Redação Pragmatismo
Cuba 10/Fev/2015 às 11:53 COMENTÁRIOS
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O que Cuba ganhará a partir da nova relação com os EUA?

Publicado em 10 Fev, 2015 às 11h53

Cuba e EUA: abrem-se as cortinas. Para que a ilha caribenha obtenha os benefícios da nova relação social e comercial anunciada, é necessário que crie estruturas e mecanismos econômicos mais eficientes

cuba eua aproximação
Cuba e EUA anunciaram aproximação em dezembro (Huffington Post)

O esfriamento entre os dois países suscitou uma série de dúvidas que inexoravelmente nos remetem à questão sobre as necessidades de modernização da ilha.

O processo de negociações iniciado entre os governos de Cuba e Estados Unidos para reestabelecer as relações diplomáticas e consulares, e para abrir pontes de colaboração em assuntos de interesse mútuo, esteve sob a mira de meio mundo ao longo do último mês.

Logo após o primeiro passo dado pelos presidentes Raúl Castro e Barack Obama, de anunciar a vontade normalizar as relações entre Havana e Washington – referendado com uma impactante troca de prisioneiros –, foram dados novos passos em direção a esse futuro possível de boa vizinhança. Ou, ao menos, de vizinhança civilizada e até cooperativa.

Cuba-EUA, pontapé inicial à normalização

O anúncio feito pelo presidente norte-americano das primeiras medidas efetivas, seguindo pelo diálogo na capital da ilha por representantes de ambos os governos durante a terceira semana de janeiro, inicia uma trilha que, de ambas as partes, insistiram em qualificar como longa e complexa, após mais de meio século de distância, tensão e identificação do outro como o inimigo.

Não poderia ser menos do que alentador ver as delegações do “império” e da “ilha comunista” sentadas à mesma mesa, discutindo seus pontos de vista, mostrando-se inflexíveis em temas considerados como de princípio por suas respectivas políticas, revelando que existem diferenças conceituais profundas, mas sobretudo dialogando civilizada, construtivamente, segundo as palavras de uns e de outros.

E não pode ser menos do que desolador pensar que foi preciso passar esses cinquenta anos e muitas, muitas coisas no mundo e na vida dos cubanos para que algo assim fosse, enfim, possível…

Três gerações de cubanos vivemos sob a pressão dessa profunda e dramática diferença política entre Cuba e Estados Unidos. Uma diferença que se manifestou por meio do ainda existente embargo decretado em 1962, de diversas agressões verbais e físicas e planos desestabilizadores do sistema cubano, de enfrentamentos em fóruns internacionais e da marginalização de Cuba de alguns deles – como a Cúpula das Américas, da qual havia sido excluída por pressão expressa de Washington.

Relações Cuba-EUA: uma travessia única repleta de obstáculos

E, de súbito, graças ao entendimento do presidente Obama de que essa política de meio século havia fracassado e a vontade várias vezes expressada pelo general Raúl Castro de que seu governo estava disposto a falar com seu homólogo norte-americano sobre todos, absolutamente todos os temas possíveis, incluindo o polêmico assunto dos direitos humanos, derrubou-se uma parte do muro da incomunicação e se baixou a tensão que fora entronizada no Estreito da Flórida.

Ainda quando houver setores e pessoas que, com suas razões – ou sem razões –, considerarem praticamente uma traição a nova atitude de ambos os executivos, o certo é que a nova situação política, que anuncia uma nova conjuntura econômica, começou a gerar mudanças em cuba. Essas mudanças irão crescendo, e sua materialização seria um resultado impensável no clima anterior de hostilidade.

Para começar, dentro de Cuba vimos uma mudança na retórica e nas reações verbais. Escutar funcionários cubanos falando igualmente das diferenças e coincidências com seus colegas norte-americanos é algo a que não estávamos acostumados.

Obama pede ao Congresso para suspender o embargo a Cuba

E menos o fato de que, quando se mencionaram essas diferenças, não se tenha feito um discurso político defensivo, acusatório em relação ao outro, por mais sensíveis que sejam os problemas abordados, como ocorre com as políticas migratórias (a Lei de Ajuste Cubano, ou a disposição que concede asilo aos profissionais médicos cubanos que estejam dispostos a abandonar suas missões no exterior) ou com as concepções sobre democracia e direitos humanos que cada um sustenta.

Um respeito e, sobretudo, uma igualdade que só agora descobrimos ser possível em uma relação histórica que sempre se caracterizou pela hostilidade e pela resposta rápida e combativa.

Escutar que a ilha do Caribe receberá homens de negócios e empresas norte-americanas dedicadas ao trabalho das telecomunicações é, para os cubanos, como ouvir falar do impossível.

Em um país onde, por limitações práticas, se fez um uso político das novas tecnologias da comunicação e da informação, com um polêmico e limitado acesso à Internet, o fato de abrir as portas e receber – e logo veremos os resultados – empresas que podem modernizar em um curto prazo um sistema tão fechado parece um argumento de ficção científica.

A abertura entre EUA e Cuba beneficiará a economia da ilha

Mas se Cuba decidir aceitar o desafio da nova conjuntura, sua primeira ação prática não pode estar em outro território senão no da modernização de sua obsoleta infraestrutura, repleta de grandes problemas não apenas nas telecomunicações, mas também no transporte, nas estradas, na construção de moradias, nas instalações aeroportuárias… muitos dos territórios sobre os quais incidirá diretamente a anunciada e presumida chegada de centenas de milhares, talvez milhões de visitantes norte-americanos que agora poderão viajar a Cuba em virtude da ampliação das licenças requeridas para tal deslocamento.

Saiba mais: Finalmente, como vivem os cubanos?

Várias vezes me perguntam se, a meu ver, Cuba está preparada para receber um aumento significativo de visitantes – que no ano passado chegou aos três milhões, mas poderia elevar a quatro, cinco, num curto prazo, se se cumprirem as condições e os norte-americanos “invadirem” a ilha… E minha resposta, de simples observador, é que não, não está preparada.

A aproximação entre Cuba e EUA é uma vitória política de Havana

Basta como prova o fato de que hoje mesmo, na cidade de Havana, as capacidades hoteleiras estão operando no limite. Ou que sirva de exemplo gráfico ver o estado de abastecimento, a qualidade e a variedade dos produtos vendidos nos mercados. Onde se hospedarão, o que comerão e beberão esses visitantes? Em quanto tempo e com qual capital o país pode se preparar para um crescimento repentino do número de turistas que desejem chegar a suas cidades e praias?

Soou o alarme para o sistema econômico cubano. Para obter os benefícios possíveis da nova relação social e comercial anunciada como possível, é necessário criar estruturas mais ágeis e mecanismos econômicos mais eficientes, algo que se tornou o mais problema de um país e de um sistema para o qual, nas palavras de seu presidente, a economia (a eficiência da economia) continua sendo sua grande questão pendente.

Os primeiros passos, que pareciam ser os mais difíceis, foram até o momento os mais fáceis, pois dependiam de uma vontade política. Os que devem ser dados no futuro se mostram muito mais complexos e, sem dúvida, cheios de riscos e desafios. Porque, para concretizá-los, não bastam as mudanças na retórica e na mentalidade, mas nas muitas estruturas sociais e econômicas. Enfim, as cortinas apenas se abriram. Agora é que o show começa.

por Leonardo Padura, escritor e jornalista cubano. Tradução: Daniella Cambaúva, Carta Maior

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