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Delação de Sergio Cabral é piada macabra que interessa a Moro

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Condenado a 268 anos de cadeia numa penca de processos, restou mais do que evidente que Sergio Cabral não era um peão do esquema ou uma peça intermediária. Ele mandava em tudo. O que ele vai fazer? Delatar para baixo? Entregar subordinados? Delação havia sido rejeitada pelo MPF, mas foi aceita pela Polícia Federal de Moro

Sergio Cabral (TribunaNF)

Reinaldo Azevedo, em seu blog

Já tinha cantado esta bola aqui, e agora a coisa se confirma. Sérgio Cabral, ex-governador do Rio, fechou um acordo de delação premiada com a Diretoria de Investigação e Combate ao Crime Organizado da Polícia Federal — ente sob o guarda-chuva de Sergio Moro, ministro da Justiça. Segundo o jornal “O Globo”, Cabral se comprometeu a devolver R$ 380 milhões. O principal alvo do homem, tudo indica, é o Judiciário. Moro deve estar mais assanhado do que lambari na sanga.

A simples tentativa já constitui uma aberração óbvia, permitida pela Lei 12.850, cujos buracos não foram sanados nem pelo bom pacote anticrime que foi aprovado pelo Congresso. No que diz respeito à delação, limitou-se, na prática, a impedir prisão preventiva e medidas cautelares com base apenas na acusação de delatores. É preciso muito mais do que isso para que o Brasil não continue, como hoje, refém de bandidos. Volto ao ponto daqui a pouco.

Delação premiada para Sérgio Cabral? Até a seção da Lava Jato do Rio do Ministério Público Federal é contra. O acordo foi fechado em novembro e está com o ministro Edson Fachin, do STF, que pediu um parecer a Augusto Aras, procurador-geral da República. Também este, com razão, disse “não”.

Condenado a 268 anos de cadeia numa penca de processos, restou mais do que evidente que Cabral não era um peão do esquema ou uma peça intermediária. Ele mandava na zorra toda. Era o chefe. O que ele vai fazer? Delatar para baixo? Entregar subordinados? Na prática, a destrambelhada Lei 12.850 o permite.

Mesmo que o delator seja o chefão, benefícios são garantidos por lei, ainda que ligeiramente menores do que o de delatores subordinados. O Ministério Público pode, por exemplo, não oferecer denúncia nenhuma a depender da colaboração. Esse benefício não cabe ao “capo dei tutti capi”, ao “chefão dos chefinhos”: é vetado pelo Inciso I do Parágrafo 4º do Artigo 4º da lei.

Cabral, por óbvio, já passou dessa fase. Tem, reitere-se, nada menos de 268 anos de pena nas costas. Preso desde 17 de novembro de 2016, sua vida já foi virada do avesso no que era possível virar. Da postura inicial de quem negava tudo e apontava uma grande conspiração, chega-se ao cara que topa devolver R$ 380 milhões. Sua mulher, Adriana Ancelmo, também é investigada. Não se tem a informação se o acordo a inclui ou não. É provável que sim.

É claro que cabe uma pergunta retórica: quanto roubou — ainda que já tenha consumido tudo em Chicabon — quem topa devolver R$ 380 milhões? A essa altura do andamento das coisas, quem controla quem? É a Polícia e o MPF que têm as informações todas sobre Cabral, ou é Cabral que sabe tudo o que os órgãos de investigação sabem sobre ele?

A resposta é tristemente óbvia. É Cabral quem tem o controle do que fizeram MPF e PF, não o contrário. A delação pode servir unicamente para que o ex-governador do Rio acerte as contas com alguns adversários políticos — ou pré-existentes ou que lhe foram oferecidos nesses anos de reclusão. Mais: quem mentiu e omitiu com tanta determinação teria decidido agora falar a verdade por quê?

E aqui chegamos à falha escandalosa da Lei 12.850. O Parágrafo 2º do Artigo 4º permite que, a qualquer momento do inquérito, havendo colaboração, Polícia e MP requeiram ao juiz até o perdão judicial. É evidente que se trata de uma mamata. Convenham: flagrado com a boca na botija, dever-se-ia dar à pessoa em questão as alternativas: “Delata agora, ou seguimos investigando sem sua colaboração”. Se o investigado decidisse que seria sem, caso encerrado.

Mas a coisa é ainda mais indecente: mesmo o sentenciado pode fazer a delação. Define o parágrafo 5º: “Se a colaboração for posterior à sentença, a pena poderá ser reduzida até a metade ou será admitida a progressão de regime ainda que ausentes os requisitos objetivos.” Alguém poderia dizer: “Bem, nesse caso, a pena de Cabral cairia pela metade: 134 anos…” Ninguém fica preso além de 30 anos no país” — ou 40, segundo o pacote anticrime, se sancionado. O ponto não é esse: por tal dispositivo, Cabral poderia ir para casa em nome da “progressão, ainda que ausentes os requisitos objetivos”. Como Antonio Palocci.

A Lei 12.850 tem de ser corrigida com urgência para que tipos como Cabral e Palocci não sangrem primeiro os cofres públicos e, depois, a institucionalidade.

A delação deste senhor é de tal sorte absurda que, quero crer, será recusada por Edson Fachin. Mas nunca se sabe. O doutor tem vocação para mandar os outros para a sua fogueira nada santa. Consta que Cabral vai entregar ministros do STJ (Superior Tribunal de Justiça). Fachin gosta de aplausos e holofotes. Pretextando o não-corporativismo, pode homologar a estrovenga.

Mais: Cabral teria dito que um presidente da República entra no rolo. Será Lula ou Dilma? Dados o andar da carruagem e o descontentamento que emana de certas áreas com a liberdade do líder petista, cabe ligar o desconfiômetro.

Moro está, como gosto de brincar, como aqueles crocodilos à beira de um rio no Quênia à espera da passagem dos gnus. A quem interessan, nesta quadra, o enfraquecimento do Poder Judiciário e uma nova rodada de acusações contra petistas? Ousaria dizer que nem ao próprio Bolsonaro. Ao ministro da Justiça interessa. Não o estou acusando de estar necessariamente por trás da delação de Cabral. Apenas lembro quem se aproveita politicamente do enfraquecimento de tribunais superiores e de uma nova saraivada contra os alvos de sempre.

“Ah, então não se pode nunca investigar o Judiciário?” Quando e se for o caso, a resposta é “sim”. O que não é aceitável é que tipos como Cabral sejam os espadachins da reputação alheia.

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