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Apenas 2 países da América do Sul punem jovens como propõe a PEC 171

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Na América do Sul, só Guiana e Suriname punem jovens como quer proposta de redução da maioridade penal discutida no Brasil. PEC 171 prevê que maiores de 16 anos cumpram penas em prisões destinadas a adultos, algo raro na região

Vanessa Martina Silva, Opera Mundi

A idade mínima para que um adolescente possa ser punido criminalmente é de 18 anos na maioria dos países da América do Sul. Caso a Proposta de Emenda à Constituição número 171, aprovada em primeira instância pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara dos Deputados nesta terça-feira (31/03), passe a valer no Brasil, o país — que já foi considerado vanguarda quanto à garantia de direitos das crianças e adolescentes na região — se tornará, ao lado de Guiana e Suriname, um dos mais rigorosos na punição de jovens. Isto porque permitirá que adolescentes maiores de 16 anos cumpram penas em prisões destinadas a adultos, algo que só ocorre nestes dois países sul-setentrionais.

No Suriname e Guiana, os jovens de 16 podem ser julgados — e presos — como adultos pelo sistema judiciário. Outra particularidade destes dois países — e que os torna ainda mais rigorosos com jovens infratores no subcontinente — diz respeito à idade a partir da qual crianças passam a responder judicialmente por delitos e infrações. Em ambos, crianças de 10 anos estão sujeitas a punições. Nas demais nações da região, bem como no Brasil, a idade fixada a partir dos 12 anos.

Cone Sul

A ideia de reduzir a idade na qual jovens podem responder criminalmente como adultos vem sendo debatida na região devido ao aumento da violência, uma das maiores preocupações dos cidadãos latino-americanos. Dessa forma, discussão similar à brasileira foi realizada recentemente em países como Uruguai, Costa Rica, Panamá e Argentina.

Na Argentina, assim como Suriname e Guiana, maiores de 16 anos já são passíveis de julgamento penal, tal qual adultos. A diferenciação, no entanto, é que os jovens não podem cumprir penas em prisões comuns. Além disso, o país é o único em toda a região que aplica pena perpétua a menores de 18 anos. Por essa razão, a CIDH (Corte Interamericana de Direitos Humanos) condenou a Argentina por violar o direito internacional dos direitos humanos de jovens.

Mesmo com a legislação mais rigorosa com relação aos delitos cometidos por maiores de 16, o país vivenciou, durante o processo eleitoral de 2013, um debate para que a maioridade fosse reduzida para 14 anos, mas a ideia não prosperou.

No Uruguai, ocorreu movimentação semelhante no ano passado, também durante a campanha eleitoral. Mesmo sendo considerado um dos mais seguros da região, o país viu a violência aumentar nos últimos anos. Como resposta, setores de oposição ao governo da esquerdista Frente Ampla, do ex-presidente José Pepe Mujica e do atual mandatário, Tabaré Vázquez, convocaram um referendo para debater uma reforma constitucional para que adolescentes maiores de 16 anos respondessem criminalmente com as mesmas penas e sentenças que os adultos. A proposta, no entanto, foi rechaçada pela maioria da população.

Por outro lado, a Bolívia, onde até 2014 regeu uma lei penal que estabelecia 16 anos como idade limite a partir da qual uma pessoa poderia ser julgada como adulta, modificou a legislação e a adequou ao que indica a CDN (Convenção de Direito das Crianças), criando um sistema especial para julgar os adolescentes entre 14 e 18 anos.

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Responsabilidade penal na AL

Mesmo neste cenário há, de modo geral na região, sistemas especiais de responsabilidade penal juvenil, que indica a idade a partir da qual adolescentes podem responder por atos delinquentes cometidos. A margem limite para isso varia entre 12 e 18 anos na América Latina. Outra característica da região é que as medidas de privação de liberdade ou de internação são aplicadas de maneira excepcional, quando o menor comete crimes considerados graves, e sempre como último recurso.

