresentou réplica à contestação, mas informou nessa última petição o descumprimento da liminar concedida. Na data de ontem, o juiz responsável pelo caso determinou que o Estado seja intimado para se manifestar sobre o informado descumprimento da tutela concedida no mês de maio, com a anotação de que seu não cumprimento poderá ensejar o pagamento de multa. O prazo para resposta é de 15 dias“, afirmou em nota.

O que dizem a PM e Administração de SC

A Polícia Militar informou por meio de nota que, como a mudança de nome de Priscila envolve o regime previdenciário, o processo “está em trâmite na Secretaria Estadual da Administração (SEA), no órgão de gestão central de pessoal“.

Desta forma, a única mudança que não aconteceu até agora é a mudança de gênero no cadastro de recursos humanos do Estado. Esta demanda é necessária a análise da SEA, pois incorre uma diferença nas regras de previdência, ou seja, gênero feminino tem uma regra, masculino tem outra. A PMSC aguarda esta decisão do órgão central de pessoal do Estado para finalizar todo o processo“, complementa.

Já a Administração afirmou que “assim que o processo retornou da Consultoria Jurídica a área técnica da diretoria de Gestão de Pessoas o incluiu na fila para providências“. A pasta acrescentou que “havia algumas dúvidas legais, as quais já foram sanadas e a alteração cadastral foi concluída na manhã de hoje, conforme solicitado“.

Após saber da resposta da Administração pelo UOL, a militar informou que consultou o sistema de servidores às 18h58 e ainda aparece a identificação masculina como a principal. Ela enviou um print da imagem à reportagem, mas não autorizou a divulgação porque ainda aparece o nome antigo.

A Administração informou que iria verificar e informar à Priscila o motivo de ainda permanecer com o nome masculino no sistema.

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