Aborto

Não haverá aumento de abortos na Argentina, haverá menos condenadas

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Por 39 votos a favor, 29 contra e uma abstenção, Senado da Argentina aprova interrupção voluntária da gravidez que permite o aborto livre até a 14ª semana. Decisão representa a vitória de uma luta que se arrastava há anos

(Imagem: Natasha Pisarenko/AP)

Pilar Álvarez, El País

O estigma existe. Uma mulher não fala sobre um aborto como o faria sobre uma operação renal. Quase sempre é uma intervenção seguida de vergonha, silêncio e culpa. Uma das conquistas que o robusto movimento feminista da Argentina alcançou há dois anos, em sua penúltima tentativa de torná-lo lei, foi questionar o tabu, para ajudar na descriminalização social. Pôs em destaque que o aborto legal, seguro e gratuito é a conquista de um direito para todas as mulheres, nem mais nem menos. No dia 11 de dezembro deu um passo importante com a aprovação do projeto na Câmara dos Deputados, e agora conseguiu uma conquista histórica no Senado por 39 votos a 29.

O debate não era aborto sim ou aborto não. As proibições não os impedem. Só na Argentina, todos os anos são realizados entre 371.965 e 522.000 abortos, de acordo com um relatório da Human Rights Watch (HRW). A questão fundamental é em que condições são praticados e quais são as consequências para as mulheres que os fazem tendo de enfrentar os riscos da criminalização. Nos últimos 40 anos, mais de 3.000 mulheres morreram em consequência de aborto na Argentina. E 39.000 são hospitalizadas todos os anos por complicações decorrentes da interrupção da gravidez, de acordo com dados oficiais.

“A legalização do aborto salva a vida de mulheres, não aumenta o número de abortos nem os promove. Só resolve um problema que afeta a saúde pública”, resumiu o presidente argentino, Alberto Fernández. É a primeira vez que a principal autoridade da Argentina é a favor de descriminalização em todos os casos e que seja acessível nas primeiras 14 semanas. E essa mais recente tentativa, a nona, foi a definitiva para criar um país mais próspero e com mais liberdade que seus vizinhos.

A Argentina é o único país da região, ao lado do Uruguai, que está no topo do Índice de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas, que mede a expectativa de vida, a educação e a riqueza, entre outras variáveis. Foi a nação pioneira na América Latina a aprovar uma lei de casamento igualitário (2010) e outra de identidade de gênero para garantir condições decentes para as pessoas trans, em 2012. Os direitos das mulheres sempre ficam para o final. Com o apoio suficiente no Senado —onde foi rejeitada em 2018—, se torna o primeiro grande país latino-americano a ter regulamentações que Uruguai, Cuba, Guiana e a Cidade do México já possuem.

Um aborto quase sempre acarreta estigma. E, às vezes, consequências piores que recaem sobre as mais vulneráveis. O exemplo mais grave está em El Salvador, um dos países mais restritivos do mundo quanto a esse direito. Ali estão ‘As 17’, mulheres presas com penas de mais de 30 anos por abortar ou perder seus bebês por complicações obstétricas. “O Código Penal de El Salvador afeta desproporcionalmente as mulheres pobres”, alerta as Nações Unidas.

Na Argentina, relatórios do HRW e do Centro de Estudos Sociais e Jurídicos destacam que pelo menos 73 mulheres foram levadas à Justiça desde 2012. A ameaça da lei afeta a todas as mulheres, “mas apenas são presas e punidas aquelas que não possuem as ferramentas simbólicas ou materiais para ter acesso a um aborto seguro, dentro ou fora do sistema de saúde”, diz a Human Rights Watch. Descriminalizar o aborto não é apenas garantir um direito para todas, é também a garantia de que algumas, as mais pobres, não acabem na prisão ou no hospital.

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