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Resposta à escritora que disse que “mulheres devem ser mais maternais”

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Uma resposta a escritora autointitulada feminista Camille Paglia: mulheres devem ser o que quiserem!

Recentemente, no dia 24 de abril , a escritora auto-intitulada feminista (apesar de lutar pelo “direito dos homens“, de se opor a todo o feminismo, de desconsiderar as mulheres trans, e de defender um modelo utópico de feminilidade) Camille Paglia deu uma entrevista à Folha de S. Paulo na qual afirmava: “mulheres devem ser mais maternais“. Como transfeminista, e ativista brasileira, tomei a liberdade de enumerar os equívocos de Camille:

1. “Feministas de hoje culpam os homens por tudo. Feministas de hoje querem que os homens sejam como mulheres, pensem como mulheres. As feministas de hoje não são como as grandes mulheres dos anos 60”.

Feministas não culpam os homens por tudo. O feminismo percebeu, e Camille já deveria ter feito isso, que a produção da desigualdade nas relações de gênero é fruto do patriarcado, um sistema de poder, que fundamenta, historicamente, a supremacia do homem sobre a mulher. Obviamente, o acúmulo das lutas feministas tem trazido avanços, como o sufrágio e direitos políticos (ainda não paritários). Entretanto, Paglia não percebe que uma entrevista como a dela, dada em um país como o Brasil, em que os níveis de violência à mulher, os níveis de feminicídio, casos de estupro são imensos, é um verdadeiro desserviço – além, é claro, de ser uma mentira.

Nenhuma feminista quer que os homens “pensem” como mulheres. Aliás, Camille, existe, in natura e a priori, uma forma de pensar como homem e uma forma de pensar como mulher? Um jeito apriorístico e essencial de masculinidade e feminilidade? Em sua entrevista, se orgulha de ser uma feminista dos anos 60, mas não se lembra que “ninguém nasce mulher, se chega a sê-lo?”, ou Beauvoir é uma feminista contemporânea, Camille? Não existe um pensar como mulher, um pensar como homem, existe uma forma de olhar o mundo, que é geralmente condicionada pela cultura, que determina formas masculinas e femininas de ver o mundo. Essa diferença, moldada pela cultura, foi amplamente estudada pela feminista Lucy Iragaray, através dos estudos das enunciações feitas por homens e mulheres.

2. “O feminismo de hoje impede as mulheres de serem felizes”, “as mulheres devem se responsabilizar por suas vidas e parar de se vitimizar e culpar os homens, não há uma conspiração masculina”.

De qual modelo de felicidade parte esta afirmação? De uma felicidade submissa? Da mulher dona de casa? O feminismo de hoje permite a mulher escolher, libertar e inclusive a empodera para começar a experimentar seu próprio corpo e prazeres. As mulheres não estão enfraquecidas. Se estivessem, os homens e as anti-feministas, como você, não estariam reclamando tanto, não é verdade? Não estamos fazendo barulho? Não estamos conquistando direitos? E ainda assim, mulheres continuam recebendo 30% menos que os homens, e este dado é oficial.

Onde o feminismo fala em conspiração masculina? O homem, sujeito, ser humano, é diferente da estrutura patriarcal na qual se insere. Gostaria aqui de lembrá-la da filósofa feminista Judith Butler, em seu livro Mecanismos psíquicos do poder, quando ela nos fala sobre a forma como introjetamos o exercício do poder, seja no sentido de limitarmo-nos, seja no sentido de limitar o outro. O outro, nascido no patriarcado, educado pelo patriarcado, terá, obviamente, introjetado em si as formas de dominação patriarcais, e vai exercê-las, ainda que contra sua vontade. Não há uma culpa no homem, há, outrossim, um sistema de captura da própria masculinidade, como ferramenta de poder.

Por fim, depois associar o crescimento do “jihadismo”, com uma crise na masculinidade (como se os homens tivessem um instinto natural, ideia já superada desde de Margareth Mead, para a guerra, e não encontrando isso em nosso mundo, deslocam-se para lutar a jihad), Paglia propõe, em sua entrevista, que as mulheres, através da maternidade, exercem um tipo de poder sobre o homem e sobre a masculinidade, um poder que “por culpa do feminismo”, vem se perdendo.

Toda mulher quer ser mãe, Camille? Toda mulher pode ser mãe? Toda mulher possui um útero? E as mulheres trans, Camille? O que elas são, nessa concepção biologizante de homem e mulher?
Se há um poder na maternidade, não é o tipo de poder que lutamos pra ter. Aliás, não lutamos pra ter poder sobre os homens, mas para que o poder masculino para de nos estuprar, matar, apedrejar, perseguir, assediar, desempregar.

Não sei a realidade do mundo em que você vive, cara Camille Paglia. Mas no mundo em que vivo, seu texto é um desserviço masculinista que dá suporte ao patriarcado.

Fernando Vieira, Brasil Post

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