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O fim da Nova República, a apatia da esquerda e o fascismo do mercado

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A Nova República acabou: a esquerda ainda não ressurgiu e o fascismo de mercado insiste em protagonizar o debate

Bruno Lima Rocha, Jornal GGN

Há tempos queria começar uma pequena série de análises mais ensaísticas e menos conjunturais, aproximando-me da estupefação ampla, geral e irrestrita onde nos encontramos. Afirma-se “Brasil em transe” e há algo de racional nisso. Nestas breves palavras que seguem, começo tal empreitada.

Quem se dedica à análise política do Brasil contemporâneo costuma se debruçar sobre os fatores da crise e a ruptura do pacto de classes que marcou o período lulista. Ao mesmo tempo há certo consenso em afirmar que a “Nova República” acabou e as bases constitucionais de 1988 estão sob um ataque direto. Simultaneamente, a crise de arrecadação dos níveis de governo, da quase falência – forçosa – do aparelho de Estado e o recente (nos últimos três anos) enxugamento das políticas públicas implica uma brutal concentração de renda, aumentando um fosso que já era abissal, embora atenuado pelo período de crescimento econômico sem desenvolvimento.

Tampouco cabe, neste momento, levantar uma bandeira de tipo “saudosismo recente”, mais alinhada ao oficialismo do governo deposto – Lula e Dilma – e distante da crítica necessária. A instabilidade política brasileira iniciada – no entendimento deste analista – no chamado “terceiro turno” de 2014 e o processo de “venezuelização coxinha” no Brasil, foi ao encontro da desorganização social do país onde ultrapassamos mais de 50.000 mortes violentas por dia. Sociedade alguma com estes índices de homicídios e negação parcial – pelas vias de fato – dos direitos civis da maioria afrodescendente pode ser considerada “estável”. O que havia – e não há mais – é uma estabilidade institucional, onde o “baronato bananeiro” do topo da pirâmide social (nacional ou transnacional) transitava bem com as tecnocracias de carreira de Estado e as elites políticas estáveis com múltiplas presenças (empresarial, jurídica, partidária, midiática). A este desenho de composição de elites dirigentes somadas com frações de classes dominantes realmente existentes no Brasil, se somaram setores com protagonismo cada vez maior, como “alas empresariais ideologicamente neoliberais; neopentecostais neofundamentalistas; jovens ultraliberais alinhados aos laboratórios de difusão estadunidense” e, ao mesmo tempo, a parcela cada vez maior da posição política que se alinha com o que era chamado de “entulho autoritário” de saída da ditadura militar. De forma breve e ensaística, penso que devemos interpretar este segundo fator.

Vale respirar pausadamente, analisar a sociedade brasileira a fundo, reencontrar-se com as mais profundas raízes de nosso povo e buscar ir além do lugar comum e do jogo tático sem alternativas estratégicas. O dilema é sempre o mesmo: ou a inflexão pela ‘estabilidade institucional’ ou ‘ as formas de luta pela defesa dos direitos adquiridos e o mundo do trabalho’. Obviamente me inclino pela segunda opção e justifico. Toda e qualquer resistência política e social agora vai render acumulação para enfrentar as batalhas antifascistas ano que vem. E não estou falando das urnas e sim da mobilização da sociedade no Brasil. Fazer “revoadas de galinhas verdes” nunca foi uma dificuldade maior, o problema de fundo é não deixarem liquidar o território por completo.

A política de terra arrasada era previsível. Por incrível que pareça, a falta de compromisso com a legitimidade do governo Michel Temer e a hipocrisia marcada pelas jornadas coxinhas do “vento a favor” onde a cruzada moralista pelo impeachment sem causa jurídica durou menos de três meses, justamente dá o aval para os golpistas fazerem o que for necessário para se manter no Poder Executivo, não serem presos e cumprirem com as “promessas de conspiração”, na “puxada de tapete” da presidenta reeleita.

28 de setembro, Brasília, Esplanada dos Ministérios: uma “homenagem”

Em Brasília, na Esplanada, na 5a dia 28 de setembro, foi erguido um banner gigantesco do general de exército Antônio Hamilton Mourão, da ativa e com patente de quatro estrelas. Ou seja, sob o regramento disciplinar da Força Terrestre e, supostamente impedido de se pronunciar politicamente para além dos temas vinculados ao seu ofício. Expor uma figura com patente de general como líder político é como um regresso aos anos ’50, quando cada força política tinha incidência no Alto Comando das três armas e tínhamos candidaturas de marechais, brigadeiros, generais e almirantes. Na segunda década do século XXI, demonstrações como estas são simplesmente é um incentivo para a quebra da ordem política e, em tese, deveria ser exemplarmente punido. Nenhum caminhão roda sozinho e menos ainda um caminhão com guindaste. Tampouco um banner gigante pode ser produzido sem deixar rastro ou registro financeiro. Caberia abertura de investigação junto aos setores especializados em crimes institucionais. Caberia, não sei se foi aberto algum expediente investigativo, mas pressuponho que não deve vir a acontecer nada e uma imagem diante dos poderes constituídos fica como “uma homenagem“.

O entulho autoritário jamais recolhido e o problema da coesão da caserna

O ato em homenagem ao general Hamilton Mourão, uma forma de desafio público, aberto a ordem democrática – mesmo que em sua forma liberal e esvaziada – é a continuidade da banalização dos discursos de extrema direita com viés de apoio à intervenção militar ou, por tabela, à eleição do deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ) para presidente em 2018. Ao contrário do que possa parecer e se ainda interpretamos corretamente os pronunciamentos do Comandante em Chefe e de seu favorito na sucessão, o Comandante do Estado Maior do EB, vemos a preocupação da Força Terrestre em manter a coesão do Alto Comando, e primordialmente, a coesão entre a chamada “ala dos profissionais“. Logo, a conta inversa também é correta. Quanto maior for o apoio aos falastrões como Mourão, mais peso terá nas eleições a via de extrema direita – conservadora no comportamento – e essencialmente racista no que implica em reconhecer as formas de vida de indígenas e quilombolas.

Se há algum alento nesta extrema direita atual é seu anti-nacionalismo de fato, lendo o “nacionalismo” latino-americano como uma expressão genérica do sentimento anti-imperialista e pela autodeterminação de nossos países e povos. A nação profunda não é a imaginária como uma cópia mal feita e racista típica das sessões do parlamento do Império quando afirmavam “o Haiti não será aqui, o Haiti não pode ser aqui!”. O Brasil profundo é justamente aquele desprezado pela eugenia e o racismo de classe como nos explica Jessé Souza. Logo, o inverso também é verdadeiro.

O cenário é complexo e temos fragmentações múltiplas em todos os setores da política. Mas, ao menos alguns horizontes se tornam mais visíveis, e, automaticamente, cenários mais radicalizados. A luta antifascista ganha um novo contorno a partir do segundo semestre de 2017.

*Bruno Lima Rocha é professor de relações internacionais e de ciência política.

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