Educação

O governo Bolsonaro e os sentidos de educação, escola e universidade em disputa

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Reconhecer a realidade de crise de muitas escolas e universidade públicas, baixos desempenhos, violências e etc, nos impulsiona a repensar ou ressignificar as formas de pensar e vivenciar

Jair Messias Bolsonaro e Abraham Bragança de Vasconcellos Weintraub, ministro da Educação (Imagem: Marcos Corrêa | PR)

Luciano Freitas Filho*, Pragmatismo Político

Opero com a ideia de que um dos maiores e emergenciais embates do campo político da esquerda, da centro-esquerda e dos intelectuais progressistas com o governo Bolsonaro, hoje, deve ocorrer no âmbito das disputas pelas políticas educacionais (mais precisamente, a disputa pelos sentidos de educação, de docência, de escola e de universidade que instituem essas políticas).

Por outro lado, essa afirmação não se propõe a desviar olhares para questões que circulam no debate atual, tais como: reforma da previdência, armamento ou segurança pública. Ao contrário, percebo as relações que essas discussões têm com a educação básica e superior e, por conseguinte, com uma política educacional de qualidade.

Até dado momento, após três meses de mandato, o governo federal não apresentou as principais diretrizes curriculares, as metas previstas para a educação básica e nem as políticas educacionais a serem maturadas ao longo do ano de 2019. O que se observa são apenas discursos ou pronunciamentos polêmicos, em tom meramente eleitoral.

Recentemente, em uma das diversas postagens feitas em seu Twitter oficial, Bolsonaro afirmou que o ambiente escolar e acadêmico no Brasil está sendo “massacrado pela ideologia de esquerda”, priorizando a conquista de “militantes políticos” ao invés de “formação de cidadãos”.

Ainda segundo o presidente, uma das prioridades do seu governo “é quebrar o ciclo da massa hipnotizada comendo migalhas, enquanto seus líderes nadam em milhões da corrupção do erário”, reiterando, dessa forma, que medidas ‘enérgicas’ de controle e fiscalização das escolas e universidades serão postas em prática.

Evidencio inquietações referentes a essa ‘fetichização’ com uma provável hegemonia comunista e doutrinadora no âmbito de escolas e universidades, sobre a qual não se tem registro ou fontes que comprovem sua existência.

Problematizo, igualmente, a forma “eficaz” e “pedagógica” proposta pelo presidente, por sua equipe e aliados para desestabilizar a tal “praga comunista” que paira sobre as instituições de ensino no Brasil: o estabelecimento de projetos de lei ou dispositivos pedagógico-normativos que instituem vetos, cerceamentos ou censuras à prática docente e ao currículo escolar, impulsionando, por conseguinte, o que ora apontamos como “desprofissionalização docente” ( Nóvoa, 2017) e “ desescolarização” como política curricular .

Como “desgraça pouca é bobagem” (considerando sempre o porvir), reitera-se que estes são discursos/defesas que não só têm no atual presidente um aliado de “primeira ordem”, como também dispõem do suporte de diversos parlamentares pertencentes a bancadas de deputados e senadores oriundos de grupos ideológicos diversos, tais como ruralistas, militares e cristãos.

Trata-se de um período em que o cerceamento e/ou vetos na escola e universidade estão na ‘ordem do dia’. É um período em que a ‘pós-verdade’ reforça um debate desarticulado dos fatos e particularmente da cientificidade, apelando, assim, para as emoções e crenças enquanto discursos hegemônicos. Eis um tempo de um populismo de direita em que a forma de fazer política descaracteriza a ciência, em um movimento explicitamente anticientífico e anti-conhecimento escolar.

Antes mesmo da eleição do presidente Bolsonaro, as instituições públicas de educação básica e superior já vinham se deparando com interpelações por parte de grupos conservadores diversos ( ruralistas, reformadores empresariais, religiosos evangélicos e partidos políticos de extrema-direita) e, assim, vivenciando situações que dimensionam o crescimento de discursos conservadores resistentes aos direitos humanos e à liberdade de expressão, reagindo regularmente à diversidade cultural e que acusam a escola e a universidade pública de falidas, fracassadas e com tendências esquerdistas e proselitistas.

Por conseguinte, são esses mesmos grupos políticos que vêm sugerindo a privatização das universidades, a reforma da escola pública e apontam proposições que esvaziam seu espaço, a saber: Escola sem Partido, Ensino básico a distância, educação domiciliar/homeschooling e reformas curriculares que modificam e diminuem cargas-horárias de diversas disciplinas como História, Geografia, Sociologia e Filosofia.

