Redação Pragmatismo
Mulheres violadas 12/Nov/2019 às 17:51 COMENTÁRIOS
Mulheres violadas

“Meu menino está muito estranho”, disse brasileira assassinada pelo filho na Espanha

Publicado em 12 Nov, 2019 às 17h51

“Quero pôr um trinco no meu quarto. Meu menino está muito estranho”. Brasileira assassinada pelo filho revelou para amiga que não se sentia segura em casa

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‘Selfie’ realizado por Kelly Gonçalves, com sua filha e Minaene ao fundo (blusa rosa), na quarta-feira anterior a sua morte violenta

Silvia Rodriguez Pontevedra, El País

Minaene Franco, de 36 anos, não queria falar dos problemas que tinha com seu filho de 17, mas às vezes não aguentava mais e se abria. Alguns amigos viram as marcas das agressões, outros presenciaram discussões, e a um deles essa brasileira radicada na Espanha chegou a revelar que não se sentia segura em casa com o adolescente. Queria instalar um trinco no seu quarto para dormir mais tranquila.

O menor, extremamente tímido da porta para fora, tornou-se violento, mas só com ela. Na segunda-feira passada, o cadáver esfaqueado da mulher foi achado dentro de uma mala no município de Foz, na região da Galícia, noroeste da Espanha.

A última mensagem de voz enviada por Minaene à amiga Kelly, às 7h34 (hora local) de sábado, 2 de novembro, falava da máscara que ela tinha usado numa festa de Halloween, com seus amigos, nas ruas da pequena Foz. Havia comprado o objeto depois de emigrar do Brasil para a Itália, e agora, instalada na Espanha, o guardava como uma lembrança íntima de uma vida de luta por seu filho.

“Naquela noite ela estava lindíssima e superfeliz”, repete Kelly Cintia Gonçalves enquanto reproduz no seu celular a gravação de WhatsApp da mulher agora falecida. Ela foi quem chamou o serviço de emergências, no final da noite de domingo passado, numa ligação feita do corredor do prédio onde Minaene e seu filho viviam de aluguel.

Em frente à porta, no quarto andar de um edifício verde-claro, na rua Costa do Castro, havia “duas gotas de sangue”. Ninguém atendia, e Kelly intuiu que algo horrível havia ocorrido lá dentro. Na segunda-feira, agentes da Guarda Civil munidos de mandado judicial entraram no apartamento e encontraram o cadáver de Mina retalhado a facadas. Estava escondido numa mala com estampa camuflada, guardada num armário. Meia hora depois, o menor, que tinha descido para tomar o café da manhã no porto local, foi detido como suposto autor do matricídio.

Minaene (nascida em Gurupi, Tocantins, em 1983) provavelmente morreu no sábado à tarde e tentou se defender, apesar de ser muito menor que o suposto homicida. Pouco depois, um homem viu seu filho num parque, e ao notar sua mão ensanguentada lhe perguntou o que tinha acontecido. “Fiz uma coisa”, respondeu o jovem, que nessa noite foi a um pronto-socorro para fazer curativos naqueles cortes profundos. Fazia meses que Minaene, “extrovertida, mas muito reservada sobre as coisas da sua vida”, tinha feito uma confidência a um amigo: “Quero instalar um trinco na porta do meu quarto. O menino está muito estranho”.

Rosi, moradora do edifício vizinho e também brasileira, recorda outro sinal de alerta recente, um entre tantos que os conhecidos agora vão alinhando, mas que antes não bastaram para prenunciar o desenlace atroz. “Eu a encontrei numa cafeteria com os olhinhos úmidos”, conta. “Eu a chamava de Bonequinha, porque tinha o cabelo todo encaracolado e um sorriso tão lindo que sempre tinha no rosto. Eu falei, ‘Bonequinha, o que você tem?’, e ela então começou a chorar. Contou-me que o menino a tinha empurrado na cozinha e me mostrou um hematoma enorme que tinha nas costas inteiras, por ter batido na bancada da cozinha.”

A palavra que as amigas de Minaene mais repetem é “respeito”. O garoto, dizem, sempre havia manifestado “respeito” por elas, mas não pela própria mãe. Era retraído, “calado”, “pacato”. “Para que dissesse duas palavras era preciso lhe perguntar” e “nunca olhava nos olhos”. “Não tinha amigos; estava sempre sozinho.” A relação doméstica se tornou “tóxica”, define Kelly Gonçalves. Os dois sozinhos num apartamento em Foz (10.002 habitantes), com o resto da família no Brasil.

“Mina contava que seu ex, que já morreu, a tinha abandonado”, relata Maria Aparecida Rodrigues, Mari, dona do bar A Charanga do Cuco, onde trabalhava a vítima. “Ela era tudo para aquele menino, o pai e a mãe, e acho que se sentia carente de carinho, porque ela tinha que trabalhar e ganhar a vida. Ela se desdobrava pelo filho, e veio para a Europa por causa dele. No começo deixou o garoto lá, com uma das irmãs tomando conta, mas o trouxe quando pôde. Ela me pediu que eu fizesse um contrato para ela para conseguir a permissão de residência, e eu fiz”, conta a dona do bar.

Foi então, há cerca de dois anos, que Mina – como era mais conhecida – se mudou para Foz vindo de outro município próximo. O adolescente fazia um curso técnico de Auxiliar de Clínica em Burela, a 14 quilômetros, e ela tinha começado o curso de Chef de Cozinha no colégio de Foz. “Era boa cozinheira, mas aqui trabalhava atendendo no balcão”, conta Mari. O menino ajudava como garçom quando o estabelecimento precisava de reforços.

“Foi criando um ódio”

Embora o filho fosse “obediente” e “correto” com todo mundo, Mari presenciou fortes discussões do suposto homicida com sua mãe. “Qualquer um que tenha um filho adolescente sabe como é difícil, mas ninguém imaginou que eles estavam tão mal”, lamenta a amiga. “Ela queria procurar ajuda das instituições e não sabia bem como encaminhar a situação. Quando ele se comportava mal, o castigava tirando o celular e outros aparelhos. Pouco a pouco, acho que ele foi criando um ódio.”

O Tribunal de Menores da província de Lugo, onde fica Foz, informou à imprensa na última terça-feira sobre as medidas cautelares que seriam adotadas para preservar a identidade do acusado, por ser menor de idade, e que ele seria mantido em regime fechado numa instituição tutelada. Antes da sua detenção, segundo um vizinho, o jovem manteve a televisão ligada a noite toda. Enquanto isso, o cadáver massacrado de sua mãe permanecia no armário.

Kelly e Mari organizam agora uma coleta entre amigos da Espanha e do Brasil para pagar a repatriação do corpo da sua amiga. “Ela sonhava em dar um bom futuro ao seu filho. Economizava. Tinha comprado um terreno no Brasil para fazer uma casinha e ficar perto dos seus pais e suas irmãs. É justo que Mina volte para a sua família”.

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