Camila Tribess
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Drogas 22/Jan/2015 às 19:57 COMENTÁRIOS
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Pena de morte na Indonésia - reflexões a partir do caso de Timor-Leste

Camila Tribess Camila Tribess
Publicado em 22 Jan, 2015 às 19h57
Pena morte Indonésia Timor-Leste
(Imagem: Pragmatismo Político)

Camila Tribess*, Pragmatismo Político

Após a execução do brasileiro condenado à pena de morte por tráfico de drogas na Indonésia, surgiram as mais diversas reações sobre o tema. Órgãos internacionais e o governo brasileiro se manifestaram contra o julgamento e o debate sobre a pena de morte reacendeu.

Leia também: Rachel Sheherazade defende fuzilamento do brasileiro Marco Archer

Infelizmente, por falta de conhecimento político e histórico, muitas pessoas cotaram a Indonésia como sendo um país “sério”, com leis rígidas e que “não dá moleza para bandido”. Mas para aqueles que tiveram um pouco mais de acesso à história desse arquipélago, com mais de 16 mil ilhas no sudeste asiático, a história mostra-se bem diferente. O jornalista e blogueiro Leonardo Sakamoto chegou a trazer, nessa semana, para a memória das pessoas o caso de Timor-Leste, mas acredito que vale a pena juntar essas peças de forma mais apurada.

Timor-Leste foi colônia portuguesa até 1974, quando Portugal abandonou suas colônias por causa da Revolução dos Cravos nas terras lusitanas. Entre 1974 e 1975, o país asiático viveu uma guerra civil e finalmente declarou sua independência – que durou apenas 8 dias! No dia 7 de dezembro de 1975 a Indonésia, apoiada por potências como EUA e Austrália (Timor-Leste tem uma reserva de petróleo considerável), invadiu de forma covarde e cruel o pequeno território timorense e permaneceu por 24 anos, enfrentando uma população que se armou em defesa própria e que, mesmo com escassas armas e pouquíssimo apoio internacional, venceu finalmente a luta, num referendo organizado pela ONU em 1999 (para quem tiver interesse, o documentário de Lucélia Santos, “Timor-Leste: o massacre que o mundo não viu” é bastante ilustrativo).

É importante ressaltar que a Indonésia, sob o regime de terror do ditador Suharto, matou só em terras timorenses cerca de 300 mil pessoas (estimativas do Arquivo e Museu da Resistência Timorese com base em censos populacionais), a maioria jovens, crianças, mulheres e idosos. Os relatos obtidos após a libertação de Timor-Leste foram reunidos no relatório final da Comissão de Acolhimento, Verdade e Reconciliação que, em mais de 2 mil páginas, apresenta os mais atrozes massacres cometidos pelos militares indonésios e pelas milícias por eles formadas. Não faltou nada: campos de concentração, mutilações, estupros, mortes por esmagamento, por afogamento, uso de armas químicas… enfim, a barbárie completa.

A ditadura do general Suharto acabou em 1998. Depois disso a Indonésia já teve diversos presidentes, muitos deles eleitos – inclusive Joko Widodo, festejado pelos indonésios como sendo mais progressista e em quem se depositou muitas esperanças na eleição do ano passado. No entanto, chamar a Indonésia de democracia é um exagero. As forças militares ainda detém um poder imenso sobre o governo e a sociedade, em especial sobre a imprensa. A organização Freedom House dá uma nota 3 (o país menos democrático teria nota 7 e o mais democrático teria nota 1 nessa escala) para as liberdades individuais e de imprensa no país – o Brasil está acima da Indonésia em todos os itens abordados.

Além disso, genocídio similar ao perpetrado em Timor-Leste segue acontecendo, longe dos holofotes, agora na Papua Ocidental, que luta há anos por sua independência e contra a exploração de suas riquezas minerais.

Vamos à questão da pena de morte e das drogas na Indonésia – ponto inicial dessa questão toda. Não! A pena de morte não inibe o tráfico de drogas, apenas aumenta o preço cobrado por elas no país. Faça uma busca rápida em qualquer fórum de viajantes, surfistas ou mochileiros e você facilmente vai encontrar dicas de onde conseguir boas drogas na Indonésia sem ter problemas com a polícia. A ilha mais turística do país, Bali, é famosa também pelo acesso fácil a qualquer tipo de droga lícita ou ilícita. A ladainha dos vendedores é conhecida por qualquer um que tenha andado pelas ruas de Kuta (praia de Bali) – “viagra, marijuana, haxixe, cocaine, mushrooms, something more…” – e esses vendedores muitas vezes estão a poucos passos de um posto policial. São famosas também as extorsões sofridas por turistas desavisados que, ao expressar interesse por alguma dessas drogas, precisa pagar quantias altíssimas para não ser denunciado pelo próprio vendedor. Além de Bali, diversas outras ilhas, em especial as mais turísticas, são internacionalmente conhecidas pela grande oferta de drogas.

O mais interessante é que – voltando ao caso de Timor-Leste – foi feito um acordo através da ONU em 2001 e reafirmado pelo relatório da Comissão de Acolhimento, Verdade e Reconciliação (CAVR) citado acima, que a Indonésia buscaria, através de seus próprios meios de investigação e julgamento, punir os responsáveis pelos massacres e crimes contra humanidade praticados em Timor-Leste. No entanto, hoje, passados 15 anos da saída da Indonésia do território timorense, a constatação da CAVR (de 2005) segue sendo válida, “aqueles que planejaram, ordenaram, cometeram e são responsáveis pelas mais graves violações de direitos humanos não foram chamados a prestar contas, e, em muitos casos, viram as suas carreiras militares e civis florescerem devido às ações praticadas”.

Assim, fica o pedido do povo timorense – representado nas páginas do relatório da CAVR -, e de todos aqueles que conhecem um pouco da história da Indonésia, que este país, agora elevado ao patamar de “sério”, “com leis rígidas”, “cumpridor da lei” e “intransigente com bandidos” comece a julgar os maiores criminosos de sua história – os militares responsáveis pelas atrocidades cometidas em Timor-Leste.

E, para os brasileiros que apoiaram e aplaudiram o show de horrores do fuzilamento dos condenados na Indonésia, que reflitam um pouco mais sobre os contextos políticos e sociais dos países antes de saírem em defesa dos supostos paladinos da boa governança, da justiça e do cumprimento das leis. Sem falar na necessidade urgente de uma reflexão séria sobre o que significa essa “guerra às drogas” e suas consequências sociais.

*Camila Tribess é professora, mestre em Ciência Política pela Universidade Federal do Paraná, atua em projeto de cooperação internacional da CAPES/MRE em Timor-Leste e colaborou em Pragmatismo Político.

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