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A ditadura da promiscuidade

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Mailson Ramos*

Os mais importantes grupos de comunicação do Brasil tratam a liberdade de imprensa com a excelsa valorização de suas representações. E não poderia ser diferente depois de vinte e um anos de cerceamento e repressão ao livre pensamento. A ditadura militar foi suprimida com os ideais e as lutas pela redemocratização. Iniciava-se naquele período uma busca por roteiros capazes de direcionar a imprensa para novas conquistas, sobretudo no campo da liberdade. Sonhou-se com organizações livres do interesse capitalista e muito mais interessadas nos paradigmáticos códigos de ética do jornalismo e da comunicação social. A imprensa anuiu à ideia de liberdade que emanava da ruptura com o totalitarismo e florescia nas tenras perspectivas da democracia. Mas, ao contrário do que esperavam os mais otimistas, a imprensa brasileira cedeu a outra ditadura. Configurava-se, assim, a promiscuidade nas relações entre imprensa, poder (dinheiro) e política.

A imprensa brasileira não é livre. Punge-se e contorce-se de dor quando tem a obrigação de deflagrar um noticiário sobre um esquema de corrupção caso seus patrocinadores estejam envolvidos. O aprendizado de mecanismos para preservar a imagem de algumas pessoas ou empresas tem levado os jornais (eletrônicos ou impressos) a cometer equívocos absurdos aos olhos do atento leitor. De repente, as notícias que não interessam ao jornal são reposicionadas em páginas descartáveis, citadas num espaço pouco visitado ou nem mesmo entram na edição. Nos telejornais, especialmente no Jornal Nacional, da TV Globo, o vulto das palavras mal pronunciadas e efêmeras faz contraste com a parcimônia dos apresentadores quando tratam de outros assuntos. É possível que estes mecanismos tenham sido importados da internet. Nos portais de notícias é sempre mais fácil suprimir uma nota na diversidade das informações.

Não fosse a ditadura da promiscuidade, a imprensa dedicaria a formação de sua agenda em assuntos muito mais diversos do que o escândalo de corrupção na Petrobras, por exemplo.

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Não o faz por proposital indolência. Definiram que este assunto deve ser mastigado até os engulhos do “prossumidor” de notícias. Não vale a pena retratar outras temáticas pela periculosidade das relações promíscuas. Alguns assuntos, condicionados ao esquecimento, com ranqueamento negativo na agenda, podem ser facilmente removidos das discussões cruciais que se faz no Brasil, especialmente nas academias, nas rodas de intelectuais e nos mais diversos grupos da sociedade civil. A imprensa tem esta responsabilidade e dela se desfaz a todo instante no momento em que define suas necessidades financeiras e econômicas em detrimento de sua vocação primacial.

O incômodo visceral da imprensa é ser criticada. O não reconhecimento destas críticas provoca, em sentido amplo, um efeito de ostracismo que somente referenda a existência de uma ditadura na imprensa, paralela ao sistema de representatividade civil. É preciso pensar que esta não é uma característica apenas da imprensa brasileira. Existem casos parecidos em outros países do mundo. Mas é justo que se reconheça os erros internos e que eles sejam admitidos para o crescimento de uma imprensa verdadeiramente livre. Não é possível que as organizações de comunicação adquiram uma visão puramente econômica das coisas. Parece que com isso o jornalismo e a essência da notícia permanecem prejudicados irremediavelmente. Mas não é apenas isso. Prejudica-se também o foco das coberturas, a amplitude e profundidade do debate, a consciência jornalística dos profissionais e a fundamentação da criticidade na opinião pública.

É possível que algumas empresas de comunicação tenham percebido a nocividade desta ditadura. Além de perceber, é preciso alterar o roteiro das interpretações que em vez de libertarem a imprensa, tem a transformado em objeto de poder nas mãos de grupos hegemônicos poderosíssimos. Muito difícil é pensar numa saída quando estes grupos hegemônicos são propriamente conglomerados do setor de comunicação. Mas em vez de pensar em soluções repentinas ou deliberar sobre o fracasso, o melhor para a imprensa brasileira e a sociedade em geral é discutir a Lei de Meios. Somente assim será possível pensar numa resposta para a ânsia daqueles que defendem a comunicação livre, integrada e definitivamente ética.

*Mailson Ramos é escritor, profissional de Relações Públicas e autor do blog Nossa Política. Escreve semanalmente para Pragmatismo Político.

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