Saullo Diniz
Colunista
Violência 21/Jan/2016 às 16:12 COMENTÁRIOS
Violência

Violência como remédio para a própria violência

Saullo Diniz Saullo Diniz
Publicado em 21 Jan, 2016 às 16h12
Violência como remédio polícia desigualdade social injustiça

Às vezes parece que a belíssima obra de George Orwell, 1984, se materializou e se faz presente. Não falo necessariamente do totalitarismo e seu super-controle que o livro ilustra. Em sua obra, Orwell fala sobre quatro ministérios que seriam responsáveis, de certa forma, pelo governo. Mas quero destacar apenas um: o Ministério da Paz, responsável pela Guerra. Parece irônico, não é mesmo? Mas é mais real do que pensamos.

Falo isso porque tomamos a violência como início, meio e fim. E ainda mais: tomamos a violência como método (contra a própria violência). Parece esquizofrenia? Não é. Pegue uma pessoa violenta em flagrante (falo de uma violência condenada institucionalmente, mas devemos lembrar sempre que a maioria das formas de violência é livremente aceita) como, por exemplo, um assaltante ou até um agressor de uma pessoa considerada indefesa, seja um idoso, uma mulher etc. Qual será a reação popular frente ao ocorrido? Violência contra o violento. O policial que pegar uma pessoa violenta o descontará a violência. Por séculos “educamos” nossas crianças através da violência, seja na forma de castigos violentos ou na própria ameaça “faça isso ou então…”. Queremos que o indivíduo preso por ser violento sofra ainda mais violência na prisão. Tortura ao torturador, morte ao assassino, espancamento ao agressor não são soluções. Entendemos, no entanto, que há uma diferença sensível entre “a reação do oprimido e a violência do opressor”, mas é importante destacar também que a realidade é muito mais complexa que a (velha) dualidade moderna e que justiça social não se constrói com as mesmas armas que se construíram a injustiça.

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As redes sociais estão repletas de discursos de ódio gratuitos a tudo que lhes parece diferente. Ao imigrante, ao morador de rua, ao homossexual, ao comunista (ou tudo que seja mais à esquerda), ao favelado, ao torcedor do time rival, a quem pensa diferente. Não sabemos viver, o ódio – e a violência – se tornaram métodos simples e rápidos de solução de todos os problemas do mundo segundo a esquizofrenia coletiva. É só olhar os comentários das páginas no Facebook dos maiores jornais do país, na maioria das postagens os discursos de ódio são os mais expressivos (mais curtidos). Nesse bojo, alguns políticos que se apropriam desse discurso têm conseguido um grande público. A bandeira da intolerância disfarçada sobre o codinome de “moral” ainda continua atraindo muito público.

Além disso, a violência toma um caráter classista. Raramente se fala sobre as condições violentas de vida que muitas pessoas estão submetidas. O imigrante do Oriente Médio é violento, é terrorista, mas o Europeu que financia a guerra que gerou sua imigração, não. Uma criança no sinal fazendo malabarismo não é violência, mas trabalhadores pobres quando fecham uma rua ou colocam fogo em barricadas reivindicando condições mais humanas de trabalho, são. O que estamos entendendo por violência? Negros sendo os mais assassinados, menos escolarizados e maioria entre os presidiários não é violência? Trabalho infantil não é violência? O assédio cotidiano – e livre aceito entre os homens inclusive como forma de “aceitação” social – sobre as mulheres não é violência? Uma pessoa que não pode seguir sua orientação sexual, que não pode ter os mesmos direitos dos demais não é violência? Não podemos enxergar a violência apenas como ação. Essa, quase sempre (sabemos que não é uma regra) é reflexo da violência como condição de vida e é justamente esse tipo de violência que não condenamos, pelo contrário, aceitamos livremente como se fosse a “ordem” natural das coisas.

O que não podemos é cair na enganação simplista de dar mais violência aos violentos como forma de diminuir a violência. Não podemos aceitar que a polícia seja tão violenta quanto (ou até mais) do que as pessoas que estão sendo presas por serem violentas (como diria o Dep. Fraga, de Tropa de Elite). Não podemos educar nossas crianças com ameaças de violência, educação e violência não coexistem. As forças de (in)segurança não podem ser mais violentas que um manifestante algemado justamente por estar sendo violento. Não podemos aceitar a violência como remédio contra a violência. Parece clichê, mas a violência só é caminho pra mais violência.

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Para resolvermos um problema, precisamos ir às suas causas, caso o contrário, seremos tão eficientes quanto alguém que tenta secar uma pedra de gelo. O economista inglês Richard Wilkinson em seu livro The Spirit of Equality (O Espírito da Igualdade) fez uma análise onde ele percebeu que os países mais violentos da Europa eram exatamente os mais desiguais. A desigualdade em todas as suas esferas é a maior violência porque é permanente. Se o pau que bate em Chico não bater em Francisco, saberemos que há uma desigualdade de tratamento e que isso trará consequências (quase sempre violentas) para a vida de Chico. A solução que muitos apontam é: bata em Chico novamente! Por questões óbvias, nada irá mudar, a não ser quando começarmos a tratar Chico e Francisco de forma igual.

Enquanto não promovermos a tolerância e o respeito, nada disso vai mudar. Enquanto não promovermos o convívio (nem sempre pacifico) das pessoas e suas diversidades, nada vai mudar. Enquanto não buscarmos diminuir as injustiças e assimetrias sociais, não promovermos igualdade de direitos respeitando as diversidades, nada vai mudar. Enquanto não tentarmos combater as condições violentas de vida, nada vai mudar. Enquanto não entendermos que a eterna competição liberal só piorou tais condições, nada vai mudar. Pelo contrário, será pior.

*Saullo Diniz é graduando em Geografia pela UFRJ e colunista em Pragmatismo Político

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