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Violência contra professores: o Paraná está em todo lugar

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Semanas atrás, recebi surpreso um telefonema do diretor de uma escola em que trabalhei no passado. Conversa vai, conversa vem, em um tom sempre amistoso, ele foi ganhando terreno para então me “advertir” sobre o conteúdo de certas postagens minhas nas redes sociais, alegando que, como professor, eu não deveria ser “radical”, mas sim “mostrar sempre os dois lados”. Nas suas palavras, um tanto fortes, os jovens se apegam a “qualquer merda”, então nós professores devemos ter cuidado para não “influenciá-los demais”.

Ainda abalado com a conversa, usei dessas mesmas redes sociais para perguntar a colegas professores se eles vinham passando por constrangimentos parecidos. Alguns revelaram abertamente sofrer cerceamento, outros relataram “inbox” histórias terríveis de assédio moral e até mesmo de redução de vencimentos. Para piorar ainda mais, todas essas histórias tinham um ponto em comum: os professores eram conhecidos por advogarem valores tradicionalmente considerados “de esquerda” (como o respeito ao próximo, a tolerância ou o repúdio à miséria, bandeiras que, na verdade, deveriam ser incontestes em uma sociedade que se diz majoritariamente cristã).

De todos os relatos que colegas generosamente compartilharam comigo, o mais emblemático foi o de um professor de Português no interior de São Paulo: enquanto ele, por analisar textos considerados “subversivos”, teve reduzido seu número de aulas (e por conseguinte seus rendimentos), o professor de Biologia do colégio segue livre para exibir vídeos do Pastor Silas Malafaia, elogiando efusivamente o “brilhantismo” do criacionista.

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Nos últimos dias, assistindo às cenas de horror promovidas pela polícia paranaense durante manifestação de professores, foi impossível não relacionar todos esses acontecimentos àquelas cenas de barbárie. A extrema violência física praticada contra a classe, ao contrário do que possa parecer, não é nem de longe um episódio isolado. Antes, é apenas mais uma manifestação de um conjunto de agressões que os docentes estamos sofrendo e que, com o avanço do conservadorismo, tendem a se intensificar.

Isso porque os grupos conservadores sabem que a educação é um importante instrumento contra os retrocessos que eles vêm tentando promover – como a terceirização irrestrita nas relações trabalhistas ou o da redução da maioridade penal. Calar professores cuja atividade de promover a reflexão pode colocar em risco esses interesses, neste cenário, passa a ser parte de um nefasto projeto de sociedade, que já disputa espaço no debate político atual. Os que se identificam com os grupos de poder, conscientemente ou não, já perceberam isso, a ponto de alguns se sentirem no direito – quiçá no dever – de cercear nossas posições até mesmo nas redes sociais, tentando limitar nossa liberdade de expressão fora do espaço escolar.

Tendo isso em mente, é difícil pensar que o ataque à figura de Paulo Freire – alçado à posição de inimigo por muitos que marcharam “contra a corrupção” usando a camisa da CBF -, o massacre promovido contra professores paranaenses, a repressão do governo de São Paulo contra professores em greve e até mesmo as “advertências” como a que eu e outros colegas já sofremos sejam acontecimentos desconectados. Ao contrário, tudo isso parece fazer parte de um mesmo “espírito de época”, segundo o qual promover a reflexão crítica passa a ser uma postura “radical” contra os avanços conservadores. Nesse contexto, não apenas a violência promovida no Paraná, mas o ataque a qualquer um de nós é parte de uma movimentação maior para silenciar as vozes dissonantes. Tempos difíceis, nos quais se faz necessário retomar as palavras do poeta Drummond: “não nos afastemos”.

Henrique Braga, Brasil Post

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