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Otavio Frias Filho: De jovem impetuoso a bilionário reacionário

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Otavio Frias Filho (1957-2018): A transformação de um jovem impetuoso dos anos 1970/80 em um bilionário reacionário

Mauro Lopes, 247

Na redação da Folha, tratávamos Otavio Frias Filho de três maneiras: nas conversas entre nós, jornalistas, ele era “Otavinho”; por escrito, especialmente nos textos de circulação interna que podiam ser lidos por ele, “OFF”; uma maneira que se considerava elegante e esperta de se referir ao dono de um jornal, ainda mais um jornal revolucionário, não no sentido político, mas editorial – off the records é uma expressão do jargão jornalístico que designa a informação apurada e publicada sem que se revele a fonte; no diálogo direto com ele, Otavio e, para os que não gozavam de uma relação mais íntima, sempre um diálogo formal, com um clima de tensão que Otavinho sempre criava ao redor.

Cheguei ao jornal numa data que não dá para esquecer, 24 de dezembro de 1986 – e trabalhei sem parar e sem folga até o início de 1987. Fiquei no jornal até maio de 1991, numa trajetória inesperada. De redator (uma função que sequer existe mais e era o “peão” da redação) a secretário de redação da sucursal de Brasília em 1988, integrante do time que cobriu as eleições de 1989 e, por fim, editor do Painel.

Convivi com “seu Frias” e o filho com alguma intensidade, especialmente como editor do Painel, por ser uma coluna de notas políticas sensíveis e exclusivas, e como responsável pela agenda dos famosos “almoços de sexta”, quando a redação reunia-se ao redor dos donos do jornal e um convidado ou convidada, desde presidente da República a ministros, parlamentares, intelectuais, gente “importante”.

No fim de 1986 o período culminante da revolução modernizadora que Otavinho havia liderado com seu Projeto Folha já havia passado. Era o tempo do império das normas erigidas no processo, condensadas no Manual de Redação. Mas ainda havia brasas do período mais incendiário, marcado sobretudo pela campanha das Diretas.

A redação era composta por algumas dezenas de ex-militantes do movimento estudantil da virada dos anos 1970/80, gente politizada e articulada, verdadeiros quadros que Otavinho (ou OFF) soube aproveitar. Tínhamos a sensação nítida de estarmos fazendo algo de muito importante, de estarmos “fazendo história”. Não era propriamente um “trabalho”; era mais uma “jornada”.

Aos poucos a brasa apagou-se, o jornal acomodou-se, tornou-se mais e mais conservador, sem qualquer ambição de chacoalhar o ambiente do jornalismo.

A lógica do “business” impôs-se.

Otavio fez um percurso similar ao dos tucanos, por quem, mesmo com sua personalidade sisuda e pouco dado a expressões de emoção ou preferências, nutria simpatia e alguma identidade intelectual. Assim como FHC, Serra e outros que eram referências suas, Otavinho foi cada vez mais para a direita.

O jornal, que havia apoiado o golpe de 1964 e depois migrara até as Diretas já e à renovação do jornalismo brasileiro, apoiou decididamente o golpe de 2016 e tornou-se um dos líderes da campanha de ódio a Lula e ao PT.

Aos poucos, o jornalismo da revolução foi substituído por uma agenda ideológica. Na redação, a “jornada” virou fumaça e a Folha virou um emprego qualquer.

Nos últimos tempos, nem a Folha ou o UOL eram mais o importava para o grupo dos irmãos Frias. O negócio realmente relevante tornou-se a maquininha de fazer dinheiro, o PagSeguro, com o qual o grupo levantou bilhões de dólares em duas ofertas de ações na Bolsa de Nova York em 2018.

Jovem impetuoso dos anos 1970/80, aos poucos, Otavio tornou-se um bilionário reacionário.

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