Saúde

Governo divulga balanço com 3 horas de atraso para esconder recorde de mortes

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Brasil bate novo recorde diário de mortes por coronavírus e se consolida como o epicentro da pandemia global. Governo Bolsonaro divulga balanço com 3 horas de atraso para evitar que informação fosse veiculada nos telejornais noturnos:

Amanda Perobelli/Reuters

O Ministério da Saúde divulgou hoje, com mais de três horas de atraso, o boletim diário da pandemia do coronavírus no Brasil.

Os dados revelam 1.349 mortes confirmadas em 24 horas no Brasil, ou uma a cada 64 segundos, o maior número já contabilizado nesta pandemia. Com isso, o número total chega a 32.548. O índice supera a alta de ontem, quando foram registrados 1.262 óbitos.

Com a inclusão de 28.633 novos diagnósticos, o país contabiliza 584.016 casos em todo o seu território.

No final da tarde de hoje, às 17h56, a coletiva de imprensa com os técnicos da pasta, marcada para as 17h30, foi cancelada. Algumas horas depois, foi informado à imprensa que a atualização seria feita às 22h devido a “problemas técnicos”. Oficialmente, os dados são divulgados às 19h.

A verdadeira razão do atraso, segundo interlocutores do próprio Ministério da Saúde, foi evitar a veiculação da notícia de mais um recorde diário de óbitos por Covid-19 nos telejornais noturnos. O Brasil já é o país com o maior número de novos casos e mortes semanais no mundo.

O balanço divulgado diariamente no início da noite consiste de um inventário de casos e óbitos confirmados pelos governos estaduais e repassados ao Ministério da Saúde. Em março, a pasta havia esclarecido que os dados eram enviados até o início da tarde e consolidados às 16h.

O ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta explicou hoje que, para a elaboração do boletim, “em tese, seria só somar estes números [dos estados], listar por ordem alfabética e somar”.

“O grande problema é talvez perder a credibilidade e passar à população a impressão de que estão escondendo números. Seria o pior efeito deste tipo de coisa, a confiança da população quanto à veracidade e a confiabilidade dos números”, afirmou.

Alerta

A situação de hoje foi vista com alerta por médicos e cientistas. “É um mau indício em um momento crítico, em que precisamos de informação. E abre até a perspectiva de haver algum tipo de manipulação ou ocultação de dados, de retardo de alguma notícia desagradável”, ponderou Evaldo Stanislau, médico infectologista do Hospital das Clínicas.

“Gostando ou não, confiando ou não, os dados do Ministério da Saúde são os oficiais do Brasil. O primeiro problema é ficar sem dado oficial. Isso tem um impacto na assistência, porque muda o planejamento e a tomada de decisão de gestores que estão monitorando estes dados. Então também causa um efeito cascata”, completou.

“É sempre importante ter uma comunicação direta, a mais próxima possível do tempo real para ter também uma resposta adequada [à pandemia] em tempo real”, explicou Natanael Adiwardana, infectologista do Hospital Emílio Ribas.

“Não consigo avaliar a real intenção por trás disso, mas se a comunicação não se dá de forma ágil e transparente, isso com certeza atravanca ainda mais o debate sobre o assunto e a formação de políticas públicas. Se o Ministério pudesse atualizar os dados mais rapidamente e de forma mais transparente, traria uma dinâmica muito melhor. Isso [o atraso] pode nos dar uma falsa sensação do estado atual das coisas”, disse.

Já o neurocientista e coordenador do comitê cientifico para covid-19 do Consórcio Nordeste, Miguel Nicolelis, disse que é “simplesmente estarrecedor” o atraso na divulgação dos dados. “Não bastasse a subnotificação, agora nem os dados 7 vezes subnotificados vamos ter? Onde no mundo algo assim aconteceu no meio de uma pandemia?”, questionou.

Para Paulo Lotufo, epidemiologista e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), o atraso na divulgação visa conter a repercussão negativa que grandes aumentos nos números têm na cobertura da imprensa.

“Estão tirando para não sair no jornal. É de certa forma uma censura. Eles tentam segurar ao máximo; a saída para isso é basear [o noticiário] direto nos dados das secretarias”, denunciou.

“O Ministério da Saúde está sem ministro, com dois ministros que saíram em menos de um mês. Essa situação é complicada. O nosso risco agora é de um apagão técnico. E que eu acho que é isso que está acontecendo”, afirmou Bernadete Perez, vice-presidente da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva).

“Eu não sei ao fundo [o que houve hoje], mas a gente já vem discutindo essa possibilidade de apagão técnico no ministério pelo esvaziamento dos cargos técnicos”, pontuou, referindo-se à formalização do general Eduardo Pazuello hoje como ministro interino da Saúde.

A confirmação ocorre 19 dias depois da saída de Nelson Teich da pasta, que assumiu o cargo no lugar de Mandetta.

Para Perez, esse cenário se soma à falta de resposta do governo de Jair Bolsonaro (sem partido) no enfrentamento à pandemia. “Há uma negação da ciência, das evidências, e não há coordenação da resposta à epidemia com estados e municípios. Ao contrário, seguem contradizendo as medidas adotadas.”