Tragédia

O que já se sabe o que falta esclarecer sobre o massacre em Paraisópolis

Share

Laudos apresentados atribuem uma única causa para as nove mortes ocorridas em Paraisópolis; corpos das vítimas não estariam sendo fotografados durante perícia do IML

À esquerda, policial é flagrado chutando pessoa caída no chão durante o ‘Baile da 17’. À direita, policial dispara arma (imagens: divulgação)

Para o Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe) de São Paulo, a versão oficial da polícia para as nove mortes ocorridas em Paraisópolis é “insuficiente” e “insatisfatória”.

O presidente do Condepe, o advogado Dimitri Sales, acompanhou o protesto realizado neste domingo (1º) por moradores e familiares contra a violência policial e ouviu os testemunhos das pessoas que contrariam a versão da polícia.

Ele também relatou a suspeita de que os corpos das vítimas não estariam sendo fotografados durante perícia realizada no Instituto Médico Legal (IML). Os laudos apresentados atribuem uma única causa para as nove mortes ocorridas, que teriam sido causadas por “asfixia mecânica”.

“A versão de que a polícia havia reagido e isso teria desatado numa correria que culminou com algumas pessoas sendo pisoteadas não é uma versão que satisfaz a essas pessoas, que repetiam insistentemente que tratou-se de uma execução. As nove mortes de Paraisópolis foram execução, num contexto de um massacre”, afirmou o advogado aos jornalistas Marilu Cabañas e Cosmo Silva, para o Jornal Brasil Atual, nesta segunda-feira (2).

Embora ocorridas num mesmo contexto, Sales diz que é preciso apontar a singularidade das mortes. Já a falta de imagens dos corpos que teriam sido pisoteados representariam o risco de extinção da materialidade de eventuais abusos cometidos pelos agentes policiais. “A Polícia diz que as pessoas foram pisoteadas. É preciso ter as imagens dos hematomas nos corpos para que se faça a investigação. Se foram pisoteadas, há marca de coturno?” Ele destacou a existência de vídeos que mostram policiais pisando nas pessoas.

Reportagem de Arthur Stabile e Fausto Salvadori, publicada na Ponte Jornalismo, mostra que policiais fizeram ameaças diárias aos moradores, após a morte do PM Ronald Ruas Silva, baleado na barriga durante uma troca de tiros, nas imediações de Paraisópolis. Mais de uma dezena desses moradores afirmaram suspeitar que a ação da polícia, que emboscou frequentadores de um baile funk, seria uma espécie de vingança das forças policiais.

A PM alega que alega que dois homens viajando em uma motocicleta teriam atirado contra policiais do 16º Batalhão da Polícia Militar Metropolitano (BPM/M) que realizavam uma operação na região. Os agentes teriam perseguido os dois até o baile , causando tumulto generalizado entre as mais de 5 mil pessoas presentes.

Diante do choque de versões e do indício de destruição de provas, o presidente do Condepe diz que a investigação do ocorrido não pode ficar a cargo desse mesmo batalhão. “Não cabe ao batalhão local fazer a investigação. É um caso terrível, de grande repercussão. Cabe à corregedoria da PM promover uma efetiva investigação.” Ao fim da apuração, que será acompanhada pelo Condepe, Sales defendeu a responsabilização dos envolvidos. “O Condepe vai atuar para pressionar as autoridades para que esse episódio seja desvendado na sua totalidade e os responsáveis, diretos ou indiretos – ou seja, quem deu comandou, organizou e executou a operação – possam, dentro dos marcos da lei, serem devidamente punidos.”

Discurso de morte

O advogado afirmou que o massacre de Paraisópolis é resultado de discursos que estimulam a letalidade policial, como aqueles adotados pelo presidente Jair Bolsonaro, que tem defendido o excludente de ilicitude – que impede a punição a agentes por mortes ocorridas em ação – para policiais e membros das Forças Armadas, e também pelo governador João Doria, que chegou a homenagear policiais envolvidos em ação que matou 11 pessoas numa tentativa de assalto a banco na região da Grande São Paulo.

“Não é possível que, em pleno século 21, a gente ainda conviva com massacres, chacinas e extermínios no estado de São Paulo. Temos uma responsabilidade legal e civilizatória de cobrar e exigir que essas mortes sejam apuradas, como uma espécie de recado para dizer que a letalidade policial e a impunidade não podem mais vigir no estado de São Paulo”, disse Dimitri Sales.

Duas horas depois de ter lamentado as mortes ocorridas em Paraisópolis o governador de São Paulo elogiou a política de segurança pública paulista, durante a solenidade de filiação do ex-ministro Gustavo Bebianno ao PSDB do Rio de Janeiro.

“Não há hipótese de uma comunidade, uma população, uma cidade, um estado ou uma grande região ter paz sem ter segurança. Em São Paulo, isso se faz com seriedade, com planejamento, com estruturação, com inteligência para permitir a ação preventiva do crime, com respeito aos policiais”, disse. “Hoje, São Paulo tem uma polícia preparada, equipada e bem informada.”

As duas versões

A polícia diz que a confusão foi provocada por criminosos, que atiraram contra militares e usaram frequentadores da festa como “escudo humano”. Parentes de vítimas contestaram e falaram em uma “emboscada” da PM.

O ‘Baile da 17’ existe desde o começo dos anos 2000. Segundo moradores ouvidos pela BBC News Brasil, o número 17 é uma referência a um bar de drinks que existia na favela. A festa teria surgido como um pagode em frente a esse boteco, mas, nos intervalos, os frequentadores ouviam funk em carros estacionados na rua.

O baile cresceu e invadiu as madrugadas. Carros com aparelhos de som potentes tocam funk para até 30 mil pessoas espalhadas por vielas que hoje são mais comerciais do que residenciais. A festa costuma ocorrer nas noites de sexta e sábado. Mas podem começar na noite de quinta-feira e se estender até domingo. No dia do massacre, cerca de 5 mil pessoas participavam do baile.

Paraisópolis é a 2ª maior favela de São Paulo e 5ª maior do Brasil. Tem 10 quilômetros quadrados e fica ao lado do Morumbi, bairro nobre na zona oeste de São Paulo.

Estima-se que tenha cerca de 100 mil habitantes e 8 mil estabelecimentos comerciais — a maioria pertence a moradores. O local sofre com pobreza extrema, falta de saneamento básico e atuação do tráfico de drogas.

Moradores afirmam que os policiais chegaram e fecharam duas ruas onde acontecia o baile (as esquinas da Ernest Renan com a Herbert Spencer e Rodolf Lotze), coagindo os frequentadores.

Ainda segundo os moradores, a PM atirou com armas de fogo, além de bombas de gás e balas de borracha, jogaram garrafas, bateram com cassetetes e usaram sprays de pimenta na multidão.

Siga-nos no InstagramTwitter | Facebook