Saúde

Bolsonaro ainda considera coronavírus fantasia agora que bateu à sua porta?

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Wajngarten testa positivo para coronavírus e Bolsonaro é monitorado. Agora que bateu à sua porta, será que o presidente ainda considera a doença uma fantasia?

Bolsonaro e Fábio Wajngarten

Leonardo Sakamoto

Jair Bolsonaro demonstra não ter condições de conduzir o país através da pandemia de coronavírus, que deve atingir seu pico por aqui nas próximas semanas. Pelo contrário, por conta de suas declarações despreparadas, ele atrapalha os esforços de enfrentamento da doença pelos serviços de saúde. Uma autoridade pública tem o dever de não estimular o pânico, mas também evitar o descaso – trilha equilibrada percorrida pelo ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, mas não pelo presidente.

Bolsonaro menosprezou a pandemia, chamando a crise de “fantasia”, ao tratar do tema no último dia 9. Afirmou que o Covid-19 não “é isso tudo que a grande mídia propaga”, transformando uma situação de emergência global em uma batalha de sua guerra cultural. E, ao invés de passar recomendações à população, preferiu dizer que “outras gripes mataram mais do que esta”.

O secretário de Comunicação Social do governo federal, Fábio Wajngarten, que fez parte da comitiva de Bolsonaro aos Estados Unidos, testou positivo para a doença e espera a contraprova. Alvo de inquérito da Polícia Federal por corrupção passiva e peculato, ele voltou com suspeita de tê-la contraído. Não viajou no avião do presidente e dos ministros, mas permaneceu em ambientes fechados com eles. Por conta disso, todos estão sendo monitorados. Diante das informações sobre seu estado clínico, Wajngarten criticou o que chamou de “banda podre da imprensa” e afirmou que não vai precisar de “abraços do Drauzio Varella”.

Mesmo apresentando um claro déficit de humanidade, espero, sinceramente, que o secretário se recupere rápido da “fantasia”. E que o presidente não contraia nenhuma “fantasia”. De qualquer forma, o governo norte-americano já está de olho porque todos jantaram com Donald Trump no último sábado.

Existe um local de racionalidade em crises de saúde pública que deve ser ocupado por autoridades – local distante da histeria do “vamos todos morrer!”, mas também longe da irresponsabilidade do “isso não é nada, apenas fake news!” Bolsonaro chama o vírus de “superdimensionado”. Não, “superdimensionado” é sua avaliação da estrutura que temos para enfrentá-lo.

O vírus é muito menos mortal do que o medo da população faz parecer crer, mas a pandemia vai lotar hospitais e postos de saúde, reduzindo a capacidade de atendimento aos casos mais graves da própria doença e a outras enfermidades. Vale lembrar que 95% dos leitos em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) do Sistema Único de Saúde estão ocupados e que precisaríamos de mais para enfrentar o Covid-19. Até porque, sem isolamento adequado, hospitais tornam-se vetores de difusão da doença.

Por isso, ações de gestores de saúde têm ido no sentido de retardar a contaminação em massa de forma que o problema impacte a estrutura “em prestações”, uma vez que não contamos com leitos e recursos humanos o suficiente. Até porque não somos a China para erguer um hospital em dez dias.

Mas apesar do gigante asiático ter registrado 3,4% de letalidade (mortos diante de infectados) para o coronavírus e a Itália também ostentar altas taxas, as estatísticas de outros países, como a Coreia do Sul, que estão acompanhando de perto a saúde dos pacientes que contraem a doença e não apresentam sintomas, mostram que esse número pode ser de 0,6% ou menor. Para efeito de comparação, a Sars fica em 9,6%, dengue hemorrágica e sarampo, em 2,5%, e a gripe comum, 0,1%. O que não significa que a doença não seja grave e tenha matado mais de 4 mil ao redor do mundo, infectando mais de 125 mil, principalmente quem tem mais de 60 anos.

Além de idosos e indivíduos com doenças pulmonares, quem tem que redobrar o cuidado por conta da taxa bem maior de letalidade são cardiopatas, hipertensos e diabéticos. Como preencho essa tríplice coroa, sei que estou em um grupo de risco aumentado e, portanto, tomo cuidado extra todos os anos com a gripe comum.

Cuidados básicos, que deveriam ser adotados por todos sempre, precisam estar no centro das atenções agora. Mas o presidente prefere usar seus potentes canais de comunicação nas redes para atacar aqueles que fazem esse serviço de informação pública, como o médico Drauzio Varella.

Deve ser desesperador para o ministro da Saúde, que tem feito a lição de casa, ver o seu chefe agindo de forma destrambelhada e jocosa. Nesta quarta (11), em audiência com congressistas para pedir a liberação de R$ 5 bilhões a fim de preparar o país para o vírus, Mandetta afirmou que “nós ainda estamos achando graça, fazemos piadas, dizemos que isso não é conosco”. Alertou que é conosco sim e o problema está em nossa antessala.

Não sei se as listas de WhatsApp que o presidente usa para se informar reproduziram a fala do ministro, mas seria bom Bolsonaro ter contato com a realidade periodicamente. Pelo menos, para ficar em silêncio.

O ministro afirmou que, ao contrário do que fez o governo do Distrito Federal, o melhor, por enquanto, não é interromper as aulas e mandar os estudantes para casa. A doença praticamente não causa sintomas nas crianças, mas, quando contaminadas, elas se tornam vetores de transmissão. Fora da escola, muitas ficarão sendo cuidados pelos avós, podendo passar a eles o coronavírus.

Isso é diferente de grandes eventos. Quanto menos aglomerações neste momento, melhor, para não acelerar o curso da doença e lotar hospitais. Mesmo assim, o presidente da República conclamou seus seguidores para manifestações contra o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal no próximo domingo (15).

Parte de seus fãs, aliás, afirma nas redes sociais que o Covid-19 faz parte de uma conspiração globalista contra o capitalismo. Alguns chegam a dizer que a doença não existe e é apenas gripe comum. Até Donald Trump abandonou o negacionismo, pois percebeu que isso poderá afetá-lo nas eleições presidenciais de novembro.

O mais irônico é que o presidente cancelou uma viagem a Mossoró por conta da avaliação de seus assessores de que é necessário evitar exposição com risco de contaminação do coronavírus. “Infelizmente tivemos que adiar este nosso encontro em função de razões de segurança sanitária. A decretação ontem pela OMS de uma pandemia mundial nos obriga a ter uma maior segurança com a figura do presidente da República”, afirmou o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho.

Ou seja, quando é a saúde do povaréu que está em jogo, coronavírus é “fantasia”. Quando é a do presidente da República, é questão de “segurança”.

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