Polícia Militar

Torcedor do Corinthians é preso e humilhado por protestar contra Bolsonaro

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“E aí, você não é valentão, quem mandou xingar o nosso presidente?”. PMs prendem, agridem e humilham torcedor do Corinthians apenas porque ele protestou contra Jair Bolsonaro. Trabalhador relata momentos de terror psicológico e pura maldade

O vendedor Rogério Lemes (reprodução)

O vendedor Rogério Lemes foi agredido, detido e levado à delegacia por policiais militares (PMs), no último domingo (4), apenas por protestar contra o presidente Jair Bolsonaro. Torcedor do Corinthians, ele estava na arquibancada no jogo da equipe contra o Palmeiras, na rodada de fim de semana do Campeonato Brasileiro, em Itaquera, na zona leste de São Paulo.

“Eu estava dentro do Estádio e comecei a gritar ‘Bolsonaro vai tomar…’. E os policiais vieram pra cima, um já me deu um “mata-leão” (imobilização). Quando eu caí, me algemaram, me levaram pra uma sala e ficaram me humilhando”, relatou Lemes nas redes sociais.

Exibindo marcas nas mãos e pulsos, o vendedor disse que apanhou antes de ser levado à Delegacia Geral de Polícia, na Luz, região central da cidade.

O Boletim de Ocorrência (BO) indica que não havia qualquer conduta ilícita que justificasse a detenção de Lemes. Jaciel Ferreira da Silva e Paulo Alexandre Pires de Souza, PMs que abordaram o torcedor alegaram que ele estava “gritando palavras contra o atual presidente” e para “evitar um princípio de tumulto” o prenderam.

No entanto, não existe a figura da prevenção de tumulto para prender alguém. Se estivesse ocorrendo uma discussão ou briga, outras pessoas teriam sido detidas com Lemes, como explicou o advogado e membro do Conselho Estadual de Proteção aos Direitos da Pessoa Humana (Condepe) Ariel Castro Alves.

“A liberdade de opinião e expressão é garantida pela Constituição Federal. Os PMs que abordaram o torcedor na Arena Corinthians precisam responder por abuso de autoridade, previsto na Lei 4.898 de 1965. Se ele estivesse sendo agredido por outras pessoas, se justificaria que os policiais levassem para a delegacia do torcedor todos, ele como vítima, e os agressores. Os PMs justificam isso como um álibi, já que cometeram abuso de autoridade”, afirmou.

Na última semana, dados da Secretaria da Segurança Pública (SSP) indicam aumento na violência e na letalidade policial em São Paulo. No primeiro semestre, policiais militares em serviço e de folga mataram 414 pessoas. Em igual período de 2018, os PMs mataram 397 pessoas.

“O que demonstra que os PMs estão atuando para matar e não para conter e prender os considerados suspeitos. Os discursos e ações do governador paulista João Doria (PSDB) e do presidente Bolsonaro, além de outros parlamentares e políticos das chamadas bancadas da bala, estimulam a violência policial: são verdadeiras licenças para matar recebidas pelas tropas”, afirmou Alves.

Rogério concedeu entrevista ao Coletivo Democracia Corinthiana. Confira abaixo.

Quem é o Rogério Lemes?

Sou trabalhador e sou corinthiano de coração. Vendo portas e janelas no bairro do Brás, na Zona Leste.

O que ocorreu neste domingo, 4 de Agosto, na Arena Corinthians?

Entrei no estádio e logo depois gritei algumas palavras contra Bolsonaro, um cidadão que ofende a nossa democracia. Quase imediatamente, fui surpreendido por trás, com um mata-leão, dado por um policial militar.

Você reagiu?

Não, foi tão forte que me faltou ar e eu desfaleci, caindo no chão. Veio outro policial e me algemou, machucando meus pulsos. No total, creio que quatro participaram da repressão.

Você tentou fugir ou fez algo que justifique a violência?

Não, nada fiz. Tenho uma prótese de fêmur na perna esquerda e minha locomoção é muito limitada. Nem que eu quisesse poderia oferecer resistência.

O que mais fizeram?

Um policial, na maldade, torceu meu dedo médio da mão esquerda. Está doendo muito até agora.

E para onde o levaram?

Para uma sala sem água, quase sem nada e me jogaram no chão. Eu não podia me levantar por causa da limitação física. Com fortes dores, pedi ajuda, mas responderam com mais ofensas.

O que diziam?

Durante 40 minutos, fiquei lá. Entravam policiais e gritavam coisas do tipo: “e aí, você não é valentão, quem mandou xingar o nosso presidente?” Foram vários que entraram e gritaram frases para me intimidar.

E o que sentiu?

Senti que eles eram movidos por muito ódio, agressividade e maldade. Enfim, quem apoia esse cara, acaba reproduzindo o jeito dele.

E ficou lá por quanto tempo?

Acho que foi até o intervalo, porque naquela hora chegou um suposto investigador e falou para outro cara: “acabou o primeiro tempo e estamos perdendo”. Fui levado até a sala da delegacia do estádio e me colocaram diante de uma delegada. Perguntei que crime eu tinha cometido. Ela disse que nenhum crime, mas que aquele era o procedimento padrão adotado contra quem se manifestasse.

E nesse tempo todo, o que mais ocorreu?

Tomaram o meu relógio e também o meu celular, que só devolveram depois.

E quando te liberaram?

Só me liberaram faltando dez minutos para o fim do jogo. Vi cinco minutos da partida, mas já sem cabeça para isso. É um terror psicológico muito grande, muita maldade. Eu pedia ajuda por causa da perna e eles diziam: “foda-se”.

Você pensar em pedir uma reparação na Justiça?

Quase não dormi na noite de domingo para segunda. Muito terror psicológico, muita indignação. Estou com medo e temo represálias. Porque isso tudo é a falência do Estado. Acho que não tenho como recorrer, porque sou um simples cidadão, e eles têm todo o poder.

PMs disseram que Lemes estava “gritando palavras contra o atual presidente” e para “evitar um princípio de tumulto” o prenderam

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