Apesar do debate atual no Congresso brasileiro, o Brasil é considerado pela Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) como modelo positivo na região por ter sido uma das nações pioneiras no estabelecimento da diferenciação entre maioridade e responsabilidade penal. No Brasil, há uma clara separação entre os modelos jurídicos após a criação da Justiça Juvenil e pelo fato de que a palavra “penal” não pode ser usada no código para menores de idade, além também da criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Assim, o modelo brasileiro serviu como base para códigos penais juvenis de outros países, como o Peru, por exemplo.

Nesta linha, a atual lei de responsabilidade penal juvenil do Chile, cuja maioridade é de 18 anos, estabelece que cidadãos entre 14 e 18 anos podem ser punidos, mas a reclusão é considerada o último recurso e somente para crimes graves e a reclusão, quando aplicada, é feita em centros de detenções separados dos adultos e que contemplem a continuidade dos estudos, pelo prazo máximo de 10 anos.

Sistema semelhante é adotado pela Colômbia, que também considera penalmente responsáveis os jovens que tenham entre 14 e 18 anos. As penas previstas para tais adolescentes, cujas finalidades são “educativas e restauradoras” variam de repreensão, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, internação em regime semifechado ou, em casos mais graves, privação de liberdade em centros de atendimento especializado, com prazo máximo de oitos anos. Não é permitido o cumprimento da pena no mesmo ambiente destinado a adultos. A lei define ainda que tanto os pais quanto o Estado têm responsabilidade de cooperar para prevenir as condutas irregulares dos jovens.

De acordo com estudo realizado pela Universidade argentina de Palermo, a Lei Orgânica para a Proteção da Criança e do Adolescente da Venezuela, aplicada entre pessoas de 12 e 18 anos, é o sistema mais “moderno, completo e que mais respeita os direitos e garantias das crianças e jovens que cometeram delitos”. A norma define que a privação de liberdade só pode ser determinada em crimes considerados graves e não deve ultrapassar sete anos.

Com lei menos específica, o Equador define que menores de 18 anos são inimputáveis e não entra em detalhes, apenas ressalta que menores de 12 anos não poderão ser privados de liberdade. No Paraguai, onde são considerados adolescentes pessoas entre 12 e 17 anos, em caso de privação de liberdade, a pena não poderá ser superior a quatro anos e acontece em um sistema distinto do destinado a adultos.

Jovens e Desenvolvimento Humano

Para a Unicef, “a reforma constitucional em tramitação no Brasil não só abalaria a reputação do país como pioneiro nos direitos da infância, mas também poderia ter repercussões negativas na região em seu conjunto“, uma vez que “as disposições sobre os direitos das crianças que estão incluídas na Constituição brasileira inspiraram muitas das reformas constitucionais na América Latina“.

Na mesma linha, o informe Regional de Desenvolvimento Humano realizado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), mostra que os jovens são o grupo mais afetado pelo crime e violência e são também os responsáveis mais comuns por eles. As cinco maiores taxas de homicídios de jovens no mundo (por 100 mil habitantes), estão na América Latina: El Salvador (92,3), Colômbia (73,4), Venezuela (64,2), Guatemala (55,4) e Brasil (51,6), segundo dados de 2011 da OMS (Organização Mundial de Saúde).

O informe diz ainda que as políticas de linha dura que foram desenvolvidas em diversos países potencializaram a violência contra jovens a partir de respostas reducionistas à problemática.

Assim, em vez de investir em punições contra jovens e adolescentes, a orientação das Nações Unidas é que o tema seja tratado com políticas específicas que se centrem em atender as necessidades e vulnerabilidades próprias às que os jovens estão expostos, em uma realidade em que há baixa mobilidade social e precariedade de trabalho. O organismo também recomenda maior investimento em escolas para que assim seja reduzida a exposição dos jovens à violência e seja promovida uma maior expectativa de vida.

A recomendação da ONU é que se evite a redução da maioridade penal de menores e, ao invés disso, seja dada prioridade à Justiça alternativa e o investimento na reinserção social efetiva para crianças e jovens. A adoção de penas alternativas à privação de liberdade no que se referir ao direito de menores e que a prisão seja aplicada como último recurso e durante o mínimo tempo possível para garantir as condições de internação que possibilite a reabilitação.

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