Aqueles que defendem os projetos supracitados ou congêneres defendem a neutralidade do docente em sala de aula, sem que o mesmo incite quaisquer reflexões políticas ou ideológicas no interior da sala de aula. Ao professor, portanto, cabe apenas o “dever de ensinar o conteúdo básico”, e o papel da formação cidadã ou de educar caberia aos pais e familiares, como se houvesse uma distinção entre o papel docente na condição de educador. Além disso, eles questionam a laicidade preconizada na LDB/96, a pedagogia freireana, os estudos darwinistas e marxistas, bem como investem nos discursos sobre um currículo neutro, tecnicista, em que conteúdos escolares devem estar dissociados do debate sobre direitos humanos.

Projetos políticos conservadores com propostas de vetos ou censuras que incitam a desprofissionalização docente (ou sua deslegitimação enquanto tal), que instigam políticas de responsabilização e meritocracia ao professor ou que sugerem a desescolarização do currículo com o esvaziamento do ensino na escola e estímulo de ensino básico a distância ou em casa (homeschooling) , ou que defendem a privatização das universidades públicas, são potenciais ameaças ao Índice de Desenvolvimento Humano/IDH de um país e propiciam a estabilização de uma ordem social desigual.

Em tempos de projetos políticos reacionários com duras críticas à escola e à universidade, sobretudo ao fazer pedagógico e ao currículo que circulam em seus interiores, cabe aos educadores o papel do elogio da escola e da universidade, ou seja, o ato de tensionar em sua defesa, não de forma romantizada, mas sim percebendo-se entre muros para entender suas limitações, suas dificuldades e falhas . É um adentrar na disputa de seu terreno, numa disputa pelos sentidos de democracia, em meio às contradições e dissensos que decorrem das relações sociais no seu interior. Contudo, sem desconsiderá-las enquanto espaços legítimos do ensino-aprendizagem, um espaço para a qualificação, socialização e subjetivação (Biesta, 2012) .

Esse texto aposta na defesa de um aprendizado que considere o trabalho intelectual e a liberdade de pensamento como elementos importantes não somente pelos efeitos de sentido que provocam na formação dos sujeitos, sua qualificação e na socialização dos saberes, mas principalmente por estabelecer a diferença como categoria fulcral para nossa forma de entender e agir frente às contradições sociais, estabelecidas por uma ordem social desigual e antidemocrática.

Buscamos, igualmente, evidenciar nossas inquietações acerca dessas interpelações às escolas e às universidades por parte das políticas educacionais acenadas e/ou propostas pelo governo Bolsonaro. A quem interessa o esvaziamento dessas instituições de ensino? Os filhos de pais de classe média e alta deixarão de frequentar as escolas e, por conseguinte, as universidades? Quem sai ganhando e quem sai perdendo com o fechamento de escolas, com a diminuição de cargas-horárias de disciplinas diversas, com o veto à liberdade de pensamento e cátedra do professor e, sobretudo, com a tentativa de veto às reflexões políticas por parte dos alunos, no interior da escola? Como ficam os estudantes carentes, com baixa renda, ao acessarem o ensino fundamental a distância ou que tenham parte da sua formação básica em casa, a partir da adesão de seus pais ao homeschooling/Educação domiciliar?

Faço a defesa da escola e da universidade a partir de uma aposta em sentidos que reafirmam sua condição de instituições que privilegiam o dissenso, a criticidade, um espaço para as ideias antagônicas e o pluralismo cultural, a partir das relações sociais existentes em seus interiores. Reitero a emergência de se repensar o papel social da escola e da universidade e os sentidos sobre elas, mas sem abrir mão delas. Insisto na defesa de sentidos de significantes como educação, escola, universidade e docência, em tempos de pós-verdade e do fazer política populista por meio de uma anticiência. Fazer a defesa de sentidos que se comprometam com um tensionamento e um antagonismo na defesa incessante dessas instituições, especialmente durante o mandato do presidente Bolsonaro.

Reconhecer a realidade de crise de muitas escolas e universidade públicas, baixos desempenhos, violências e etc, nos impulsiona a repensar ou ressignificar as formas de pensar e vivenciar a escola e a universidade, do fazer pedagógico, contudo sem abrir mão dessas instituições enquanto espaços principais do ensino básico e superior, respectivamente.

Contudo, essa defesa ou disputa de sentidos de educação, escola e universidade precisa estar extramuros dos sindicatos de trabalhadores em educação e das entidades estudantis. É preciso que sejam bandeiras dos diversos setores civis organizados e de diversos partidos políticos de esquerda e social-democráticos.

*Luciano Freitas Filho é doutorando em Educação pela UFRJ, membro da Comissão Dom Helder Câmara de Direitos Humanos da UFPE e Professor-formador da Secretaria de Educação de Pernambuco.

Referências

BIESTA, Gert. Boa educação na era da mensuração. Cadernos de Pesquisa, v. 42, n. 147, p. 808-825, 2012.

ANTÔNIO, Nóvoa. Firmar a posição como professor, afirmar a profissão docente. Cadernos de pesquisa, v. 47, n. 166, p. 1106-1133. Out/dez, 2017.

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