EUA

EUA: Donald Trump sobrevive e tem grandes chances de ser reeleito

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Apuração indica que Donald Trump tem grandes chances de ser reeleito nos Estados Unidos. Apesar da iminente derrota no voto popular, atual presidente conseguiu vitórias em estados-chave

Projeções indicam que Trump deve vencer eleição nos EUA. Votações em Wisconsin, Michigan e Carolina do Norte serão decisivas

Haroldo Ceravoldo Sereza, Opera Mundi

Diante de todos os erros, mentiras e uma enorme fileiras de absurdos cometidos ao longo de quatro anos, Donald Trump sobreviveu. A apuração até às 3h da madrugada (horário de Brasília) aponta que ele deverá vencer a eleição — se perder, será por uma margem muito apertada.

Indubitavelmente responsável pelo fracasso absoluto na lida com o coronavírus, responsável por um país que gera mais pobreza e desemprego, racista, machista, misógino, ele está aí. Mostrou força e promete aniquilar as bases de legitimação da ex-admirada democracia norte-americana.

Um resultado desses não se explica apenas pelos acertos de Trump. É preciso entender onde falharam os democratas. E a resposta, embora óbvia, não será facilmente admitida: os erros são muitos, mas todos podem ser resumidos na estratégia Joe Biden.

O que foi a estratégia Biden? Basicamente, a opção por um nome centrista, incapaz de polarizar uma discussão, avesso a assumir qualquer compromisso radical em qualquer pauta que lhe fosse apresentada. Baseado em compromissos com o status quo, mas também com a leitura ligeira da situação política, Biden foi apresentado como o candidato capaz de conquistar o centro. O homem que tiraria votos menos radicais de Trump e, por outro lado, não animaria os eleitores mais extremados da direita a se sentirem ameaçados a ponto de se engajarem na luta contra o comunismo e socialismo, o fantasma que ronda a política norte-americana desde o fim da Segunda Guerra Mundial.

Não funcionou com Hillary Clinton, que adotou o mesmo discurso ao bater Bernie Sanders na convenção democrata, e não funcionou com Biden. Mesmo que Biden vença, ele deverá essa vitória não a seus méritos, mas à agressividade da covid-19. E, dessa forma, Trump e o trumpismo continuarão a ser uma força política poderosa nos Estados Unidos.

Onde, então, falhou o Partido Democrata?

A escolha centrista atrapalhou o partido mesmo em redutos tradicionais. Na Flórida, boa parte dos latinos bandeou para Trump. Biden não significava nenhuma esperança para eles. Para o eleitorado negro, Biden e Kamala Harris formavam uma dupla problemática, os políticos tradicionais que, de olho em eleitorados mais amplos, viraram as costas para a luta contra o encarceramento em massa. E para os trabalhadores brancos, seja nos estados industriais, seja nos estados agrícolas, o que mudaria com Biden? Quase nada. Nenhuma política explícita de aumento dos direitos trabalhistas ou do salário mínimo.

Biden não é igual a Trump. Sabemos que com ele a vida política norte-americana voltaria aos trilhos. O problema é, no caso, com que rumo. O que propunha Biden? Colocar os EUA no caminho que o país trilhava quatro anos atrás – que é, digamos assim, o caminho da catástrofe que levou a Trump. Nenhuma inversão de prioridades, nenhuma crítica ao sistema, nenhuma autocrítica concreta às políticas de Obama.

Nos anos 1990 e começo dos anos 2000, o filósofo húngaro Isztván Mészàros afirmava que, se o assunto fosse distribuição de renda e percentual de população abaixo da linha da pobreza, os Estados Unidos eram um país do Terceiro Mundo. Com o fim do socialismo soviético, a expressão Terceiro Mundo caiu em desuso. Mas a situação não muda porque deixamos de usar algumas palavras. A situação dos pobres norte-americanos só piorou de lá para cá. Os democratas, em tese mais próximos dos trabalhadores, não adotaram políticas que mudassem isso significativamente.

Nesse sentido, para os trabalhadores e marginalizados nos Estados Unidos, a diferença entre republicanos e democratas é simbólica. E entre um símbolo de força (Trump) e um de tibieza (Biden), perdoa-se todos os erros do histriônico e nenhum do cordato.

Assim, uma vitória democrata seria pouco mais que um alívio. Mas, como foi imaginada e talvez se concretize, não será capaz de eliminar o sufoco mundial que significou o projeto Donald Trump. Claro que a ultradireita recua um pouco com uma eventual derrota trumpista, o espaço da política se repõe, novos caminhos para a relação com a América Latina são abertos, com o retorno de algumas regras de civilidade que haviam deixado de valer.

Com doses altas de hipocrisia, com Biden voltaríamos a discutir problemas como covid-19, aquecimento global, embargo a Cuba, políticas de imigração, encarceramento em massa, negociações de paz no Oriente Médio. Nada de muitas esperanças, apenas a chance de tomarmos fôlego enquanto esperamos uma segunda onda direitista, eventualmente sob o comando do próprio Biden.

Uma vitória de Biden, pelo menos tudo indica, seria insuficiente para reverter os processos altamente destrutivos que campearam nos governos de Bill Clinton e Barack Obama: a desestabilização permanente de países ao redor do mundo, política de Estado no pós-crise de 2008 que levou os Estados Unidos a derrubarem indiretamente inúmeros governos nas Primaveras Árabes; o apoio discreto na Europa e explícito na América do Sul a políticos de direita; o escamoteamento de toda e qualquer crítica à ditadura da burguesia financeira e indústria dos EUA a contra os trabalhadores do próprio país.

O conservadorismo oposicionista de Biden tenderia, portanto, a não resolver as contradições que levaram Trump ao poder. Ao contrário, a maior parte delas seria apenas renovada. Não significaria a morte do projeto da ultradireita, nem teria forças suficientes para romper com a vocação imperial e autoritária dos Estados Unidos. Esses projetos continuarão a circular nos EUA e no mundo, como fantasmas em busca de casas para assombrar.

Há, no entanto, um novo componente em andamento nos EUA, que a disputa com a ultradireita e a arriscada opção democrata pelo centro acabou eclipsando: o crescimento de uma esquerda forte eleitoralmente nos Estados Unidos. Ainda que no topo a direção democrata seja ainda muito ligada ao grande capital financeiro, a base do partido caminha para posições mais radicais e realistas. Essa dupla vida democrata indica uma possibilidade de fratura no sistema bipartidário clássico. Só essa fratura pode reapresentar aos Estados Unidos algo que poderíamos chamar realmente de democracia.

Assim, a esperança não estava na figura de Biden e a rigor nem mesmo na de Bernie Sanders, que representava a esquerda realmente progressista (mas não radical) norte-americana. Mas, sim, no processo de reorganização política que parece estar seguindo passos lentos, mas consistentes, no país. Com a vitória apertada de Biden ou com sua derrota, a direção democrata, que o candidato personifica tão bem, terá de lidar, já, com uma esquerda democrata muito mais atuante e que tem muito mais voz do que aquela que aceitou a guinada centrista de Barack Obama.

Se Trump é o novo normal das milhares de mortes diárias da covid-19, Biden é o velho normal da política de um império em crise. O velho normal pode não ser tão terrível quanto o pesadelo dos anos Trump, mas também está longe de ser o mundo dos sonhos. E, para vencer a direita, não basta prometer o velho mundo, é preciso abrir que os deserdados da terra sonhem com um mundo melhor e acreditem que ele é possível.

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